quarta-feira, 7 de julho de 2010

I’ll come back for the honey, por Ingrid Maiany


Desde a primeira cena de “A Taste of Honey”, sabemos que Jo (Rita Tushingham) é uma espécie de Pollyanna da sétima arte. Inquirida por uma amiga do colégio se irá ao baile, ela diz que não pode ir, porque não possui um vestido e terá que se mudar novamente com a mãe. Mas sua melancolia visível não é duradoura. Em instantes, ela se distrai com uma bolha de sabão que faz nascer de suas mãos envoltas de espuma e abre um sorriso.

O filme inteiro é assim. Tony Richardson está cena após cena deixando um gosto de mel no espectador através de uma personagem de grandes olhos escuros que vão fundo na gente. O longa é, para mim, a dramatização de um trecho de um escritor brasileiro que gosto muito – e que cito sempre – que diz assim: “Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim, que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo; repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante.”

Jo repete isso sete, oito, nove, dez vezes e quantas mais precisarem. Filha de uma mulher pobre e com uma carência enorme de uma presença masculina (Dora Bryan) – de modo que costuma trocar de namorados como quem troca de roupas apenas para não ficar sozinha – Jo desenvolve um humor irônico, sarcástico e, talvez por isso mesmo, encantador. E então entendemos porque o marinheiro negro vivido por Paul Danquah se apaixona pela menina que chega machucada e triste em seu navio. E entendemos porque Jo se apaixona por aquele homem tão diferente dela – em cor e idade – que cuida de seu ferimento como se fora seu pai.

E ambos se entregam a um amor puro, com sexo sob céu estrelado e aliança de ouro. Doçura nos toques, nos sorrisos, nos olhares, nas palavras. Doçura que salva Jo quando sua mãe a abandona para se casar com um homem mais novo. Porque a questão de idades é um tema forte nesse filme de Richardson. Assim como o relacionamento interracial. O diretor faz tudo de forma tão natural que parece nos dizer: “coloquem um torrão de açúcar nessa mesquinhez amarga que é achar que existe bonito e feio, certo e errado, centro e periferia!”. E nós colocamos. Durante todo o filme, repensamos nossos valores, encaramos nossos preconceitos mais velados e concluímos: “como somos umas antas!”

Pois eu estava em minha condição de anta quando a vida veio dilacerar Jo novamente. O marinheiro vai embora com seu navio e deixa a protagonista grávida e sozinha. Mas como é mesmo aquela canção de Bobby Scott e Ric Marlow homônima ao filme? “I will return/ Yes, I will return/ I'll come back/ (he'll come back)/For the honey/ (for the honey)/And you”. Bom, se o marinheiro volta pra Jo como promete, fica em aberto. Ela, contudo, volta para seu mel. E ele vem calçado nos sapatos da moda.

Para se manter, Jo arruma um emprego em uma sapataria. E eis que ela conhece Geoffrey (Murray Melvin). A sintonia entre os dois é imediata, embora o contato seja breve. Mas o destino parece querer da uma mãozinha a mocinha de Richardson. Os dois se reencontram em um desfile cívico e, vendo que o rapaz não tinha para onde ir, Joe a convida a morar com ele.

Nasceria aí uma grande amizade – meio uma relação de mãe e filha. O rapaz, homessexual, cuida da casa enquanto Joe trabalha. Ele é o amparo, o carinho que ela nunca sentiu na personagem de Dora Bryan. E o relacionamento dos dois é a coisa mais bonita do filme – que é lindo em totalidade. A cena da gruta, um novo carpe diem, nos faz refletir sobre a efemeridade, sentimos uma nostalgia do próprio presente e chegamos mesmo a nos questionar “será que é mesmo possível transformar todo limão em limonada?”.

O fato é que Tony Richardson é, na verdade, um romântico. Por trás das questões sociais que aborda, dos bairros proletários com crianças correndo, da mãe ausente, do filho sem pai e da amizade que se aparta, ele quer nos mostrar que a vida sempre pode melhorar – e não o contrário. E nisso o final do filme é antológico.

Desiludida pela ausência do amigo querido, Jo observa os garotos que festejam ao redor de uma fogueira, quando uma menina lhe oferece uma estrelinha. Com aquelas faisquinhas saltitantes nas mãos, a protagonista é “A Pequena Vendedora de Fósforos”, aquecida com a chama da estrelinha na solidão da noite. O plano fecha no fogo de artifício. Luz no fim do túnel? É, Richardson, acho que nem o Ursinho Pooh (que nos meus tempos de criança era Puff) gosta tanto de mel.

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