sexta-feira, 17 de setembro de 2010
"Jules et Jim", por Lady Patrícia Oliveira
Para os jovens realizadores da Nouvelle Vague francesa, a palavra de ordem era ruptura, ainda que muitas obras resultassem da incorporação de diversos elementos presentes na cultura daquele período. Fã do cinema clássico e apaixonado por literatura, François Truffaut reúne um pouco dos dois em seu filme Jules e Jim, Uma Mulher Para Dois (1962), um dos filmes mais representativos do movimento.
As dores e delícias, as vicissitudes e as mesmices das relações humanas são narradas por Truffaut através de um complicado triângulo: o alemão Jules e o francês Jim são amigos inseparáveis, que dividem até mesmo as conquistas amorosas, até que conhecem a bela Catherine. Ela casa com Jules, mas entediada com a pacata vida de dona de casa e a passividade do marido, dá início a um romance com Jim. Extremamente passional, Jules aceita, e até incentiva a relação de sua esposa e seu melhor amigo, com medo de perder ambos.
Logo na abertura do longa, Truffaut chama a atenção para seu estilo, que vai além das características da Nouvelle Vague, surpreendendo o espectador também ao longo do filme, pela maneira que escolheu para contar a sua história: cortes rápidos, tomadas panorâmicas, o quadro que fecha em close no rosto dos personagens, fotogramas pausados no meio de uma ação ou fala... até um insuspeito letreiro. Adaptado do romance de Henri-Pierre Roché, a influência da literatura também se faz sentir através de um narrador onipresente, o que pode contribuir para a compreensão da narrativa em suas diversas passagens de tempo, embora seja desnecessário em alguns momentos, como descrever as emoções dos personagens enquanto estes aparecem na tela, explicitando demais o que poderia ficar implícito – só os mais desatentos não notariam a cobiça nos olhos de Jim, o cinismo de Catherine e a ingenuidade de Jules.
O trio, aliás, é uma atração à parte. Numa trama que poderia ser simples, Catherine, Jules e Jim trazem a complexidade necessária para o triângulo, ao mostrar o estranho modo de amar de uma mulher, e de dois amigos que criam uma dependência em torno dela, satisfazendo todos os seus caprichos, enquanto ela os domina e manipula, tomando até a iniciativa de “romper” o relacionamento a três de forma inesperada. Boas atuações, sobretudo dos dois rapazes, que conferem verossimilhança e dignidade à amizade entre Jim e Jules, algo que nem mesmo a Guerra pôde destruir. Já o promissor carisma de Catherine por vezes se perde, transformando a personagem numa figura voluntariosa e egoísta, contrariando o título do filme: uma mulher que não é para dois, é só para si mesma.
Ainda que o filme tenha lugar nas primeiras décadas do século XX, Truffaut pegava carona no feminismo crescente dos anos 60 para colocar a volúvel Catherine como o pilar da tríade. O diretor desejava apenas reinventar o já tão dissecado tema do amor a três através da inversão de papéis, a mulher independente e o homem submisso, uma abordagem temática que não causa mais estranheza no espectador de hoje. Todavia, sempre é válida a reflexão que fica posteriormente: a transitoriedade das relações amorosas versus a solidez da verdadeira amizade.
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