sexta-feira, 17 de setembro de 2010
"Acossado" por Lucas Freire
“Uma pessoa sente-se tão só num set de filmagem,
como diante de uma página em branco”¹
Jean-Luc Godard
Se existe uma palavra que capta toda a essência do filme Acossado (1959) do então jovem diretor Jean-Luc Godard é essa: ruptura. Acossado rompe com diversas barreiras estilísticas, inova na estética, surpreende no roteiro, e tudo isso ocorre no início dos anos 60, década essa na qual o cinema clássico americano e o cinema conservador francês se encontravam profundamente consolidados no âmbito cultural e nas ditas indústrias cinematográficas.
No filme, acompanhamos a rotina de um típico deliquente francês, Michel, que não possui grandes pretensões, aparenta estar alheio à sociedade e vive de pequenos golpes. Porém, logo ao início da trama, a ação que transcorrerá todo o filme nos é mostrada: por causa do roubo de um carro, Michel (o feio-bonito-charmoso Jean Paul Belmondo) acaba baleando e matando um policial que o perseguia, a partir daí, o protagonista passa a fugir da polícia. Nesta fuga, Michel revê algumas garotas do seu passado até encontrar a belíssima Patrícia (interpretada pela Jean seberg), uma jovem garota americana que sobrevive escrevendo artigos e vendendo exemplares do New York Herald Tribune em plena Champs-Elysèe.
Lendo-se apenas a sinopse, é comum imaginar que Acossado seja apenas um filme de perseguição policial. Sua relevância não se encontra na simples história, mas sim na forma que foi produzido e elaborado todo o projeto cinematográfico. O filme transgride em todos os setores: desde a elaboração do roteiro, no qual François Truffaut (ainda amigos) concedeu a ideia a Godard, até a sua montagem.
Acossado não possuía de fato um roteiro, Godard tinha em mãos a ideia inicial e um amontoado de anotações. Eis então que ele decide ir para o set de filmagens sem um roteiro pronto, sem delimitações. Daí surge a primeira ruptura com os roteiros tipicamente americanos, nos quais tudo está explicitamente destrinchado, cada plano, cada fala, cada posicionamento está dentro dos limites do roteiro. Godard passa por cima de tudo isso e parte para as filmagens sem quaisquer amarras no roteiro. A livre inspiração era o ponto dominante.
Godard, na direção dos atores, mais uma vez opta pela liberdade de atuação. Contrariando novamente os ditos cânones do cinema americano, nos quais os atores são presos a marcas, posicionamentos, expressões faciais, controlando então cada pulso do artista, Jean-Luc Godard desenvolve um trabalho de atuação com Belmondo e Seberg que os permite fugir do texto livremente, deixando-os aptos a improvisar dentro das cenas.
Talvez na montagem tenha ocorrido a inovação mais notória para a sociedade da época. Godard utiliza os hoje famosos (graças aos videoclipes e filmes de ação) jump-cuts e o falso raccord que ainda hoje é visto como um erro cinematográfico. O jump-cut consiste no corte abrupto da cena durante uma ação do personagem. Quando nos grandes estúdios cinematográficos usavam a montagem de forma que não quebrasse de maneira alguma a continuidade da ação, Godard ignora tudo isso usando de jump-cut, como na famosa cena do carro, na qual Michel e Patrícia passeiam de carro por Paris, admirando diversas paisagens sequenciadas. O uso dessas técnicas na montagem tem um propósito claro. Godard nos quer evidenciar que aquilo que é visto no cinema não se trata da realidade, realidade essa que o cinema clássico vigente na época tentava passar para a sociedade. Esses artifícios de edição quebram com a ideia do cinema ilusionista tão difundido pelos grandes estúdios e disseminam uma nova ótica diante da edição cinematográfica.
Devido ao uso dos jump-cuts e da improvisação proposital dos atores, o filme todo possui um ritmo acelerado, dinâmico, bem característico dos filmes de perseguição. Somente em um momento essa velocidade da trama é quebrada: na cena em que os dois protagonistas, Michel e Patrícia, estão no quarto, fumando, divagando sobre histórias, idéias e questões da vida. Esta cena caracteriza bem a nova estética proposta por Godard. Nesta conversa, pode-se compreender o existencialismo presente no personagem Michel, e sua necessidade de se afirmar na sociedade (vide os momentos em que ele mente para si mesmo, criando histórias e fatos da sua própria vida). Em meio a tudo isso, citações explícitas de pintores e escritores clássicos confirmam um aspecto intertextual. É nesta cena então que Godard propõe uma fusão entre a pós-modernidade (jumps-cuts, improvisação, desprendimento com o roteiro) e o clássico(temática comum, valorização das artes clássicas).
Pode-se dizer que várias dessas inovações só ocorreram graças às precárias condições da produção, mas isso não tira de forma alguma os méritos de Godard e sua equipe. Muito pelo contrário, só evidenciam mais uma inovação: a capacidade de fazer filmes de qualidade sem seguir qualquer regimento clássico do cinema. Por esses e por muitos outros motivos, Acossado contribuiu e ainda contribui para a cinematografia mundial. Quanto a Goddard, eliminou barreiras estilísticas e criou diversas outras teorias que hoje servem de estudo para todo o mundo. Quanto a Acossado, deixou de ser apenas um filme para então compor um fato histórico do cinema mundial.
Bibliografia:
EBERT, Roger. (2005). Grandes filmes. Rio de Janeiro: Ediouro, pp. 33-37.
TIRARD, Laurent. (2002). Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, PP. 239-252.
Webgrafia:
http://www.accirs.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=84:um-classico-para-sempre-moderno-acossado-1959&catid=39:revendo&Itemid=65¹
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