quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

"(Des) mascarando o silêncio"´por Laura Cortizo



Chamava-se persona a máscara usada pelos atores do antigo teatro grego. O termo cai como uma luva ao intitular o filme do sueco Ingmar Bergman. Em Persona, gravado em 1966, o diretor, que teve problemas de relacionamento com os pais na infância, traz à tona os desafios, dificuldades e contradições que existem nas relações interpessoais. A realização do filme foi subseqüente a uma crise de identidade vivida pelo autor, que, imerso no mundo da ficção e dos personagens, usa a película para criticar as máscaras que são impostas às pessoas, talvez por suas próprias escolhas. O longa conta a história de Elizabet Vogler (Liv Ullmann), uma atriz que, cansada de tantos papéis na sua vida, resolveu parar de falar, fugir do mundo. Sem dizer uma só palavra durante três meses Elizabet passa a ser acompanhada por uma jovem enfermeira chamada Alma (Bibi Andersson) e junto com ela viaja para uma praia deserta onde as máscaras dos personagens começam a cair.



Ao tentar fazer com que Elizabet converse sobre sua vida, sinta-se confortável em falar novamente, Alma, que parecia ter uma vida simples e sem traumas nem aspirações, mostra-se uma mulher perseguida por erros do passado, ressentida com si mesma e que possui problemas de relacionamento. Com o desenrolar da trama a enfermeira acaba por descarregar seus medos e arrependimentos em sua paciente que, apesar de ouvir tudo com atenção não corresponde às necessidades de Alma e talvez não a leve tão a sério como esperava. Alma consegue despertar no espectador e na própria Elizabet sentimentos tão distintos quanto compaixão e cumplicidade, simpatia e medo. Persona é autêntico e autoral, mas não foge da linearidade necessária e da clareza suficiente para que se possa entender o choque de personalidades, de vidas que se apresenta na tela. Tal choque muitas vezes pode ser interpretado como convergência. Isso porque Bergman sutilmente aproxima os dois personagens quando, por exemplo, une a metade de uma face à metade da outra ou quando faz com que Alma vá para a cama com o marido de Elizabet, que a confunde com a própria esposa, ou mesmo quando a enfermeira conta o trauma da própria atriz sem que esta profira uma palavra.



É bem verdade que grande parte do êxito do filme no eu se refere à transmissão de sentimentos se deve às impecáveis interpretações das duas protagonistas. A dor de Alma e a melancolia de Elizabet são quase palpáveis. Outro aspecto crucial do longa é a fotografia, feita de maneira impressionante por Sven Nykvist. O impacto visual é especialmente guiado pelo fato de que os rostos das personagens são filmados de maneira a convidar os espectadores a invadirem as almas daquelas mulheres.



Para prender o espectador, Bergman se vale não só de uma temática perturbadora, mas de outros sutis elementos. O silêncio de Elizabet é inquietante e provoca uma ânsia em saber de sua vida através de suas próprias palavras. Outro aspecto que intriga é a sexualidade das personagens. Na emblemática cena em que Elizabet vai ao quarto de sua enfermeira e quando as duas se tocam a câmera deixa de filmá-las e a dúvida persiste nas cenas que se seguem. O início e o final da trama também dão a sua contribuição para o mistério da película, pois apresentam uma série de imagens que remetem a sentimentos como a dor e a alegria. O espectador curioso, tenta buscar um sentido naquilo, mas logo o filme começa/acaba deixando-o sem qualquer resposta objetiva.



Depois de embaralhar e revelar lembranças, sentimentos, culpas e medos, Bergman consegue criar um dos melhores de seus 62 longas e fazer com que cada um pense sobre as máscaras que usam em suas vidas.

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