terça-feira, 17 de abril de 2012
A lucidez sangra no chão, Luciano Viegas
Para todo problema – acredita-se, no senso comum – há uma solução. E por todo o mundo vagueiam pessoas que sofrem nos próprios ossos o reconhecimento das mazelas ao seu redor. Estas, por sua vez, tornam-se um problema para si: qual é a saída para quem, à luz de uma clareza extrema, perde todas as convicções? Descrença: o mundo se encontra mergulhado num caos insolúvel e, a esta altura, inevitável. Encarar a lucidez parece ser um dos mais pesados fardos, por isso Bresson atira nela pelas costas.
O Diabo Provavelmente (1977) é denso e atualíssimo, como se fosse corriqueiro identificar na sociedade contemporânea jovens que compartilhem das mesmas preocupações - ambientais, existenciais, morais - de Charles (Antoine Monnier) – eu mesmo. Mais de um século depois de Nietzsche, a desilusão total com as coisas – a impossibilidade de se ver concretizar um outro mundo – ainda nos parece muito óbvia. Estamos todos entregues à incerteza do porvir.
Talvez em nenhum outro filme seu, a opção do diretor por utilizar não-atores tenha se encaixado tão perfeitamente. A palidez e aparente fraqueza de Charles comprovam os traços psicológicos debilitados de um personagem que escolhe, conscientemente, a apatia. Quando viaja de trem com seu amigo Michel (Henri de Maublanc), ambos permanecem calados: não há mesmo nada a ser dito que tenha mais força que o silêncio mútuo, sem esboço de reação.
Por fim, o próprio analista entrega os pontos: Charles é um caso sem solução para as ferramentas de sua pobre psicanálise, daí a sugestão, nada sutil, de que os romanos, quando incapazes de cometer o suicídio, incubiam a tarefa a um amigo.
Ironia pura e constante, desde o título até o niilismo que contrasta com a posição religiosa tão demarcada na biografia do diretor. Bresson é sentimental às avessas: extrai do seu apreço ao racionalismo a mais dura frieza, agressivamente. Michel – desses “amigos verdadeiros” – compreende Charles a partir da indiferença, como se compartilhassem de uma mesma consciência, do mesmo mal – ainda que claramente seduzido pelo preço do crime. Nem o suicida convicto escapa da angústia do momento derradeiro antes do fim. O que poderia ser mais gentil e amigável que uma apunhalada de surpresa, como dois amigos que se abraçam pela última vez? A lucidez foi derrotada e sangra no chão
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário