sábado, 15 de novembro de 2014

"Jules et Jim", por Raian Oliveira



É impressionante como o filme Jules et Jim (Truffaut, 1960) consegue se manter completamente atual e transgressor com mais de cinquenta anos decorridos e conserva em si uma modernidade pungente tanto esteticamente quanto na questão temática. Trazer uma “revolução” no padrões de relacionamentos, questionar o próprio status do casamento e trazer todas as mudanças atreladas a uma figura que se construiu na dependência de um outro gênero é uma forma arrebatadora de se discutir o tema.

Apesar do filme receber o nome dos dois amigos, o desenlace da trama tem como imã e catalisador de todas as ações a inesquecível Catherine (Jeanne Moreau). Sem muito sermão e pudor ela age em função de si mesma. Seguindo o fluxo da sua vontade, os planos e idealizações de futuro se condensam no aqui-eagora, em um certo apego ao que está no presente e reflexo de sua vontade além
da moralidade. Uma discussão-monólogo na beira de um rio desencadeia um protesto aos moldes dela, utilizando seu corpo como contestação ela se joga no rio ao escutar de Jules (Oscar Werner) seus comentários sobre a inferioridade feminina. “Em um casal, a mulher deve ser fiel. A fidelidade do homem não importa” diz Jules para Jim (Henri Serre) em um de seus “argumentos”enquanto Catherine passeia antes de se jogar.

Não passa muito tempo para que Jules e Jim se apaixonem por ela e iniciem um triângulo amoroso ao qual ela centraliza todas as atenções e faz com que tudo gire em torno dela. Descontinuidades na montagem — que bem melhor explorados em Acossado (Godard, 1960) — e cenas congeladas por alguns frames intensificam a experiência dessa adaptação literária de Truffaut. Em um diálogo com Jules e Jim, Catherine explicita o quanto havia aprendido e mudado após conhecer eles e lindamente começa a esboçar suas expressões normais antes do encontro e da vivência que, magistralmente congeladas, dão a impressão de fotografias dentro do filme, de certa dilatação no tempo como forma de contemplar tudo aquilo que logo mais voltará a se dissolver em movimento.

A casa em um local isolado, cercado predominantemente por árvores, torna-se refúgio e criação de um reino utópico ao qual a rainha é Catherine. Tudo se torna possível no campo dos sentimentos. Jules, Jim e Albert (Serge Rezvani) convivem como se toda possessividade-romântica-monogâmica fosse quase que completamente abolida. A troca de parceiros é constante. Catherine fala em
algum momento do filme que o amor é como ciclos que vêm e voltam, resumo do que seria não só o seu, mas o de Jim — que se apaixona e desapaixona não só por Catherine, mas por Gilberte também — e de todos que se escutam além dos segredos-tabu escondidos pelo mito do amor eterno. Mito esse que, inconformada com o fim do que seria o controle de Jim, anunciado por um casamento definitivo, tenta mata-lo como forma de eternizar e manter o controle sobre aquilo que começara a fugir dos seus planos.

Jogar-se no rio, como havia feito antes, agora como ato final e percepção de que não se poderia ter controle sobre tudo, principalmente em uma relação egoísta. Eternizar e permanecer aquele que tenta fugir, e mais uma vez o rumo dele é preso ao dela. Dessa vez, não mais como a primeira, os resultados de seu protesto corporal não serão vistos por ela, mas ela sabe, em alguma parte, a
sua cristalização não só na vida de Jules, mas na de tantos outros homens pelos quais dominou. E, com certeza, por todos aqueles que se dedicaram a assistir a essa obra-prima. 

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