terça-feira, 21 de outubro de 2008

"Exotica (Atom Egoyan, Canadá, 1994)" por Guilherme Carréra


O cinema do diretor Atom Egoyan poderia ser definido pela palavra inquietude. A construção de sua narrativa parece estar calcada em uma adesão a um discurso tenso, a um senso de mistério, onde o papel da trilha sonora tem uma força absurda como co-autora para criar esta ambiência. É dessa forma que “Exotica” (Canadá, 1994), um dos filmes mais conhecidos deste realizador canadense, mas nascido no Egito, parece funcionar. A obra é sustentada por esta sintonia de suspense, tensão e som, fincando-se como um cinema desejoso de inquietar o espectador, fazê-lo, genuinamente, acompanhar a trama contada e prender sua atenção.


Os elementos narrativos utilizados pelo filme confirmam esta premissa. Tanto a montagem como a trilha sonora dialogam em prol do clima soturno predominante. A estrutura não-linear da narrativa e as melodias instrumentais de tom sombrio pontuam o andamento da trama. Somado a isso, tem-se uma fotografia que prioriza espaços internos, com iluminação restrita, pondo aos olhos da audiência a escuridão. Esta combinação é a responsável pelo estranhamento que chega até o espectador. Inquieto, esse poderá refutar o cinema de Egoyan ou aderir às estratégias, interessando-se pela trama um tanto quanto policialesca a nos ser contada.


Sendo assim, a inquietude, no entanto, não se restringe ao aparente objetivo a ser alcançado pelo produto já pronto, entregue à audiência. O incômodo causado por tais elementos narrativos não ressoa apenas para quem fruirá o filme, mas, certamente, este incômodo é também o centro da própria história narrada. De teor incomum, o roteiro de “Exotica” é quase um jogo de quebra-cabeça. A boate que dá nome ao filme é o cenário emblemático da trama. É lá que a maior parte da história se passa, entrecruzando seus personagens.


Francis Brown (Bruce Greenwood) é o protagonista. Ele é um ativo freqüentador da Exotica. Aparece para ver todas as noites a jovem Christina (Mia Kirshner), uma das atrações principais do local. Ela dança sempre para o cliente, com a restrição de que ele, assim como todos os outros freqüentadores, não pode tocar nela. A reincidência de Francis e o relacionamento que se estabelece entre os dois, a princípio, escondem mais do que expõem. Eric (Elias Koteas) é o DJ da boate. Ao mesmo tempo em que cumpre um papel de voyeur, ele está sempre atento ao comportamento de Francis em especial, por motivos que o espectador desconhece. E Francis, por sua vez, também tem uma relação curiosa com a adolescente Tracey (Sarah Polley). A garota vai todos os dias trabalhar como babá na casa dele, embora o patrão não tenha filhos. O que Christina, Eric e Tracey têm em comum ou de que forma eles interferirão na vida uns dos outros são perguntas que o roteiro não tem muita pressa em responder.


Enquanto isso, a montagem se responsabiliza por intercalar imagens de um passado que não se sabe ao certo a que pertence. Mas nele tem-se Christina e Eric passeando por verdes campos. Este intercâmbio de tempos, apesar de ter se tornado marca da cinematografia dos anos 90 via histeria pop tarantinesca (Pulp Fiction, Jackie Brown), não se rende ao deslumbre. Há em Egoyan uma espécie de despopificação da montagem não-linear (aquela sem começo, meio e fim evidentes). “Exotica” mistura os tempos-espaços para engendrar ainda mais o espectador a sua história.


O resultado de “Exotica” é certamente incomum. Muito embora sua estrutura não seja dotada de grandes inovações, a elaboração de sua narrativa carrega em si um peso bastante singular. À parte o diálogo consciente entre os diversos instrumentos narrativos mobilizados a fim de que se criasse uma atmosfera específica, o filme de Egoyan não deve ser resumido a um simples exemplar do suspense. Seu ritmo apurado sinaliza para além da camada narrativa exposta. O que Francis esconde, ou simplesmente do que ele não sabe falar, ultrapassa a busca pela solução de uma mera incógnita do roteiro. Trata-se, na verdade, do que ele não encontra na sua própria casa, do que ele não consegue esquecer ao olhar para Tracey e o que ele busca todas as noites na Exotica.


Francis é um personagem à margem. Nota-se sua falta de ânimo com o mundo que tem diante de si. Em suas idas intocáveis a Exotica ele não parece procurar pelo prazer disponível. Quando oferece caronas à jovem Tracey, Francis encontra na garota reminiscências de um passado não tão longínquo. Por mais que “Exotica” esteja preenchido por tentativas de se decifrar o quebra-cabeça, o filme não entende o desvendar do caso como forma de aliviar uma tensão. Aliás, muito pelo contrário. A partir do momento em que o espectador compreende o que Francis traz consigo, tal incômodo se potencializa, transformando seu protagonista em um homem incapaz de aliviar a sua tensão inerente. E é desse peso que Egoyan parece querer falar.

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