sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

"Sobre a culpa e o perdão" por Helena Alencar


Estudar religião é se perder em um labirinto de abstrações e metáforas que se tenta, de modo recorrente, pôr em prática. O que significa vocação, ou receber uma missão, um chamado de Deus? As meninas se perguntam. A professora insiste, mas é desacreditada por suas paixões (“Eu a vi dando um beijo de língua naquele cara das mãos peludas...”). Amélia e sua amiga Josefina tentam encontrar respostas, em meio a uma realidade de apelos. Esta se vê buscando alternativas para manter-se dentro dos limites da sua fé, ainda que imersa nas curiosidades e desejos do namoro. Aquela vê na atitude covarde de um médico de meia-idade que a bolina sutilmente, a sua missão.



Abordar o enredo de A menina santa não é algo tão simples quanto parece. Não se trata do assédio, ou das dúvidas das garotas em relação à religião, ou da crise da mãe de Amélia, Helena, que solitária após o divórcio, busca despertar o interesse do mesmo médico que molestou sua filha. Lucrecia Martel oferece ao espectador diferentes pontos de vista da mesma situação. Hora a sensação é de estranheza, hora, é de piedade. Vidas tão simples, problemas tão pequenos se fazem tão grandes... Um congresso de médicos, escândalos envolvendo participantes, nenhuma resolução – a isso se resumiria a trama.


Lucrecia, contudo, não parece muito preocupada com a narrativa. Gosta de trabalhar sentimentos, e comunicar os seus. Volta-se, fundamentalmente, para a estética do filme e deixa seu apuro transparecer em cada cena. Os olhares que lança sobre Amália nos confundem. É tão menina, mas tão moça. Possui traços tão delicados, e distorções tão evidentes. É tão pura, e tão ansiosa. E Helena, sua mãe? Parece que poderia, a qualquer momento, explodir em lágrimas amargas, mas mantém o sorriso e os decotes nas costas durante todo o espetáculo na tela. Josefina, maliciosa, às vezes egoístas, mas demonstrando sempre um amor fraternal por Amália, à qual se oferece como irmã. A dubiedade impera.



Outros personagens figuram no filme, mas são pouco aprofundados. A história é mesmo um recorte, um momento, um instante da vida daquelas pessoas naquele hotel. Sequer tem um final. Poderiam ficar ali para sempre, escondendo e mostrando suas verdades. As carapuças cabem em uns e outros; os que se reconhecem culpados permanentemente se acreditam descobertos, e então se revelam. Quem é o médico envolvido no escândalo, o doutor Visálio ou o doutor Jano? Por quem Jano nutriu interesse, por Amália ou por sua mãe? Houve, de fato, perversão nesse interesse, ou ele é, como crê Amália, um homem bom, o portador do seu chamado? Lucrecia não responde. Deixa-nos as perguntas para pensarmos, nós mesmos, nas carapuças que nos servem.

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