sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Simples, alienado, brilhante." por Roberta T. T. Dornelas



A vida não havia sido fácil. A infância, repleta de tristeza, sem conhecer o pai nem receber o amor da mãe; na adolescência, tornou-se ladrão e foi preso aos 16 anos. O jovem François Truffaut provavelmente não imaginava o futuro brilhante que o esperava. Com a ajuda de um amigo, tornou-se crítico de cinema e descobriu na arte um modo de mudar de vida. Alguns anos mais tarde, deu início à sua carreira como diretor de cinema com o filme Os Incompreendidos (1959), primeiro de uma série de cinco obras que contam a vida de Antoine Doinel, personagem criado para ser o alter-ego de Truffaut.

Os Incompreendidos narra a triste infância de Doinel (e também do próprio Truffaut). Foi seguido por Antoine e Collete e, em 1968, por Beijos Proibidos, considerado uma das obras-primas do diretor francês. Este último foi lançado numa época de grandes perturbações na França, com o país todo envolvido numa movimentação estudantil que dominava as ruas de Paris. Mas a obra de Truffaut se mantém distante de acontecimentos políticos e narra a vida quase monótona de Doinel, utilizando-se de fatos cotidianos da vida de um jovem alienado para construir uma narrativa romântica e com bastante humor.

O filme começa com a expulsão de Doinel do exército por mau comportamento. Desde o início, fica evidente a infantilidade do personagem, que não parece ter completado ainda sua transição da adolescência para a idade adulta. Sua ingenuidade (talvez alguns chamem de estupidez) o faz perder o emprego que arranja como porteiro noturno de um hotel. Logo depois, porém, consegue emprego numa agência de detetives, onde trabalha durante quase todo o filme. Antoine Doinel é o tipo de pessoa que não segue uma ideologia nem costuma trabalhar duro para conseguir o que quer. Tudo o que precisa é de tranqüilidade e não faz esforços além do necessário. Trabalha para comer e só.

Antoine ama uma jovem chamada Christine Darbon, que não demonstra ter muito interesse nele. Os pais de Christine parecem gostar mais do rapaz que ela mesma. Apesar desse amor, Antoine não resiste à sua forte veia de adolescente irresponsável e acaba em aventuras amorosas sem futuro. Primeiro, quando sai do exército e corre para os braços de uma prostituta; depois, quando vai trabalhar disfarçado em uma loja de sapatos (ainda em seu emprego como detetive) e acaba se envolvendo com a esposa de seu chefe, uma mulher bela e experiente, que o seduz até conseguir o que quer. Após essas experiências, entretanto, Antoine acaba descobrindo que prefere o conforto e a delicadeza de um amor adolescente a tórridos romances adultos, e volta para Christine, com quem viria a se casar no filme Domicílio Conjugal e se divorciar no último filme da série, Amor em Fuga.

Doinel não era um Don Juan, nem um revolucionário; além disso, Beijos Proibidos mostra uma fase pacífica e sem grandes perturbações de sua vida. Com um roteiro aparentemente simples, sem episódios muito significativos a serem narrados, Truffaut consegue ultrapassar o óbvio dos filmes que freqüentemente vemos e fazer uma obra interessante sobre a vida de um simples rapaz. Ele não precisou de catástrofes, crimes ou fatos bizarros. Afinal, para um grande diretor, pequenos acontecimentos bastam.

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