sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“Beijos Proibidos”, de François Truffaut, por Renato Souto Maior



Antoine Doinel em plena juventude parisiense pode ser algo curioso de se observar, como um espião. O título em português, ao ser pessimamente traduzido, faz com que se perca boa parte do sentido e da relação do nome do filme com sua história. Em duas específicas cenas Doinel tenta roubar, literalmente, o beijo de duas igualmente jovens, em tom desastrado; e isso revela muito da personalidade de Antoine. Sua alcunha de incompreendido reaparece logo no início do longa, quando ele é expulso do militarismo por sua incapacidade de se adequar a tamanha mesquinhez e hipocrisia. O ano é 68, e as crises políticas e os conflitos de guerra fervem em um âmbito responsável pelo incidente no mês de maio daquele mesmo ano. A relação é colocada, mas não explorada. A câmera de Truffaut se debruça em um cotidiano por vezes “malandro”, com um estilo e ar de boêmia críveis e integrantes do personagem Doinel.

Sua dificuldade quase total – o quase por causa da sua pseudo-relação com Christine, jovem aparentemente disposta a ter algo com o “estranho” e problemático Doinel – em se relacionar com mulheres é explicitada nas tentativas do jovem em sair com prostitutas e insistir em beijá-las. O beijo do título em português está longe de ser proibido, de fato; é algo roubado, em tentativa. Depois de insucessos em vários empregos Antoine se encontra e vê em uma agência de detetives uma chance para exercitar e colocar em prática todo seu potencial de voyeur em ânsia para solucionar casos externos que acabam por lhe aparecer como “trabalho”. Doinel parece deslocado em uma sociedade não acolhedora ao seu jeito de ser e pensar. A solução, então, para este ajuste se dá perfeitamente adequada através de um emprego onde seu ofício é seguir e “investigar” a vida do outro, e não a sua própria. Como pessoa não pertencente ao meio em que vive, ele transita neste ambiente com transparência e facilidade próprias de uma pessoa física e socialmente desinteressante. A agência de investigação recebe alguns casos, e Antoine é encarregado de atuar em vários deles, com sucesso. O mais relevante dos pedidos é o de um dono de loja de sapatos que vai em busca de um detetive para descobrir o motivo pelo qual seus funcionários o odeiam. Em um trecho engraçado e inspirado o contratante se antecipa logo e diz que sim, é ali mesmo que quer estar, e não em um psicanalista.

O filme carrega uma narrativa leve, até ingênua, e o faz de maneira linear, comportada e muito bem filmada, mas previsível. O envolvimento de Antoine com a perfeita e intocável mulher do dono da loja no qual trabalha, a serviço de seu chefe detetive, aponta para uma possibilidade de deslumbre em uma via de seres humanos extremos. Quando o desengonçado e não muito atraente Antoine se vê assediado por uma mulher inquestionavelmente linda, as coisas parecem obter um estranho equilíbrio. A tal da “beleza interior” é o que parece ter atraído a suposta perfeita senhora, e o futuro do suposto relacionamento fica em suspenso. Truffaut coloca seu protagonista de volta ao convívio de Christine, sua amiga e pseudo-namorada do começo da trama, e parece ter nesta volta um fim possível. O incompreendido Antoine ensaia, finalmente, um possível “final feliz”. Ao passearem em parque parisiense, muito bem enquadrado, filmado e explorado, Truffaut revela um outro personagem, anteriormente mostrado, mas de forma sutil, como um segundo detetive, um olhar externo ao de Doinel. Ao se aproximar, vomitar um texto açucarado, e ir embora, o segundo “detetive”, ou vouyer, se declara a Christine, e confessa ter passado as últimas semanas a segui-la. Sua intenção é nobre, e verossímil, mas a estranheza com que se coloca faz Christine se amparar mais fortemente no já enlaçado Antoine. Em uma sucessão de “fracassos” e tentativas frustradas de adequação em ambiente estranho, Doinel é deixado, nesta produção, em situação muito favorável. O universo de “Beijos – sim – Roubados” sinaliza uma situação desfavorável, pela qual a própria França ultrapassava, que não parece atingir seus protagonistas. A ausência de um corpo, uma voz que seja, a retratar e ressaltar o turbulento período de 68 autentica e permite Doinel ser apenas um desengonçado, não muito atraente, rapaz boêmio de uma Paris suscetível ao puro e simples amor, roubado ou não; somente ele.

2 comentários:

  1. Doinel (Jean Pierre Léaud) é super atraente, s'il vous plaît!!!

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  2. Não acho o filme previsível. E nessa questão do relacionamento com Christine, eu vejo muito Antoine como um personagem em constante transformação; ele tem vários relacionamentos e acaba "terminando" com a do começo. Termina em definitivo só no filme mesmo... Bem, nem sei se tô falando coisa com coisa, mas adorei tu ter feito sobre esse filme, eu adoro! :)

    PS.: Léaud é atraente até demais, rs.

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