No boulevard do pôr-do-sol, deuses chegam ao seu crepúsculo. Grandes estrelas perdem o brilho e não se admitem como (de)cadentes. Mas vá dizer isso a uma das mais expressivas delas...
Em Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, Paramount Pictures, 1950, 110 minutos), filme dirigido e co-escrito por Billy Wilder, o roteirista-defunto Joe Gillis — no estilo machadiano de Brás Cubas — narra sua infame e malsucedida trajetória em Hollywood, junto com a triste relutância da antiga estrela do cinema mudo Norma Desmond em aceitar a decadência na era do cinema falado. O mais significativo, no entanto, quem revela é o brilhante diretor: as agruras da indústria hollywoodiana.
A diva do cinema mudo Norma Desmond (a quem Gloria Swanson dá vida) teve o ápice da carreira até o fim dos anos 20. Bem, isso é o que os críticos dizem. Pois, no final dos anos 1940, anos dourados de Hollywood, quando a MGM tinha "mais estrelas que os céus", Norma ainda se considera plena e — como deixa bem claro com sua grandiloqüente desenvoltura excêntrica — decide não uma volta, mas um retorno ao cinema. Para isso contou com Joe Gillis (William Holden), roterista que aspirava — sem sucesso — a ascender em Hollywood e cujos serviços à madame não eram meramente cinematográficos.
Postura, entonação, vestimentas, carro, residência e até a cama... Tudo em Norma Desmond é extravagantemente grandioso. Tudo é tão seu quanto seus braços e suas pernas. São como uma extensão de si. O mesmo vale para o roteiro que escreveu para o filme Salomé, que marcaria o seu retorno à glória. Glória que nunca deixou de viver, só que trancafiada em sua mansão a sós com seu mordomo faz-tudo Max, que lhe sustentava a egolatria ao escrever-lhe cartas e mais cartas como fossem de fãs apaixonados, eternamente apaixonados por ela, que se encontrava em permanente idílio.
Nos arredores daqule mesmo boulevard, em que o sol se põe, um mito aparentemente inabalável é vulnerabilizado, trazido ao patamar da humanidade e perde o encanto, a ponto de parecere desumano. Esse trabalho hercúleo foi executado com maestria por Billy Wilder — diretor de obra vasta e plena, que circulou por vários gêneros e estilos de filme e encontrou em Sunset Boulevard uma obra-prima. O que ele desmitifica? O Olimpo do cinema mundial: Hollywood.
"Como esse jovem ousa morder a mão que o alimenta?". É assim que teria reagido Louis B. Mayer, homem-forte da MGM, ao assistir a Crepúsculo dos Deuses. Wilder — que já não era tão jovem assim —, de fato, ousou no filme. Apostou alto e ganhou mais do que um Oscar de melhor roteiro: o melhor filme já feito sobre os amargos bastidores de Hollywood, onde ou se dá muito bem, ou se dá muito mal — sem meio-termo. É o caso de Gillis, cujos roteiros foram aproveitados apenas num par de filmes de segunda linha. Essa falta de sucesso de Gillis era familiar a Wilder, no início de sua carreira de roteirista. Talvez por ter vivido isso, ele seja capaz de tantas alfinetadas ora cômicas, ora de humor negro, ora apenas ácidas e sempre pertinentes.
O filme tem excelente direção de arte, premiada com o Oscar. A fotografia, em P&B, é construída principalmente em torno do escuro, mesmo na ensolarada Los Angeles. Wilder, com a fundamental colaboração do cinematografista John F. Seitz — com quem trabalhou em Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944) —, conseguiu incutir no filme a estética do filmes noir em seu patamar mais notável, embora Crepúsculo não seja exatamente um film noir.
Para os cinéfilos, um detalhe interessante: esse foi o último filme produzido por um grande estúdio de Hollywood a ser realizado com negativos de emulsão de nitrato, o que criava tons de cinza próximos aos da era muda, de cinema antigo. Naquela época, já se utilizava acetato nas películas. Logicamente, no entanto, essa escolha foi deliberada pela direção artística — e muito acertada, por sinal, até por entrar em consonância com a superexpressiva expansividade dos gestos da estrela do cinema mudo.
Crepúsculo dos Deuses trata dos bastidores do cinema, sobre jovens aspirando a ascender, sobre veteranos relutando a decadência. Um retrato da crueza desse ambiente que muitas vezes parece inacessível. Apesar de tudo, é uma película para os amantes do cinema. Um filme coeso, bem produzido, bem filmado, com conteúdo, com a fulgurante atuação de Gloria Swanson e um final antológico, em que Glória, Norma e Salomé, três mulheres em um só corpo, desce autistamente triunfante as escadas de seu palácio. Memorável.
A diva do cinema mudo Norma Desmond (a quem Gloria Swanson dá vida) teve o ápice da carreira até o fim dos anos 20. Bem, isso é o que os críticos dizem. Pois, no final dos anos 1940, anos dourados de Hollywood, quando a MGM tinha "mais estrelas que os céus", Norma ainda se considera plena e — como deixa bem claro com sua grandiloqüente desenvoltura excêntrica — decide não uma volta, mas um retorno ao cinema. Para isso contou com Joe Gillis (William Holden), roterista que aspirava — sem sucesso — a ascender em Hollywood e cujos serviços à madame não eram meramente cinematográficos.
Postura, entonação, vestimentas, carro, residência e até a cama... Tudo em Norma Desmond é extravagantemente grandioso. Tudo é tão seu quanto seus braços e suas pernas. São como uma extensão de si. O mesmo vale para o roteiro que escreveu para o filme Salomé, que marcaria o seu retorno à glória. Glória que nunca deixou de viver, só que trancafiada em sua mansão a sós com seu mordomo faz-tudo Max, que lhe sustentava a egolatria ao escrever-lhe cartas e mais cartas como fossem de fãs apaixonados, eternamente apaixonados por ela, que se encontrava em permanente idílio.
Nos arredores daqule mesmo boulevard, em que o sol se põe, um mito aparentemente inabalável é vulnerabilizado, trazido ao patamar da humanidade e perde o encanto, a ponto de parecere desumano. Esse trabalho hercúleo foi executado com maestria por Billy Wilder — diretor de obra vasta e plena, que circulou por vários gêneros e estilos de filme e encontrou em Sunset Boulevard uma obra-prima. O que ele desmitifica? O Olimpo do cinema mundial: Hollywood.
"Como esse jovem ousa morder a mão que o alimenta?". É assim que teria reagido Louis B. Mayer, homem-forte da MGM, ao assistir a Crepúsculo dos Deuses. Wilder — que já não era tão jovem assim —, de fato, ousou no filme. Apostou alto e ganhou mais do que um Oscar de melhor roteiro: o melhor filme já feito sobre os amargos bastidores de Hollywood, onde ou se dá muito bem, ou se dá muito mal — sem meio-termo. É o caso de Gillis, cujos roteiros foram aproveitados apenas num par de filmes de segunda linha. Essa falta de sucesso de Gillis era familiar a Wilder, no início de sua carreira de roteirista. Talvez por ter vivido isso, ele seja capaz de tantas alfinetadas ora cômicas, ora de humor negro, ora apenas ácidas e sempre pertinentes.
O filme tem excelente direção de arte, premiada com o Oscar. A fotografia, em P&B, é construída principalmente em torno do escuro, mesmo na ensolarada Los Angeles. Wilder, com a fundamental colaboração do cinematografista John F. Seitz — com quem trabalhou em Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944) —, conseguiu incutir no filme a estética do filmes noir em seu patamar mais notável, embora Crepúsculo não seja exatamente um film noir.
Para os cinéfilos, um detalhe interessante: esse foi o último filme produzido por um grande estúdio de Hollywood a ser realizado com negativos de emulsão de nitrato, o que criava tons de cinza próximos aos da era muda, de cinema antigo. Naquela época, já se utilizava acetato nas películas. Logicamente, no entanto, essa escolha foi deliberada pela direção artística — e muito acertada, por sinal, até por entrar em consonância com a superexpressiva expansividade dos gestos da estrela do cinema mudo.
Crepúsculo dos Deuses trata dos bastidores do cinema, sobre jovens aspirando a ascender, sobre veteranos relutando a decadência. Um retrato da crueza desse ambiente que muitas vezes parece inacessível. Apesar de tudo, é uma película para os amantes do cinema. Um filme coeso, bem produzido, bem filmado, com conteúdo, com a fulgurante atuação de Gloria Swanson e um final antológico, em que Glória, Norma e Salomé, três mulheres em um só corpo, desce autistamente triunfante as escadas de seu palácio. Memorável.
Que texto ótimo, Breno!
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