quarta-feira, 1 de outubro de 2008

"Minha Adorável Lavanderia" por Guilherme Carréra



“Minha adorável lavanderia” (My beautiful laundrette, Inglaterra, 1985) é um exemplar de filme-fetiche para os Estudos Culturais. Marco no cinema inglês oitentista, o longa-metragem de Stephen Frears congrega elementos caros aos interesses teóricos da corrente citada, servindo involuntariamente como objeto de estudo referente às noções representativas no cinema. O roteiro de Hanif Kureishi privilegia a idéia das minorias, colocando no centro de sua narrativa: um paquistanês e um punk londrino. Omar (Gordon Warnecke) se diz socialista, veio do Oriente, assim como parcela imigrante da população mestiça de Londres, e pretende ser alguém na capital inglesa. Johnny (Daniel Day-Lewis) é um neofascista pós-moderno, anda em gangues urbanas e parece ter como objetivo não ter o menor dos objetivos. Ambos estudaram juntos nos tempos de escola e agora, anos mais tarde, se envolvem, dando voz no roteiro à temática homossexual. Entenda-se aqui filme-fetiche não como elemento dissociado de um contexto cultural – mola cujo único sentido seria a dissecação acadêmica de suas problemáticas; em “Minha adorável lavanderia”, o senso estético, ainda que envelhecido pelas décadas passadas, estabelece sim diálogo com o cinema propriamente dito.
O filme conta a história do reencontro que resulta nesse romance. Nasser (Saeed Jaffrey), tio de Omar, a pedido de Ali (Roshan Seth), pai do protagonista, aceita o jovem para empregá-lo em sua falida lavanderia. Ali sabe que a vida na Inglaterra não é fácil para os estrangeiros, portanto, embora sonhe com o ingresso do filho em uma universidade, pede para o irmão um emprego para o herdeiro. De início, Omar seria um simples funcionário, mas logo o vemos assumindo a responsabilidade de restaurar e gerenciar a lavanderia do tio, conseguindo assim um status melhor. Para a nova empreitada, Omar contará com a ajuda de seu amigo de infância e adolescência. Johnny ressurge na vida do antigo amigo, formando assim a dupla central da narrativa.
O personagem de Omar carrega em si, dessa forma, as dualidades que sustentam esta narrativa. Ser o estrangeiro em outro ambiente, a ausência do lar de origem e, ao mesmo tempo, a sensação de não-pertencimento ao local que se tornou sua morada. Além disso, há o homossexualismo disfarçado perante seus conterrâneos e parentes. A orientação sexual de Omar também o coloca na zona do ambíguo: ele deve se casar com a jovem Tânia (Rita Wolf), cuja nacionalidade é igual a sua, mas quem ele parece amar de verdade é Johnny. Quando um colega da gangue urbana de Johnny diz, em determinado momento do filme, a frase: “todo mundo tem que pertencer a alguma coisa”, é como se o roteirista conectasse a sentença não somente aos dois personagens em foco, mas a todo descentramento que parece assolar Omar, símbolo da idéia pós-moderna de sujeito do entre-lugar.
O que se estabelece entre Omar e Johnny, no entanto, é revestido do que se pode chamar de uma memória magoada. A relação dos dois foi marcada pela adesão do londrino a um neofascismo militante. Em uma das passeatas das quais Johnny participava gritando “imigrantes, fora!”, Ali e Omar o viram materializando o xenofobismo que tanto feriu o orgulho nacionalista deles. O desrespeito à questão racial impede a entrega sem ressalvas de Omar à possibilidade de felicidade trazida pelo envolvimento afetivo. Ainda no presente, por parte dos punks que circundam o sul de Londres – área na qual a lavanderia se instala – Omar continua a ouvir comentários preconceituosos (“volte para sua terra, mestiço!”).“Powders” é o nome dado ao estabelecimento. Reformado e inaugurado, ele torna-se palco de revelações na trama. O uso do local como ponto de virada na narrativa reafirma o caráter de personagem que o ambiente possui. A lavanderia, além de função simbólica ao reunir paquistaneses e punks movidos pela vontade de crescer financeiramente, é mais um personagem do filme.
Chamam a atenção no desenrolar da obra dois pontos que, se não se completam, ao menos perpassam a idéia de pertencimento: a necessidade de ser alguém em um país estrangeiro e a resignação diante do desejo de um regresso. Por mais que “Minha adorável lavanderia” atente para a resistência das minorias, às políticas identitárias e ao retrato da margem periférica londrina (preocupação irrevogável da corrente teórica dos Estudos Culturais), as estratégias narrativas parecem convergir para a discussão do sujeito desreferencializado, distante do que foi e do que pretende ser. Seja quando Omar afirma categoricamente que não quer ser derrotado por este país (a Inglaterra), seja quando Ali se resigna e diz que tal país acabou com a vida deles, o espectador compreende que a real tensão está inserida na idéia das impossibilidades, tanto de um regresso ao que se tinha quanto de atingir o que se quer ter. O “devíamos estar em casa” proferido por Ali parece nos dizer que o pior do não-pertencimento é quando ele não consegue ser refutado. Sobram a impossibilidade e a resignação.

4 comentários:

  1. Muito boa crítica. Algumas coisas que pude ler acima acabaram passando despercebidas quando vi o filme.

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  2. Ótima critica, esse filme é muito importante na minha vida. Por tudo que escreveste e mais alguma coisa que senti em relação a ele, mas que nunca consegui definir.

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  3. Parabéns pelo texto, me fez compreender melhor o filme.

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  4. Este filme dispensa comentarios pq é simplesmente maravilhoso e amei a critica e kero + criticas de outros filmes bem como FILADELFIA.
    lindomar_costa@hotmail.com

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