Ambientado num bairro simples da Inglaterra dos anos 60, Um Gosto de Mel (A Taste of Honey, 1962), dirigido por Tony Richardson, traz consigo questionamentos como o racismo, a gravidez na adolescência (com a conseqüente perda das perspectivas de futuro) e o preconceito com homossexuais, temas que, na época, não eram tão debatidos no cinema, mas que a sociedade já começava a perceber uma discussão através do enfrentamento. O filme discute também, de maneira mais subjetiva, o real papel da escola na formação de jovens, que envoltos num ideal de liberdade, fruto de uma má relação com os pais, se vêem presos a uma instituição que não as educa.
Jo, vivida por Rita Tushingham, é o foco principal dos acontecimentos do filme. Uma estudante que tem sérios questionamentos acerca de sua mãe, Helen (Dora Bryan), que está mais preocupada com os “namorados” que arranja do que com a própria filha. Vale-se colocar em discussão a relação de necessidade que Helen encontra nesses seus casamentos, uma troca que a ela parece ser justa, mas que a faz ser submissa a seu novo namorado Peter (Robert Stephens), um rapaz mais jovem que ela. Entre a filha e Peter, Helen opta por Peter, mais pelo seu comportamento de ser dependente do homem, coisa que Jo não aparenta ser, do que por uma falta de afeto que sinta pela filha.
Em suas constantes mudanças de residência, Jo acaba por encontrar Jimmie (Paul Danquah), um marinheiro negro, cozinheiro do navio, e acaba vendo nele um refúgio dos problemas com a mãe, envolta de preconceitos, e a escola, lugar que não a agrada muito. Interessante notar como através de sutilezas o filme se sustenta em seus questionamentos, desde o fato do próprio Jimmie ser a escória dentro do navio, trabalhando como cozinheiro (numa das cenas ele descasca batatas) até a necessidade de Jo, já sabendo das convicções da mãe (representando convicções da própria sociedade) contar posteriormente à ela que o seu filho poderia nascer negro. A relação de entrega que ela tem com Jimmie mostra, no entanto, a naturalidade com a qual reage diante de um primeiro amor, mesmo ele sendo o oposto de um padrão ideal que subjetivamente lhe era imposto.
Há uma clara oposição de liberdade e submissão colocadas respectivamente no filme através das personagens de Jo e de Helen, esta última vivendo mais numa falsa liberdade que não condiz com a sua dependência constante de homens que hora ou outra a sustentam em uniões não muito sólidas. A cena que marca uma relativa crueldade de Helen, que é mais uma falta de posição advinda de sua submissão do que um desamor que sente por Jo, é quando ela, em uma viagem feita com amigos, Peter e a filha, que exerce um papel secundário no passeio, decide continuar sua diversão e mandá-la de volta para casa, demonstrando um “respeito” maior com Peter. Este último entende o tipo de relação que tem com Helen e sabe que a domina e pode tê-la como não tê-la a qualquer hora, assim como faz ao mandá-la embora.
Com a mãe morando fora e “casada” Jo concretiza um desejo de se sustentar e, com seu próprio emprego ela vai morar só em um lugar ainda mais simples. Através de imagens de meninos brincando constantemente nas ruas e uma sujeira que é inerente a eles, pontuada também nas frases dos próprios personagens, é que Tony Richardson critica o desenvolvimento dessa Inglaterra, envolta por lixo, pobreza, ratos e um rio sujo e fedorento. O próprio ambiente faz com que os personagens tenham já em si uma falta de perspectivas, apenas uma sobrevivência de planos breves e imediatos.
É no seu novo trabalho que Jo encontra Geoffrey, personagem vivido por Murray Melvin que completa o tripé dos conflitos vividos em “A Taste of Honey”. Rejeitado pela sociedade e reprimido em seus desejos, Geoff encontra em Jo alguém que o compreende e que precisa ser cuidada. Apesar de sua postura melancólica e introspectiva, é Geoffrey que traz a Jo, agora sem Jimmie e rejeitada pela mãe, mais esperança, assim como traz essa esperança também ao espectador. Sem questionar a homossexualidade de Geoffrey e levada pela amizade e afeto que sentia por ele, Jo o acolhe em sua casa e a relação entre eles acaba virando para ambos uma questão de necessidade, tanto na vida diária como no psicológico dos dois. Juntos, eles se aceitam melhor do jeito que são e terminam por se valorizarem, como diz Jo em determinado momento: “Eu e você somos extraordinários. Não existe outro eu e outro você no mundo!”. A sustentabilidade dessa amizade ajuda a Jo no momento em que ela descobre estar grávida e faz com que Geoffrey, que toma frente em sua defesa, se aproxime ainda mais dela, beirando o paternalismo. Jo em certa hora diz com um tom irônico: “Geoff, em certas horas você é como uma irmã mais velha para mim”.
Jo vem expressar essa nova visão de mundo, desapegada dos preconceitos, mas ainda com resquícios de uma percepção já ultrapassada, que se deixa escapar através de suas falas: “Vamos Geoff, me diga, sempre quis saber mais de gente como você”. Isso pode nos fazer sublinhar os diversos conflitos existentes dentro da cabeça de Jo: a aceitação por parte da mãe de um filho negro, a sua própria gravidez, fruto de um primeiro amor e de uma primeira vez, na qual, mesmo buscando um futuro diferente para si, ela própria acaba caindo no mesmo erro da mãe. A volta de Helen, rejeitada e colocada para fora da casa de Peter, ao convívio de Jo, faz com que explodam os preconceitos existentes na própria Helen, que, visivelmente massacra Geoffrey e, novamente, abala o ambiente harmonioso que se havia criado. É com sutilezas na linguagem, nas imagens e nas falas, que Um Gosto de Mel, mostra tais problemas e não tem vergonha de, junto a discussões que se iniciavam, propor um debate sobre o futuro dos jovens, o preconceito com os negros e homossexuais e a questão da família.
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