Não é de hoje que textos teatrais são transformados em filmes, ou que alguns roteiros cinematográficos percorrem o caminho inverso. Em ambos os casos, a adaptação pode ser construída como uma obra independente da fonte de inspiração, ou como uma espécie de tradução do original para um novo suporte.
A Noite do Iguana (The Night of The Iguana, EUA, 1964), de John Huston, se encaixa melhor na segunda categoria. A adaptação que ele e o roteirista Ray Stark fizeram da peça de Tennessee Williams traz poucos acréscimos à história original e permanece preso a alguns elementos cênicos característicos de montagens teatrais.
Os primeiros aspectos remanescentes da estética original são revelados na preocupação do diretor em destacar a interpretação dos atores e a força dos diálogos. Há pouca ousadia nos movimentos de câmera e poucas cenas fora do contexto mais imediato, mas ainda assim é um filme interessante, vale a pena assistir.
O palco para a maior parte da história é um hotel localizado em uma praia paradisíaca do México, isolado no alto de uma montanha e cercado pela vegetação tropical. O ambiente idílico aparece como uma espécie de Jardim do Éden, o local ideal para o descanso do corpo e retiro “espiritual” para qualquer um dos personagens que entram em cena, mas não sem antes impor uma longa e penosa travessia.
O filme narra a história do Reverendo T. Lawrence Shannon, um ex-pastor protestante e alcoólatra que trabalha como guia em excursões para senhoras em férias, interpretado por Richard Burton. Em uma das suas viagens, ele leva um grupo de professoras ao hotel, gerenciado Maxine Faulk, uma viúva que parece não saber como lidar com a sua libido, interpretada por Ava Gardner.
O grupo de turistas é liderado por Judith Fellowes (Grayson Hall), retratada como uma solteirona mal-humorada. Ela é especialmente responsável pela jovem Charlotte Goodall, vivida por Sue Lyon, a mesma que interpreta o papel principal no filme “Lolita”, inspirado na obra do escritor russo Vladimir Nabokov. Charlotte dedica seu tempo à tentativa de seduzir Shannon.
O ex-Reverendo resiste às tentativas da jovem, mas não sem causar desconfiança em Judith, que o ameaça de demissão. Preocupado com seu futuro, Shannon retira o cabo distribuidor do ônibus para impedir a volta das suas passageiras para Puerto Vallarta. A convivência forçada pelo isolamento obriga os personagens a enfrentarem uns aos outros e a si mesmos intensamente.
A história se torna mais complexa com a chegada de Hannah Jelkes. A personagem de Deborah Kerr é uma pintora em viagem com seu avô, um poeta de 97 anos interpretado pelo ator Cyril Delevanti Jonathan Coffin. Sem dinheiro, Hannah propõe pagar a estadia com o que receber dos hóspedes por suas pinturas e pelos recitais poéticos de seu avô, considerado o mais velho poeta vivo em atividade.
Pensando que está diante de uma dupla de vigaristas, Maxine reluta em aceitar a proposta, mas é praticamente forçada por Shannon. A partir daí, o enredo ficará centrado nas reviravoltas vivenciadas pelos três personagens principais: Shannon, Maxine e Hannah.
Cada um deles buscará o alívio para as suas frustrações em uma forma de prazer, esteja ele no sexo, na bebida ou na simples aceitação do fardo que é preciso carregar. Até a noite em que surge um iguana no terreno do hotel. A seqüência da libertação do iguana, principal ponto de inflexão da narrativa, é também uma alegoria para a libertação dos personagens humanos.
A construção desses personagens, aliás, é um dos aspectos que mais chamam a atenção do telespectador nesse filme. A atuação bastante “teatral” dos atores principais e os seus personagens que apelam para as reações mais drásticas parecem um tanto exagerados para os moldes cinematográficos.
Além disso, os papéis secundários também são bastante caricatos. O cozinheiro oriental é preguiçoso e insolente. Os latinos não falam, mas tocam maracas, bebem muito, usam pouca roupa e fazem sexo na praia.
Talvez se aceitarmos a exacerbação das características, em ambos os casos, simplesmente como uma forma de trabalhar arquétipos humanos, seja mais fácil aceitar alguns desses excessos. Nesse caso, o aspecto mais importante será que A Noite do Iguana é um drama sobre a questão da moral e suas implicações na vida dos indivíduos. O filme é também uma narrativa sobre dois elementos coexistentes na vida humana: coragem e medo.
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