sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Faces" por Hugo Carneiro Coutinho


O homem é o ponto de partida para Faces, de John Cassavetes (1968). Richard Frost, ou Dickie (John Marley) é um empresário de sucesso que vai tentar um investimento no ramo cinematográfico. É casado com uma bela mulher (Maria Forst, vivida por Lynn Carlin) e mantém relacionamento com uma prostituta de luxo, Jeannie (Gena Rowland). Faces é o primeiro filme do diretor que aborda o tema conflito de casamento, que seria repetido em vários de seus próximos filmes. Paralela e concomitantemente, trata da vida íntima de personagens da high society americana. No final das contas, discute amizade e solidão, da forma mais crua possível.

A introdução de Faces mostra Dickie recebendo um grupo de empresários lhes oferecendo um produto, que é um filme. Eles então começam a tergiversar sobre otal produto, para convence-lo a patrocinar a empreitada, uma clara ironia à produção independente a qual o filme está inserido. Um deles diz que é a “Doce Vida do cinema comercial”, e o outro nega, dizendo que todos já perderam muito tempo falando de números (referência às tramas fragmentadas de tantos diretores), e que agora procuravam algo mais sincero, mas também bem feito. Após todas as considerações, o filme começa.

Em Faces, cenas longas, poucos cortes e diálogos precisos tiram o fôlego do espectador. Cassavetes vem da tradição do teatro e ele mesmo atuava nos palcos antes de começar escrever e fazer filmes. Daí justifica-se a digníssima direção de atores, provavelmente muito ensaio e entendimento do texto incidental. Há cumplicidade, sendo ele muitas vezes amigo de quem representa seus personagens. O exemplo mais notável é a deslumbrante Gena Rowland, que trabalhou nada menos que dez vezes com o diretor.

A crueza do filme se traduz em sinceridade. Através dos diálogos é possível identificar-se com facetas de praticamente todos personagens, porque eles são tão reais. Não dá pra encontrar um supérfluo dentro da trama. Apenas eles estando em cena, lhes são revelados características íntimas. Isso é uma constante.

Dickie é um homem rico visto de perto, em sua vida fora do trabalho. Tem um senso de humor incrível, mas guarda consigo angústias que são só suas. Mantém um casamento aparentemente estável e sem filhos, com uma mulher bem mais jovem. Extravasa na bebida, mas sabe beber, e tem em Jeannie sua parceira e amiga. A bebida, inclusive, perpassa todo o filme, trazendo à tona as vontades e sentimentos mais latentes de cada figura.

Em um de seus extensos diálogos, Dickie fala que amigos nunca se levam a sério. Os personagens nunca são quem eles mostram ser à primeira vista e é fascinante descobrir quem é cada um a cada minuto do filme, e de perto. Cassavetes abusa usa closes. Como Bergman, seus filmes têm poucos personagens, e no caso de Faces, as filmagens são praticamente todas em ambientes internos, geralmente interior de casa, mas diferentemente do diretor sueco, seu cinema é o mais real cotidiano que surreal. Cassavetes tem o ímpeto de ser mais realista ao dizer que tudo é filme antes do filme começar, fazer uma avaliação de sua obra antes de mostra-la, e deixar avisado que tudo é real, verossímil e possivelmente causará angústia em um casal de meia idade qualquer.

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