sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Viagem à Itália – Rossellini, por Bruno Alves Ferreira


Dentro de sua baratinha, com o frescor do ar abafado de uma janela fechada lhe turvando os sentidos abalados pelo seu status de turista indefesa na terra de inocentes primatas italianos, Ingrid Bergman e o sr. Testabunda (é o que parece, sejamos francos) tem seu amor conjugal posto à prova pelo poderoso ardor do fazer nada.

Antes de retomar a história deixe-me argumentar um pouquinho sobre esta experiência singular que tanto sou experimentado: fiscal não-oficial da temperatura ambiente. A arte de fazer nada, ou melhor, como gosto de chamar, ficar à paisana sob uma paisagem distante interiorana é uma arte que contém muitas sutilezas. Primeiro, engana-se quem crê que fazer nada é apenas deitar na varanda como nossos protagonistas. O verdadeiro nada faz (só pra variar esta expressão tão íntima do meu ser) sabe que o estado de ócio puro é algo parecido como atingir um transe budista, só que sem o recitar dos mantras e com muito mais efemeridade. A mente deve esvaziar-se, seu ser derreter sob o sol Napolitano, seu corpo deixar-se tomar pela pressão relativa do ar, como um bebê entorpecido pela papinha nos braços de uma tia peluda.

Voltemos ao casal, antes que o leitor mais cinéfilo e menos filosofo perca-se no texto e volte à sua releitura do Pequeno Príncipe. Embora ainda tenha muito a dizer sobre a ociosidade. Ingrid Bergman, só “man” para os íntimos, mete-se nos cafundós deste país pequenucho mediterrânico (dizem que até europeu!) e junto com seu macho e sua testa de rêgo frondosa experimentam pela primeira vez a doce presença única de um ao outro. Peralá, oigalê, oxalá mano! Exclama o leitor incauto e com um vocabulário por demais eclético. Um casal que nunca teve seu “alone time” (inserção automática de expressão estrangeira para arregalar os olhos dos mais impressionáveis)? Como é que pode uma coisa dessa Batimã? Ainda mais com uma beldade com a ms. man ao seu lado? Só com muita dose de lico de cair o pinto, diria o curinga. Mas enfim, é isso. A presença do outro traz consigo dois males. A discussão da relação e o que fazer com ms. man quando se é um eunuco e Pong com entrada para dois jogadores ainda não foi inventado.

Relação discutida brevemente descobre-se algo que deveria ser mais óbvio que a elefantíase na testa do maridão: Não há relação. São um casal ligados através dos outros e quem sabe, casados através das expectativas dos outros (ecos de torneiras de pias de cozinhas britânicas suturam meus ouvidos com suas chamas do social realismo). Quando sozinhos descobrem-se desconhecidos com um rancor quase infinito que só é vencido pelo ímpeto de manterem-se à distância um dos outros. Ele procura fugir do ócio através de... Peralá!

Voltemos ao ócio enquanto a chama ardente (ai meu dedo!) da inspiração reflexiva dos enigmas da vida arde nas minhas entranhas (lá ele). É importante, que na sua atividade de não-atividade, a presença do outro seja eliminada de qualquer forma. De forma rude, dizendo-lhe um sonoro “Vá-te-se embora vade-retro satanás cruz credo da mão boba!” ou de maneira furtiva convidando-o para uma sessão morde fronha das tardes melodramáticas do TCM (Turner Classic Movies, só pra alongar este parágrafo). Também é importantíssimo cessar qualquer estímulo visual e sonoro que possam estimular algum mísero neurônio à cometer uma viagem milisegundos luz na sua massa cinzenta. Escutar música é estimular o cérebro. Então nada de trios mexicanos cantando o tema de Maria do Bairro. A verdadeira ociosidade é uma atividade de baixo custo glicósico. Tornas-te um semi-morto em contato com forças nunca dantes navegadas. Aliás, navegação, taí uma metáfora usada pelos projetos de paisanos que populam esse filme. Chegam à comparar a boa vida de ociosidade ao navegar de um navio, à deriva para onde o vento o levar. Meus filhos que não sabem o que dizem, derivar “il mare” é boiar, e boiar é oferecer resistência, é eliminar glicose preciosa no funcionamento da arte de não funcionar.

Os leitores mais espertos, com uma testa que não pareça a coxa do garoto Michelin como o maridão já notaram que eu não presto. Novamente enchendo a lingüiça com um vigor ímpar. Estou envergonhado e cessarei minhas reflexões por enquanto para me focar unicamente no filme.

Ele procura fugir do ócio atráves da comunhão boêmia (mulé). Ela procura através das cartas (haja paciência pra jogar paciência) e de homens sarados em mármore. Diga-me você leitor quem faz a melhor escolha e digo-te tua opção sexual. Enfim! O que a ms. man descobre é que sua vida é um verdadeiro vazio que aparentemente só pode ser preenchido pelo amor de um rebento. Deduzo isso através das inúmeras grávidas feiosas que apareceram durante o filme. O que o da testa peitoral descobre é que pegar mulher nem sempre é fácil, por mais oferecida que ela seja. Descobriu o Brasil.

Mas o meu tempo se encerra e meus comentários estão apenas começando... supostamente! Nunca confiem numa narrativa em primeira pessoa! Penso no que dizer e o tic-tac (do relógio adorável anta, não a bala) me empurra com tudo para uma conclusão incerta. Afinal, Bruno, tome vergonha na cara e sintetize uma opinião antes do fim desta resenha, me diz meu anjinho amiguinho de nome Vadinho que é personificado por este bigodinho ralo e charmoso.

Te atendo Vadinho! É um filme bacaninha que permite-se abster-se de certas convenções cinematográficas. É como um belo foda-se, ou com elegância, fornique-se para as regras do cinema. É um prazer assistir um filme que se abstêm de irrelevâncias como trama e direção. É um filme para se aproveitar da presença da ms. man em seus museus, vulcões e tumbas, com sua melancolia acentuada pela sua permanente cara de choro. Poxa, não tem pra mim? Pergunta-se ms. man cercada pela morte histórica. A resposta vem só no fim, aonde levada como uma lepre sendo surrado por uma gangue de tartarugas com machados, é socorrida pelo seu maridão e sua testa dentro de uma testa. Melodramaticamente, ou seja, de maneira tosca e irreal, meio kistch, meio brega, tipo assim, sacumé, tudo se conclui com um mudar de temperamento e humores mais mágicos que o cinegrafista que conseguiu enquadrar essa testa do maridão no filme. I love you, bebê! E seremos felizes para sempre. Kracauer concordará, pois chegou a dizer o alemão polêmicuzinho que o final feliz é mais adequado por dar uma sensação de continuidade. Teorias idiotas de lado. É o que recebemos. E tememos com este fim, happy together, pela eventual morte de ms. man esmagada pela testa pantagruélica do maridaço.

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