sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Roma, Cidade Aberta... Para o Neo-Realismo", por Wilson Rocha


Roberto Rosselini sempre foi um outsider. Quando Hollywood o convocou para dirigir filmes na indústria cinematográfica mais profissional do planeta ele recusou, pois não acreditava num cinema que se pusesse à margem da população e que se exprimisse apenas o que era comercialmente válido. Ele era contra o chamado star system tendo em vista não concordar no distanciamento e na aura de celebridade construída pelos donos dos estúdios americano em torno de seus atores e atrizes.

Roma, Cidade Aberta marcou, simbolicamente, o início de um movimento que vinha se formando há anos atrás e que teve origem durante o regime fascista de Mussolini tendo firmado-se no pós-guerra: o neo-realismo. Este movimento cine-artístico fundamentou uma estética na linguagem do cinema mundial influenciando diretores do mundo todo, quando vários diretores italianos como Vittoria De Sica e Luchino Viscontti, dispondo de poucos recursos, provaram que era possível fazer um cinema de alto nível, utilizando atores não profissionais e locações externas e reais para retratar os dramas e problemas ligados ao cidadão comum e a sociedade em que ele está vinculado num contexto de denúncia e crítica.

Não foi um movimento consciente como se deu com a nouvelle vague e seus ditames expressos e definidos via o oráculo Cahiers du Cinema - André Bazin. As condições econômicas e estruturais de um período de guerra e pós-guerra determinaram uma limitação de se fazer filmes de forma extremamente econômica. O talento, a sensibilidade, a criatividade e a improvisação foram os grandes destaques dessas produções.

Em Roma, Cidade Aberta (um dos filmes que juntamente com Paisá, de 1946, e Alemanha Grau Zero, de 1948, fazem parte da trilogia da guerra dirigida pelo mesmo cineasta) Rosselini mostra um episódio no qual a força invasora realiza investigações contra grupos de libertação que lutam contra a invasão dos germânicos no país.
Comovente pela força melodramática que está embutida na própria história, Roma Cidade Aberta transforma em heróis a massacrada população proletária de uma bairro em roma no período de dominação alemã, que, embora resistente e engajada, sucumbe, por vezes, aos assaltos das forças invasoras.

Pina (Anna Magnani, uma das poucas intérpretes profissionais) grávida e assassinada pelos policiais ao correr atrás do caminhão que mantém preso o seu marido, rebelde às forças de ocupação, é uma das cenas mais trágicas da cinematografia mundial.
As crianças se situam dentro de uma esfera de ingenuidade parcialmente corrompida, organizando-se em milícia contra os agentes agressores, mas ao mesmo tempo subordinando-se aos castigos das palmadas de seus pais e as aulas de catecismo. A indicação do que é aceitável é evidente neste paradoxo comportamental.

Os dramas vão se sobrepondo em proporções dolorosas e irremediavelmente previsíveis (puro neo-realismo). O cerco armado pelas forças alemãs estão se fechando cada vez mais e com a ajuda de informantes, o chefe nazista encarregado de dissolver a organização guerrilheira italiana, o major Fritz , vai juntando pistas que acabarão levando suas forças aos cortiços de Roma ameaçando a segurança não só dos fugitivos ativistas italianos como a de suas famílias.

O filme todavia mescla situações de comédia e de sátira o que proporciona mais leveza e uma dose de humor inteligente a um tema com essa densidade. A cena em que o Padre e o coroinha tentam disfarçar seus reais motivos para adentrar num prédio desocupado pela gestapo tendo como mote a realização da cerimônia de unção de um doente é digna de figurar entre uma das melhores da história. Outro momento polêmico é o do saque a padaria, que num determinado momento é condenado pelo sacristão, até que o mesmo convencido pela fome se junta aos ‘criminosos’ na apropriação dos pães.

Outra marca importante do diretor italiano é a sua crença religiosa e ela mais do que em outros trabalhos desta fase do diretor, aparece nitidamente. Ele destaca a influencia da religião como agente não apenas da manutenção da fé mas também da liberdade. Em todo o conjunto de sua obra, Rosselini promove a necessidade de uma atuação concreta por parte da igreja católica frente as dificuldade enfrentadas pela comunidade e em Roma, Cidade Aberta, isso é ponto chave. Dessa forma o padre detém o foco principal durante o filme. Ele é o contrapeso que impede a violência total, mas que proíbe a inércia e a omissão.

O neo-realismo provou numa época dominada pelas suntuosas produções da época de ouro do cinema norte-americano, que se podia fazer filmes atraentes e de qualidade, sem um alto investimento e conectados a realidade.

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