terça-feira, 3 de abril de 2012

Fim de Verão, por Ghita Galvão


O penúltimo filme de Ozu, estreado em 1961, trata de uma família de classe média tradicional japonesa que vive em meados do século XX e está passando por uma crise: O patriarca, já idoso, tem encontros com sua ex-amante, saudoso de sua época de juventude; a nora viúva está pouco preocupada em casar novamente; a filha mais jovem que ainda não casou, também não pretende; a filha casada tenta “normatizar” essa família que está saindo dos padrões das famílias tradicionais; e por fim a possível filha bastarda, é extremamente americanizada e materialista.

É mais um filme que não foge ao modo de Ozu trabalhar, contando sempre, histórias familiares. Esse, apesar da carga dramática, tem um toque de humor que deixa o filme mais leve, como que uma despedida, feita em planos longos e abertos - sugerindo a contemplação - bem pensados e em consonância com os poucos cenários.

É possível traçar, nessa obra, um paralelo entre o Japão (fazendo referência ao país em si) e a família retratada. Considerando o enredo do filme como uma metáfora para a história do país, que vinha passando por uma série de mudanças em diversos aspectos, social, cultural, econômico etc.

Ozu nos mostra um pai, que passa a não se importar em comandar a família e os negócios, ficando a cargo da filha e de seu marido as questões todas de gerenciamento da casa e do trabalho. Uma relação que nos passa uma simbologia muito significativa do novo que assume o comando consentido pelo o velho, pois esse velho pretende viver sem regras o tempo que lhe resta, é possível reparar também, no sentido desse novo rumo, que agora está sendo guiado por uma mulher, ainda que com a ajuda do marido. É ajudada, porém, por outras duas mulheres fortes e decididas que não permitem aos outros tomarem decisões por si.

Para fazer uma analogia do filme com uma parte da história Japonesa, é necessário que se entenda a inserção do país na política ocidental que aconteceu por volta da metade do século XIX, com a abertura comercial do país, iniciando assim, a sua época moderna (em termos ocidentais), a qual teve seu fim no ocidente com a Revolução Francesa ainda no século XVIII e que se iniciava no Japão com uma série de particularidades.

Em um entendimento geral, partindo de um ponto de vista econômico e mais usual, entende-se por Idade Moderna o momento de ascensão da burguesia em detrimento nobreza e de uma maneira específica é isso que acontece no Japão, e se consolida ao mesmo tempo em que levanta força para acompanhar o resto do mundo para competir de igual para igual na economia capitalista. Acaba por assumir uma postura totalitária, diante das alternativas políticas que o mundo para o qual se abriu lhe oferecia e recebe um saldo de duas cidades destruídas e uma rápida recuperação, devida principalmente ao seu passado e cultura tradicional e nacionalista.

No momento em que o filme se passa, o Japão está em processo de consolidação e recuperação frente à economia burguesa e estrutura do país, está ainda bem próximo a Segunda Guerra mundial. Assim como, a família do filme passa por uma série de problemas que os leva a um desfecho saudoso e relutante do que está por vir e ainda que firme, seguro no passado tradicional da família.

É possível fazer, então, uma analogia entre a família e o Japão, o pai e o tradicionalismo, a filha casada e a burguesia, mesmo que com novas ideias ainda muito pautada no tradicionalismo, a nora e a filha solteira representando uma nova visão política que surge, com destaque para a emancipação feminina e por fim a possível filha bastarda, representando a cultura ocidental materialista e fugaz que estava se impondo ao país em pontos positivos e negativos, sem preocupação.

E como desfecho do filme, a ideia de renovação e mudança é bem representada no funeral e na fala do casal de camponeses que dizem:
- Seria natural se fosse alguém idoso, mas seria trágico se fosse alguém jovem.
- Sim, mas não importa quantos morram novas vidas nasceram para ocupar seus lugares.
- Você tem razão. É o ciclo da vida.
(Cortejo Fúnebre e fim)

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