quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

"Não muito além das relações de classe" por Clarice Monteiro


Uma narrativa voltada para o inconsciente dos personagens, solidão, alcoolismo, sentimentos ambíguos, insinuações de incesto, homossexualismo e finalmente loucura, tudo isso você encontra em “O criado”. Baseado numa novela de sucesso de autoria de Robin Maugham, roteirizado pelo famoso dramaturgo Harold Pinter, e dirigido por Joseph Losey, esse filme que, à primeira vista, parece ser apenas a história de um novo rico que contrata um empregado para cuidar de sua mansão, na verdade configura-se num ácido drama psicológico que tem a inversão de papéis na sociedade inglesa pós-guerra o seu real tema.

Estreado em 1963, O criado tem uma narrativa de grande força sugestiva sobre a atração entre dois personagens: o patrão e o mordomo. Dirk Bogarde interpreta Barrett, um empregado sedutor e traiçoeiro contratado pelo aristocrata Tony (James Fox) para administrar a sua casa recém-estabelecida. Porém, a exagerada eficiência de Barrett faz com que Tonny crie uma dependência doentia e, num instante, se confundam os papéis de um e de outro. É, acima de tudo, uma história de tomada do poder, com uma bela fotografia em preto e branco e boas atuações, com destaque para Dirk Bogarde.

Bom, o que mais chama atenção no filme é o modo como ele é construído, como o conflito é narrado. O Criado pode ser perfeitamente dividido em duas partes. Na primeira, Losey cria toda a ambientação, mostrando ao espectador o desenrolar da relação dos protagonistas. Tudo vai indo bem até que entra em cena um terceiro elemento, a suposta irmã do criado, a partir daí a história começa a mudar. As relações vão ficando cada vez mais tensas. Isso fica evidente na segunda metade do filme, quando a verdade sobre o mordomo é revelada. A partir desse momento O Criado torna-se um filme mais sombrio e o que vemos é a inversão de papéis dentro da casa. Essas duas partes são tão distintas entre si que às vezes tem-se a impressão que se trata de dois filmes diferentes.

Mas a quebra da narrativa tem um significado importante. Na verdade, Losey acentua o caráter evolutivo da relação entre Tony e Barrett exatamente através dessas mudanças na aparência, ritmo, a estrutura do filme. In particular he works subtle alterations on the physical space of the house itself. Em particular, ele também trabalha com sutis alterações no espaço físico da própria casa, que assume diferentes personalidades no decorrer do longa. Outro ponto forte são as cenas que são vistas através da distorção das grandes e redondos espelhos, seria o Criado um filme artisticamente ambicioso? Creio que sim.

Além disso, outro mérito é a forma como é trabalhada a permanente tensão dos personagens. A câmera em constante movimento segue os atores em uma casa tão sufocante quanto enigmática, e a música-tema, que no começo parece ser uma canção de amor, no fim, já transmite o estado de desolação do protagonista. Esses elementos reforçam climas e situações que vão desde a aparente segurança da situação no início do filme até o final de caos total. É sem dúvida uma obra de suspense. A atmosfera sensual e ao mesmo tempo extremamente incômoda criada por Losey instaura em todo o filme um clima de crise aguda, como se a qualquer momento aquela ordem que conhecemos pudesse ser destruída.

Arrisco-me ainda a dizer que Losey consegue criar uma atmosfera de terror que lembra muito o estilo de Alfred Hitchcock, (o bom e velho terror psicológico). Hitchcock makes you nervous, but you always know the cause of the trouble, and you're ultimately brought safely home. A principal diferença é que Hitchcock cria um clima de suspense, mas o telespectador sempre sabe a causa do problema, já em “o Criado”, o telespectador não consegue localizar de maneira clara a sua fonte de medo.

Esse filme marcou a primeira de três colaborações entre o diretor Joseph Losey e o roteirista Harold Pinter. Com atuações magníficas e um clima sombrio perturbador, o filme foi indicado em oito categorias do British Academy Awards, incluindo Melhor Ator, Atriz, Filme, Fotografia e Melhor Roteiro. Foi com o a estréia de "O Criado" também, que Joseph Losey se fez conhecido internacionalmente e foi também a primeira de suas realizações britânicas que conseguiu alcançar popularidade nos Estados Unidos.

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