domingo, 1 de abril de 2012

"Fim de verão", por Camille Reis



Penúltimo filme de Ozu, Fim de Verão nos apresenta novamente o tema família e casamento. Devido às dificuldades que os negócios da família Kohayagawa está passando, se torna um bom negócio casar a filha caçula com um rapaz de posses. No decorrer da narrativa, a família vai aos poucos de desestabilizando até ruir.

Com seus planos contemplativos, Ozu nos retrata o tempo como agente modificador. Os grandes tonéis vazios enquadrados diversas vezes ao longo do filme nos faz refletir sobre como o Japão estava passando pelas mudanças do novo mundo. Com a vinda do capital estrangeiro, os negócios de famílias tradicionais estavam falindo e sendo obrigados a venderem suas lojas para os grandes empresários. Além disso, é visível a presença de certos elementos ocidentais como a coca-cola, a cerveja e os sapatos envernizados de salto. Todas essas mudanças são trazidas à tona com a delicadeza usual de Ozu, usando o cotidiano de uma família como foco central.

Os personagens de Ozu se comportam do mesmo jeito que a paisagem: contemplativos e estáticos, sentem as mudanças mas não perdem a serenidade; mesmo quando percebem que a família está se desfazendo. Vale destacar a ilustre personagem viúva Akiko, interpretada por Setsuko Hara, a grande musa japonesa. A beleza da atriz marca a era de ouro do cinema japonês durante a década de 50. Sua bagagem de personagens puras e independentes vem à tona e transbordam em Fim de Verão, seu último filme com Ozu, já no fim da carreira de ambos. O sorriso delicado e sempre presente nos mostra um Japão de mulheres que almejam a independência sem perder a aura feminina. Essas características também afetam as decisões de Noriko, cunhada de Akiko, que não dejesa se casar com o homem que a família escolheu. Ela quer ser livre para amar quem quiser e para se casar quando se sentir preparada.

Apesar de estar traindo sua família, o personagem de Ganjiro Nakamura, o patriarca Sr. Kohayagawa, é um pai amoroso e um amante caloroso. Ele se encontra com um antigo amor, e diz ser o pai de uma moça de 21 anos. Com tantas mudanças vindas da modernidade, o pai Kohayagawa se entrega à nostalgia com sua amante. Preocupações com o futuro dos negócios, saudades do passado, cobranças, tudo se junta em um infarte. Mas mesmo depois do acontecido, o pai se levanta da cama como se estivesse acordando em um dia normal. Ao fim, ele aproveita até os últimos minutos de vida, brinca com seu neto e se diverte com a amante em uma corrida de cavalos. Diante da fumaça da chaminé do crematório, um casal observa a ciclicidade da vida. Noriko e Akiko acompanham a marcha fúnebre refletindo sobre o quão a vida é efêmera. A poesia de Ozu está ali em sua essência, em todos vestido de preto – até mesmo os pássaros – atravessando a ponte da vida sobre um rio tão ralo.

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