São diversas as opções de filmes disponíveis nas prateleiras das locadoras. A dúvida entre a comédia romântica e o suspense é a deixa para o início de uma discussão entre um casal de namorados. Bate boca quase sempre sem razão de ser – com a pasteurização dos produtos culturais da contemporaneidade, a superficialidade das obras faz parecerem tão semelhantes quanto inúteis. Entretanto, há opções mais animadoras repousando sobre tais prateleiras. O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante, de Peter Greenway, lançado em 1989, é o típico filme difícil de ser esquecido. Ao assisti-lo, os olhos atentam para a efervescência de imagens e cores paradoxais que fazem emergir variadas reações perceptivas. Um passeio angustiante entre as facetas nuas e cruas, literalmente, da subjetividade humana.
A história se passa em Londres (mas poderia se enquadrar em qualquer outra cidade grande européia ou americana), especificamente em torno do restaurante “Le Hollandais”, conceituado na produção de alta culinária. O refinamento do recinto, no entanto, defronta-se com o irregular comportamento do seu proprietário, Albert Spica (Michael Gambon), que janta lá diariamente, acompanhado de sua mulher, Giorgina Spica (Helen Mirren), e de outros acompanhantes chefiados por ele.
Narrada dia a dia, a trama é desenrolada a partir do instante em que os olhares de Giorgina e de um cliente, o dono de uma livraria, Michael (Alan Howard), se entrecruzam. A paixão e as sucessivas relações sexuais dos dois, em diversas partes do restaurante, chegam ao conhecimento do totalitário Albert. Tensão e morte dominam a continuação da película que é finalizada com uma das seqüências mais marcantes da história do cinema – o cozimento dos restos mortais de Michael servidos ao tenebroso Spica. Ao citar o canibalismo, a obra atinge o seu ápice – um retrato irônico da machadiana reflexão: “aos vencedores, as batatas”.
A estética rebuscada e bem realizada é o grande trunfo do filme. Para Greenway, os muito preocupados com a narrativa deveriam ser escritores e não cineastas. O roteiro do filme, simples ao extremo, não compromete o resultado final e chega a provocar reflexões: política e capitalismo podem ser debatidos após uma sessão de O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Utilizando-se da linguagem do teatro, a fotografia, comandada por Sacha Vierny (O Ano passado em Marimbaud e Hiroshima meu amor), colaborou com a construção de cenas que remetem ao horror que a história necessita. Com figurinos do competentíssimo Jean-Paul Gautier, a produção ganha ares de requinte e luxo. Tudo para compor, com o auxílio da interessante iluminação (vermelha, branca, dourada e verde) uma atmosfera burguesa e cafona. Uma pintura poética que mistura sofisticação, luxo e crueza. O ponto alto da produção artística de Greenway.
Faz-se presente, no cenário principal (salão do restaurante), a tela do naturalista holandês Franz Hals, intitulada “O banquete dos Oficiais da Guarda Civil de São George”. A pintura, que é uma reflexão sobre o egoísmo, estaria funcionando como ataque direito às atitudes egocêntricas do governo inglês, sob o comando da mão-de-ferro, Margareth Thatcher. O povo inglês, prejudicado com o crescimento dos impostos (como, por exemplo, a poll tax), já não a suportavam. Além desse aspecto, é possível observar a forte influência de um pensamento barroco na construção estético-narrativa do filme. Ao contrapor cenas de sexo e de preparação de pratos requintados; luzes claras e escuras; a ignorância do Ladrão com o requinte intelectual do Amante, Greenway sublinha o contraditório jogo no qual o ser humano está em constante participação.
Com excelentes atuações do seu elenco, uma história simples e cenas chocantes, o filme dividiu críticos na época do seu lançamento. É uma obra difícil de ser esquecida. Ao focar o ser humano através dos elementos pré-escatológicos, Greenway posiciona-se do lado oposto dos triviais filmes aos quais os casais de namorados tanto se acostumaram a assistir. Beleza plástica, reflexão e canibalismo – marcas de uma inesquecível “história de amor”.
A história se passa em Londres (mas poderia se enquadrar em qualquer outra cidade grande européia ou americana), especificamente em torno do restaurante “Le Hollandais”, conceituado na produção de alta culinária. O refinamento do recinto, no entanto, defronta-se com o irregular comportamento do seu proprietário, Albert Spica (Michael Gambon), que janta lá diariamente, acompanhado de sua mulher, Giorgina Spica (Helen Mirren), e de outros acompanhantes chefiados por ele.
Narrada dia a dia, a trama é desenrolada a partir do instante em que os olhares de Giorgina e de um cliente, o dono de uma livraria, Michael (Alan Howard), se entrecruzam. A paixão e as sucessivas relações sexuais dos dois, em diversas partes do restaurante, chegam ao conhecimento do totalitário Albert. Tensão e morte dominam a continuação da película que é finalizada com uma das seqüências mais marcantes da história do cinema – o cozimento dos restos mortais de Michael servidos ao tenebroso Spica. Ao citar o canibalismo, a obra atinge o seu ápice – um retrato irônico da machadiana reflexão: “aos vencedores, as batatas”.
A estética rebuscada e bem realizada é o grande trunfo do filme. Para Greenway, os muito preocupados com a narrativa deveriam ser escritores e não cineastas. O roteiro do filme, simples ao extremo, não compromete o resultado final e chega a provocar reflexões: política e capitalismo podem ser debatidos após uma sessão de O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante. Utilizando-se da linguagem do teatro, a fotografia, comandada por Sacha Vierny (O Ano passado em Marimbaud e Hiroshima meu amor), colaborou com a construção de cenas que remetem ao horror que a história necessita. Com figurinos do competentíssimo Jean-Paul Gautier, a produção ganha ares de requinte e luxo. Tudo para compor, com o auxílio da interessante iluminação (vermelha, branca, dourada e verde) uma atmosfera burguesa e cafona. Uma pintura poética que mistura sofisticação, luxo e crueza. O ponto alto da produção artística de Greenway.
Faz-se presente, no cenário principal (salão do restaurante), a tela do naturalista holandês Franz Hals, intitulada “O banquete dos Oficiais da Guarda Civil de São George”. A pintura, que é uma reflexão sobre o egoísmo, estaria funcionando como ataque direito às atitudes egocêntricas do governo inglês, sob o comando da mão-de-ferro, Margareth Thatcher. O povo inglês, prejudicado com o crescimento dos impostos (como, por exemplo, a poll tax), já não a suportavam. Além desse aspecto, é possível observar a forte influência de um pensamento barroco na construção estético-narrativa do filme. Ao contrapor cenas de sexo e de preparação de pratos requintados; luzes claras e escuras; a ignorância do Ladrão com o requinte intelectual do Amante, Greenway sublinha o contraditório jogo no qual o ser humano está em constante participação.
Com excelentes atuações do seu elenco, uma história simples e cenas chocantes, o filme dividiu críticos na época do seu lançamento. É uma obra difícil de ser esquecida. Ao focar o ser humano através dos elementos pré-escatológicos, Greenway posiciona-se do lado oposto dos triviais filmes aos quais os casais de namorados tanto se acostumaram a assistir. Beleza plástica, reflexão e canibalismo – marcas de uma inesquecível “história de amor”.
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