domingo, 1 de abril de 2012

"O dinheiro", por Gabriel Cardoso


“O dinheiro” de Robert Bresson

O filme se concentra em Yvon e nos males que um punhado de notas falsas repassadas a ele trouxe para sua vida. Adaptação de um romance de Tolstói, “O dinheiro” traz toda a precisão e ritmo que Bresson carrega em seus filmes.

O ponto de partida é a “viagem” de uma nota falsa até chegar em um simples funcionário de uma empresa de fornecimento de água. Esse é Yvon. O ator que o interpreta, como esperado num filme de Bresson, é um desconhecido “não-ator” que consegue roubar a cena, mesmo com toda sua inexpressividade e movimentos mecânicos. Depois de uma série de desventuras, que incluem a mentira de Lucien que vai repercutir mais para frente no filme, Yvon vai de trabalhador honesto a ladrão e assassino.

Bresson cria aqui um jogo de ação e reação onde uma simples nota falsa passada por um estudante que não ganhou parte da mesada vira uma bola de neve gigante, tudo graças ao “sistema” que engole a tudo e a todos. E isso ele faz com uma precisão incrível. A cena em que os prisioneiros na missa literalmente “burlam” o sistema fazendo uma espécie de escambo por produtos ilegais é um exemplo dessa precisão. Tudo bem marcado e perfeito.

Outra característica que ficou marcada no filme é o ritmo. Não é lento, mas também não é acelerado. E muito menos normal. “O dinheiro” trabalha num ritmo único e pessoal. O tempo passa que nem é percebido. O silêncio típico de Bresson também ajuda a marcar os passos e trabalhar a questão Precisão-Ritmo que domina o filme.

Um filme onde a técnica de Bresson destaca não apenas o plot, mas também todos os elementos da mis en scène. Nada é de fato inovador ao mesmo tempo em que nada é de fato conservador.

Mas o filme tem algo de estranho também. A parte da família do adolescente que repassa a nota falsa parece ser vazia. Ficamos curiosos em saber o que o pai vai fazer ao filho quando descobre as notícias vindas do colégio. Só sabemos algo do destino de Lucien por causa dos comentários de Yvon na cela. Só sabemos o que aconteceu depois que Yvon saiu da cadeia quando ele conversa com a senhora da pequena pousada, que parece agir com naturalidade, a noticia que ele matou sua ex-mulher e o novo marido dela.

Tudo isso fica no ar, não sabemos realmente o que acontece. Se Lucien realmente não foi pego? Como quando Yvon tenta o suicídio e somos levados a acreditar que ele morreu quando um dos seus colegas de cela começa a rezar por ele. A única coisa que sabemos de verdade sobre o futuro de Yvon depois que ele foi solto é que ele matou a toda família da dona da pousada pra roubá-los.

Nessa parte, Yvon está já viciado naquilo que o condenou. “O deus invisivel”, o dinheiro. Ladrão e assassino por livre e espontânea vontade do destino. Parece que esses crimes dele são feitos como vingança por ter sido condenado. A raiva contra aquilo que o levou a ser preso faz com que ele roube a mesma coisa.


Obra majestosa de Bresson, “O dinheiro” cumpre com seu papel de ser um autêntico filme bressoniano e fecha com estilo a filmografia do francês que transcendeu o cinema.

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