sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“Os Incompreendidos”, por Natália Tavares


Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) só tem um momento de fraqueza. Dentre tantos outros, esse é um dos aspectos do primeiro longa de Truffaut que mais me chamou atenção. Impossível não se emocionar com Doinel quando ele chora no carro da polícia sendo transferido para a prisão, observando as ruas da cidade, único momento em que a fragilidade de uma infância prematuramente perdida aparece na tela. O que demonstra também outro traço importante do filme, a personalidade do personagem principal. Uma criança que amadureceu cedo demais, seja pela vontade de viver sua própria vida, independente dos pais e da escola, seja pela ausência de suas figuras paternas que não conseguem preservar sua inocência infantil.

A rebeldia de Antoine se reflete nas fugas de casa, nos pequenos roubos e no descaso com sua educação e acredito que seja fruto de sua relação com a mãe (Claire Maurier), que pouco demonstra afeto por ele - desejando tê-lo abortado e deixando-o aos cuidados da avó nos primeiros anos de vida – e pouco respeita sua família, ao trair o marido (Albert Rémy). Antoine, ainda criança, é exposto a tudo isso. Ele é sim um garoto gentil quando é encorajado, como na cena em que toda a família vai ao cinema, e ele tem um momento feliz junto aos pais. Porém, esses momentos são raros em seu cotidiano, prevalecendo as constantes brigas entre os pais que o menino consegue ouvir pela porta. Seu modo de escapar de tudo isso são suas fugas de casa, a fascinação pelo cinema e a amizade com René (Patrick Auffay). É assim que Antoine busca fugir de uma conturbada relação com a família e de uma educação aparentemente tirana e injusta.

Truffaut fez um belíssimo filme sobre a juventude de uma época. Apesar dos difíceis dilemas vividos pelo personagem principal, o filme não perde a beleza e a suavidade típicas da juventude, como na cena em que as criancinhas francesas estão assistindo ao teatro de fantoches, com seus olhinhos vidrados, ou nos pequenos toques de humor durante o todo o filme. A juventude de uma Europa do pós-guerra, no contexto da Guerra Fria é representada na tela. De fato, a rebeldia de Antoine Doinel, sua não inocência, e as situações por ele enfrentadas são reflexo de um contexto social que Truffaut aborda com alguns traços autobiográficos.

O filme é em grande parte construído por meio de planos sequência, são poucos os diálogos feitos em plano-contraplano, o que pode ter ajudado a criar a natural atuação do então jovem Jean-Pierre Léaud, que por sua vez deu um toque de naturalidade a todo o filme. A cena final, em que Antoine foge do reformatório também é em plano sequência. Ele vai parar em tal lugar por roubar uma máquina de datilografar da empresa onde o pai trabalha, e é pego ao tentar devolvê-la. Para dar uma lição em Antoine, seu pai decide entregá-lo à polícia. No reformatório, ele conhece muitos outros meninos delinqüentes juvenis que poderiam influenciá-lo a ser ainda mais criminoso. Por fim, Antoine consegue fugir do reformatório e nessa final, é interessante observar como a história dele não acaba ali, e sim deixa para ser contada nos outros filmes da trilogia. Antoine corre, corre e corre, chega na beira do mar, brinca com a água, olha para a câmera, close em sua imagem estática e “fin”. A vontade que tenho é de ver os outros dois filmes da trilogia.

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