sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Ode ao belo e à sofisticação" por José Bruno Marinho




Ode ao belo e à sofisticação

Considerado um dos clássicos do cinema mundial, Bonequinha de Luxo (“Breakfast at Tiffany’s”, EUA, 1961) apresenta um enredo polêmico, que vai de encontro à moral idealizada e cultivada pela sociedade da época na qual foi lançado. O filme ousa ao colocar como protagonista da narrativa uma mulher de regras próprias e completamente alheia às opiniões e aos julgamentos dos outros. Perdida entre a ambição, a ingenuidade e a futilidade, Holly Golightly (Audrey Hepburn) é uma garota de programa que vive em Nova York e está em busca de um milionário para se casar. Porém, ela vê suas convicções se abalarem ao conhecer seu novo vizinho: Paul Varjak (George Peppard), um gigolô mantido por uma mulher mais velha e que sonha em se tornar um escritor renomado. O encantamento inicial de um pelo outro logo evolui para um romance, o qual denota certo ar de impossibilidade, uma vez que ambos são mantidos por terceiros e aparentam estar relativamente confortáveis com tal situação.

O roteiro do filme é baseado num livro escrito, em 1958, por Truman Capote, um escritor que não hesita em transformar em literatura suas idéias mais ousadas. Quase sempre, suas histórias revelam-se impactantes, seja devido à complexidade dos seus personagens – geralmente, de moral e hábitos questionáveis pela sociedade –, seja por suas escolhas temáticas. Adaptado para a tela grande, seu livro estreou nos cinemas três anos depois, sob a direção de Blake Edwards. O filme, lançado no Brasil com o título Bonequinha de Luxo, veio ratificar a concretização do que muitos classificavam como improvável: conseguir filmar uma obra de Capote de forma que o resultado não apaziguasse os ânimos mais familiares e conservadores. Isso porque todo o cinismo e o pessimismo que permeiam o romance original deram espaço a uma leveza e a uma capacidade de sedução que conseguem driblar até o mais tradicional dos espectadores.

Essa proeza foi alcançada, sobretudo, graças ao talento da protagonista e do diretor do filme. O charme e a delicadeza de Audrey Hepburn concederam à garota de programa Holly um quê de doçura e ingenuidade suficiente para transformar, aos olhos dos espectadores, a amoralidade da personagem em uma característica mais charmosa e atraente do que reprovável. Dificilmente, quem vê o filme encontra maldade nos desejos e atitudes de Holly. Chega até a acontecer o efeito inverso: uma verdadeira simpatia é construída à medida que os sonhos e o jeito peculiar da protagonista são descortinados. Mais do que deslumbrante devido à elegância que tal personagem lhe permitir transpor da vida real às telas do cinema, Hepburn está fascinante e indiscutivelmente apaixonante nesse papel.

O outro responsável por transformar Bonequinha de Luxo em um filme, paradoxalmente, pesado e delicado é, sem dúvida, o diretor Blake Edwards. Fiel aos seus próprios interesses e instintos, o cineasta não se deixou intimidar com as cobranças e limites que o rótulo “adaptação cinematográfica” traz consigo e concebeu uma obra cinematográfica mais coerente com os seus gostos e humor pessoais. Ou seja, distanciou-se um pouco da atmosfera capotiana, tão intensa e provocativa, a fim de dotar de certa leveza e fantasia a história de uma alpinista social, cujo comportamento poderia gerar repulsa e aversão no público da época. Por conseguinte, o filme – que poderia ficar marcado pela polêmica de apresentar uma história cuja protagonista é uma garota de programa – revela-se um sincero relato audiovisual do drama de uma pessoa sedenta por uma auto-realização apenas saciada pelo conforto e luxo que a riqueza lhe poderia fornecer. E Bonequinha de Luxo consegue, então, traduzir, em imagens, a desconcertante beleza que pode existir na sombra de uma realidade naturalmente cruel: as dolorosas escolhas que condicionam a satisfação dos desejos e interesses pessoais.

Uma característica interessante na protagonista do filme é que ela busca evitar, ao máximo, que as pessoas que a circundam consigam ir além da superfície do seu universo particular, ainda que alguns personagens (Paul, em especial) desejem e tentem transpor essa barreira, uma vez atraídos e fascinados pela ingenuidade, doçura e fragilidade de Holly. E essa impotência acaba se alastrando, sob uma diferente perspectiva, por entre os espectadores da película: Bonequinha de Luxo traz consigo uma estranha melancolia que anestesia os olhos atentos de quem não vive naquele mundo peculiar que lhe é apresentado, mas que se sente tão atraído quanto distante da realidade da personagem de Audrey. Por outro lado, Bonequinha de Luxo presenteia os espectadores não apenas com o charme, a graça, a beleza e a irreverência de uma personagem cativante, mas também com a maneira peculiarmente delicada, mágica e sentimental de traduzir em imagens um romance urbano de pesada temática.

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