domingo, 4 de julho de 2010
Life of Brian – a versão pythonesca para nonsense político/religioso anunciador do fim dos tempos, por Milena Wanderley
A falta de sentido para a maioria das coisas na vida parece ser o norte das ações de pesquisa de muitos cientistas e filósofos. Esta questão já moveu pessoas como Nietzsche e Darwin em teorias que explicassem de onde veio o ser humano e qual é o sentido de sua existência , assim também, parece ser conduzida a narrativa cinematográfica do grupo de humor britânico “Monty Python”, que , inicialmente, produziu para a emissora BBC a série “Monty Python's Flying Circus” e ganhou notoriedade em todo mundo difundindo o sentido do verdadeiro humor britânico.
Para os ocidentais no chamado novo mundo, perceber o humor britânico é um exercício de leitura de mundo e perspicácia, e devido ao precário estímulo para sensibilidade de fazer leituras mais profundas, poucos são aqueles capazes de preencher as lacunas que levam ao riso. E é justamente esta falta de gratuidade e intenção crítica audaz, que chama atenção nas comédias nonsense britânicas, e, em particular, nas que foram produzidas pelo grupo já referido.
Aqui, traçar-se-á um comentário mais analítico que crítico acerca do longa “Life of Brian – A vida de Brian”, procurando enunciar as relações discursivas que caracterizam o humor produzido na Inglaterra bem como apontar alguns dos eventos julgados importante no filme em questão. Para tal, far-se-á também presente, neste comentário, comparações com o clássico pós moderno da literatura britânica “O guia do mochileiro das galáxias” de Douglas Adams, um colaborador inconteste do discurso humorístico montypythiano ( se é que este termo existe). O fato é que tanto as séries produzidas pelo grupo, quanto os longas, influenciaram a forma do mundo construir o humor e não é difícil perceber ecos de seu estilo por aí a fora, que o diga o grupo “Casseta e Planeta Urgente” em seus tempos áureos e o sarcasmo crítico de Jorge Furtado em “A ilha das flores”, curta que não só parece ter herdado o apuro analítico e discursivo, como também a técnica de animação preferida do grupo de humorístico criada pelo cartunista Terry Gillian.
Através de uma sátira em torno da história do nascimento de Jesus, “A vida de Brian” monta uma ficção em torno de um personagem que teria sido contemporâneo de Jesus Cristo, tendo nascido no mesmo dia que ele e por isso confundido com o menino santo pelos reis magos. É interessante perceber, que embora o tempo seja muito anterior ao que se vive agora, a consciência das personagens são extremamente atuais, assim os conflitos culturais colocados, mais o exagero cênico , em alguns momentos, tornam as cenas interessantíssimas no que diz respeito a análise de aspectos ligados à religiosidade, pois o discurso religiosos é veementemente simulado durante a narrativa, salvo o respeito resguardado pela figura de Jesus como existe também no início da narrativa de Adams, porque ambos, o escritor referenciado e o filme, consideram ele um cara legal que dizia coisas com sentido. E na cena que Brian e sua mãe tentam ouvir o que Jesus estava dizendo na montanha e que, por estarem muito longe, não ouvem com clareza o que era dito pelo Messias, pode-se perceber o que a má interpretação de algumas palavras fez com a humanidade ao longo do tempo, pois o fato das palavras não serem bem escutadas causa uma confusão entre as pessoas que estão no entorno, pessoas estas que aparecerão crucificadas mais a frente. Tal situação, remete às diversas interpretações acerca das palavras de Jesus e da manipulação dela, o que, na história da humanidade, gerou muitas divergências e guerras.
A cena clássica do filme, e talvez a mais lembrada, é a cena do apedrejamento, evento que, pela tradição judaica, mulheres não podiam participar, mas que aparece retratado como resistência e subversão feminina na época, porque, além do comércio de pedras para a sessão de apedrejamento, ainda havia um comércio de barbas falsas para que elas se passassem por homens, os quais tinham pouco ou nenhum interesse por apedrejamentos. Outro fato que chama bastante atenção em A vida de Brian neste momento da narrativa, é o motivo, pelo qual, um ancião está sendo condenado ao apedrejamento, sendo a razão do apedrejamento ironizada pela sequência de acontecimentos que se seguem, pois ao invés do ancião, o fariseu é que aparece apedrejado no fim da sessão, por repetir o “erro” do condenado: falar o nome de Deus em vão.
Embora as produções montypythianas sejam conhecidas pela referência a imagens e situações surrealistas, como se pode notar claramente no seu outro longa “O sentido da vida”, a narrativa em “A vida de Brian” segue um curso tradicional com início, meio e fim bem marcados, sem muitas interrupções em meio aos acontecimentos, pois aqui parece que a intenção é a desconstrução do ideal cristão, como se a crítica a religiosidade fosse o princípio de uma série de caricaturas que aparecem ao longo do filme. Assim, o gerador de improbabilidades pythonesco, fazendo referência a Adams, parece intencional e audaz no seu plano de criticar e desconstruir alguns setores e movimentos que constituíram e constituem a sociedade ocidental. Desde a rebeldia sem causa dos jovens judeus, até a pomposa libertinagem verbal da nobreza romana, são, neste filme, significados grupos sociais que, embora tenham sido importantíssimos para a construção do mundo como se conhece hoje, não são assim tão razoáveis no que diz respeito à relevância das ideias que defendem, assim como se comportam alguns grupos políticos na atualidade que fazem oposição a absolutamente tudo, porque, neste sentido, a ideologia parece estar pautada em apenas discordar, ser contra, apontar a falha alheia, e , pasmemos, para isso até se estuda hoje em dia. Sobre esta característica, Douglas Adams também apresenta, de forma inteligentemente irônica, uma crítica ao academicismo e a burocratização da arte quando discorre sobre a forma mais penosa de tortura que existe no universo: a recitação de poemas feitas pelos vogons, forma de vida alienígena de aspecto rude que é responsável pela demolição de construções para criação de vias interestelares, e que, no livro, é responsável pela demolição da Terra para a construção de uma via expressa.
Neste fim de século, milênio, senso e outras coisas mais, obras como “A vida de Briam” e “O guia do mochileiro das galáxias” aparecem como uma grande metáfora das inversões de valores que acometeram a humanidade a partir da dominação ideológica engendrada pelas instituições políticas e religiosas que se conhecem e que fizeram presentes nos tempos da indústria e da tecnologia. O fato é que, depois de tantos teoremas e indulgências, o ser humano, essencialmente, continua o mesmo e busca a mesma coisa: ser reconhecido por alguma coisa e ser recompensado por conta dela, não importa o que a coisa seja, nem como ela seja conseguida. E neste sentido, vão-se os valores, as crenças, os desejos que são freados ou alimentados pelas coincidências hereditárias e sociais que caracterizam cada indivíduo perdido nas palavras que quer encontrar para dar sentido a sua interpretação de mundo ou, neste caso, à interpretação da vida de Brian, que se diga de passagem, é relativa assim como qualquer verdade e qualquer coisa que se escreva ou diga acerca das impressões que se tem diante dos fatos sociais, e talvez seja justamente por isso que as produções montypythianas tenham feito tanto sucesso, por preencher aquele não sei o que dentro das pessoas que procura dar um sentido absurdo para as coisas que foram ensinadas, mas que sempre se desconfiou não ser bem daquela forma, talvez aí esteja contido o segredo do riso e do humor britânico de Monty Python.
A concorrência entre os profetas está acirrada, e Brian, que nunca teve a intenção de se tornar um deles, agora é considerado como tal, não importa o que diga, o povo o segue insistentemente pelo cenário árido que remonta a antiga Jerusalém. O mesmo engano que acontecera em seu nascimento, acontece novamente, as pessoas insistem que ele é o Messias, e embora ele o negue com veemência, as pessoas o seguem por todos os lugares, até que amanhecem ao lado de fora da sua casa. Ao acordar, ele é forçado a aparecer por sua mãe, contrariada, e discursa dizendo que aquelas pessoas não devem seguir a ninguém a não ser elas mesmas. A cena é muito bem montada e organizada, pois a multidão age como se fosse uma só pessoa dando o mesmo discurso, o que faz lembrar o termo “massa de manobra” em que muitas pessoas se comportam de forma igual por conta de um processo de dominação e convencimento manipulador utilizado, na maioria das vezes, por instituições políticas e veiculado através da mídia.
Preso, pela segunda vez, e condenado a crucificação, o personagem central é conduzido a uma espécie de fila dos crucificados em que, burocraticamente e cordialmente, um carcereiro conduz os condenados as suas cruzes. Enquanto as pessoas têm ataques de riso por conta dos problemas de dicção do governante romano, o pelotão do que os soldados chamaram de “festa da crucificação” é formado por cerca de trinta homens condenados que servirão de diversão para a massa popular. Contudo, Judith, uma militante da Popular Frente da Judeia, e amante de Brian, aprece e sugere a libertação dele que é acatada pelo governante, contudo pela demora no processo, os guardas chegam tarde demais na prisão e ele é crucificado. Lá, pregado na cruz, seus antigos companheiros de militância leem um manifesto em elogio ao seu gesto de “auto sacrifício” , pois assim foi interpretado por eles, ao saírem, aparece um grupo de guerreiros que fazem oposição a situação política da época e todos, inclusive os soldados, correm; todavia, a esperança de Brian se desfaz quando o grupo anuncia ser o “pelotão suicida” cometendo suicídio em massa bem na frente de sua cruz. Sua mãe ,desgostosa, aparece para lhe mal dizer e Judith para agradecer-lhe o gesto, é quando um companheiro de crucificação, da forma mais inusitada possível, inicia uma canção com teor de autoajuda como se faz nos clássicos desenhos animados da Disney, com direito à melodia assobiada. A canção logo toma conta com companheiros crucificados, e ao invés do filme acabar com uma triste crucificação em massa, todos os condenados aparecem fazendo parte de um singelo coral cantando uma canção que tem como refrão a seguinte frase “sempre olhe para o lado brilhante da vida” .
Os toques surrealistas podem ser percebidos não só neste final, mas em toda transposição de consciência das personagens para um tempo em que, certamente, não se viveriam as situações que foram transpostas para o filme em questão. Não se sabe se Brian, realmente, morreu ou foi salvo por alguém, pois nesta altura do campeonato já foram levantadas tantas questões acerca do valor dado às coisas e as ideias, que “A vida de Brian” tem mais importância do que “A morte de Brian” ou “A paixão de Brian”. Quanto ao fim dos tempos... Não há referência a imagens apocalípticas no filme, elas só constam no título pela intenção esdrúxula de torna-lo mais impactante.
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