quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Avenida Brasília Formosa", por Camila Nascimento


A partir do personagem-sujeito que constrói, o filme "Avenida Brasília Formosa" (2010) nega e assume sua condição de filme de ficção, com requintes de uma “autoria” moderna e mistura uma abordagem poética com um olhar mais objetivo da realidade.

O espaço, que recebe um tratamento estético rigoroso da fotografia, toma a forma de quadros marcadamente ficcionais e contrasta, mas principalmente ressalta uma atuação hiper-real, naturalista, impressionante, dos atores. O filme acompanha de perto a vida de alguns moradores do bairro de Brasilia Teimosa, na periferia do Recife, região de beira mar, ocupada de maneira ilegal por pescadores desde os anos 60 que atravessou inúmeros governos sem receber a atenção necessária até que um projeto Federal de urbanização do atual governo é executado, mudando a vida da população.

São personangens-sujeitos reais que representam a si mesmos dentro de seus espaços sociais habituais. O diretor Gabriel Mascaro aposta numa análise mais profunda de seus personagens do que aquela feita por ele em seu longa-metragem anterior “Por um lugar ao sol”, e consegue aliar a verdade do filme à verdade dos personagens sem opiniões pré-concebidas como fora o caso.

O filme exerce fascínio por manter firme o ponto de vista num entre-lugar entre o real e a ficção ao tempo em que reconfigura o distanciamento brechtiano em uma nova aproximação baseada numa realidade que já está dissolvida na ficção. Através de intervenções mínimas nas vidas reais dos personagens, o diretor traça um fio de narrativa ficcional entre eles e deixa pistas ao longo da estória. Longe de quebrar a ilusão de realidade, estas pistas só intensificam a realidade desta ilusão. Ocorre um casamento entre realidade e ficção como o que ocorre entre os personagens de Hilda Hilst, por exemplo, quando ela os confunde os e os mistura, cada um contendo o outro em seu romance “Estar sendo. Ter sido”. Mas ela o faz através da forma, Gabriel Mascaro fundiu os conteúdos.

Por outro lado, aliando abordagens estéticas mais antigas a uma construção em modelo mais atual, o filme traz uma montagem conceitual que sugere a natureza fragmentária do sujeito contemporâneo na era da predominância das imagens. É um híbrido bem pós-moderninho que apesar dos traços modernos suplanta a sensação de esgotamento contemporânea ao promover uma nova espécie de investigação da realidade não só no cinema, mas através do cinema e da relação do homem com sua imagem.

Ao percorrer os caminhos que constroem a identidade do sujeito num contexto específico – suas relações sociais, inter-pessoais, sua angústias e desejos, o filme adquire um irrevogável caráter político, mais amplo, que tem por base uma análise subjetivista mas mostra e portanto, denuncia, na medida em que é claro em sua escolha pelo discurso consciente.

O filme questiona ainda, a posição do próprio cinema na construção deste sujeito “personagenzado” contemporâneo, na medida em que evidência o poder de penetração das imagens – e, em última instância, discute o poder ideologizante da mídia - através da presença da câmera já naturalizada dentro das casas das pessoas.

O que o filme aponta é, neste sentido, a condição que proporciona sua produção, uma perfusão de fronteiras entre imagem e vida, entre o cinema e a realidade, entre o homem e sua representação.

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