Mostrando postagens com marcador jules et jim. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador jules et jim. Mostrar todas as postagens

sábado, 15 de novembro de 2014

Jules e Jim - Uma Mulher Para Dois – de 1962, por Karolyn Fernandes













Neste filme de François Truffaut, somos apresentados aos personagens Jules (um alemão tímido) e Jim (um francês extrovertido), ambos ficam amigos passando a compartilhar muitos gostos e ideias em comuns. Jules e Jim levam uma vida boêmia em Paris, que se intensifica com a chegada de Catherine. Neste momento, o filme privilegia o emocional dos personagens, que se ligam profundamente. Com a entrada dessa personagem surgem no filme situações originais e diálogos interessantes, além de um embate na solidez da amizade da dupla, que fica atraído por ela. Catherine é uma figura feminina incomum, já que busca desafiar as normas sociais da época, desejando liberdades masculinas sempre tão tradicionalmente negada as mulheres. Com isso, a personagem de Jeanne Moreau pode ser vista como atemporal, uma vez, que simboliza a libertação do feminino no cinema. Evidentemente, isso é notado em cenas como a que ela se veste de homem e pinta um bigode a fim de sair pelas ruas de Paris fumando uns cigarros. Logo, suas atitudes no decorrer do filme realçam sua emancipação dos preceitos que aprisionaram seu gênero no cinema.

Adiante, notamos que os personagens se encontram distantes do cenário político da época, vivendo praticamente uma fantasia, que se resume apenas aos três. Há então uma quebra no paralelismo do filme que oscila para a realidade, na qual o mundo despreocupado dos personagens é assolado pelas consequências da Primeira Guerra Mundial. Mas maduros, eles se reencontram. Casada com Jules, Catherine reforça mais uma vez seu espírito livre ao revelar para Jim, suas precedentes traições ao marido e seu novo afeto por ele, que se entrega a essa paixão, aprovada por Jules. Assim, notamos o resgate dos personagens em rejeitar a moralidade convencional praticada na primeira parte do filme, na tentativa de viver outra lógica emocional de relacionamento que satisfaçam os desejos.

Dessa forma, notamos a intenção do enredo em abordar o tema do triangulo amoroso, na intenção de se refletir a cerca do amor livre, uma vez que o fracasso da concretização de um ideal de vida que explora outra lógica de amor inescrutável, mas convincente, pode ao menos lançar ao espectador um novo olhar a cerca dos limites da liberdade.


"Jules et Jim", por Raian Oliveira



É impressionante como o filme Jules et Jim (Truffaut, 1960) consegue se manter completamente atual e transgressor com mais de cinquenta anos decorridos e conserva em si uma modernidade pungente tanto esteticamente quanto na questão temática. Trazer uma “revolução” no padrões de relacionamentos, questionar o próprio status do casamento e trazer todas as mudanças atreladas a uma figura que se construiu na dependência de um outro gênero é uma forma arrebatadora de se discutir o tema.

Apesar do filme receber o nome dos dois amigos, o desenlace da trama tem como imã e catalisador de todas as ações a inesquecível Catherine (Jeanne Moreau). Sem muito sermão e pudor ela age em função de si mesma. Seguindo o fluxo da sua vontade, os planos e idealizações de futuro se condensam no aqui-eagora, em um certo apego ao que está no presente e reflexo de sua vontade além
da moralidade. Uma discussão-monólogo na beira de um rio desencadeia um protesto aos moldes dela, utilizando seu corpo como contestação ela se joga no rio ao escutar de Jules (Oscar Werner) seus comentários sobre a inferioridade feminina. “Em um casal, a mulher deve ser fiel. A fidelidade do homem não importa” diz Jules para Jim (Henri Serre) em um de seus “argumentos”enquanto Catherine passeia antes de se jogar.

Não passa muito tempo para que Jules e Jim se apaixonem por ela e iniciem um triângulo amoroso ao qual ela centraliza todas as atenções e faz com que tudo gire em torno dela. Descontinuidades na montagem — que bem melhor explorados em Acossado (Godard, 1960) — e cenas congeladas por alguns frames intensificam a experiência dessa adaptação literária de Truffaut. Em um diálogo com Jules e Jim, Catherine explicita o quanto havia aprendido e mudado após conhecer eles e lindamente começa a esboçar suas expressões normais antes do encontro e da vivência que, magistralmente congeladas, dão a impressão de fotografias dentro do filme, de certa dilatação no tempo como forma de contemplar tudo aquilo que logo mais voltará a se dissolver em movimento.

A casa em um local isolado, cercado predominantemente por árvores, torna-se refúgio e criação de um reino utópico ao qual a rainha é Catherine. Tudo se torna possível no campo dos sentimentos. Jules, Jim e Albert (Serge Rezvani) convivem como se toda possessividade-romântica-monogâmica fosse quase que completamente abolida. A troca de parceiros é constante. Catherine fala em
algum momento do filme que o amor é como ciclos que vêm e voltam, resumo do que seria não só o seu, mas o de Jim — que se apaixona e desapaixona não só por Catherine, mas por Gilberte também — e de todos que se escutam além dos segredos-tabu escondidos pelo mito do amor eterno. Mito esse que, inconformada com o fim do que seria o controle de Jim, anunciado por um casamento definitivo, tenta mata-lo como forma de eternizar e manter o controle sobre aquilo que começara a fugir dos seus planos.

Jogar-se no rio, como havia feito antes, agora como ato final e percepção de que não se poderia ter controle sobre tudo, principalmente em uma relação egoísta. Eternizar e permanecer aquele que tenta fugir, e mais uma vez o rumo dele é preso ao dela. Dessa vez, não mais como a primeira, os resultados de seu protesto corporal não serão vistos por ela, mas ela sabe, em alguma parte, a
sua cristalização não só na vida de Jules, mas na de tantos outros homens pelos quais dominou. E, com certeza, por todos aqueles que se dedicaram a assistir a essa obra-prima. 

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Jules e Jim – Uma mulher para dois ", por Sofia Donovan


A abertura de Jules e Jim já precede a confusão: Você disse “Eu te amo”, eu disse “espere”, eu quase disse “sou sua” você disse “vá”. Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre) são dois jovens que, através de uma identificação incomum, de uma mútua sensibilidade e paixão pela arte, criam uma amizade incondicional. Somos introduzidos a essa amizade rapidamente por um narrador também presente em vários outros momentos do filme. E então conhecemos Catherine (Jeanne Moreau), uma mulher excêntrica e misteriosa com quem Jules começa a ter um caso, e por quem Jim também se apaixona. Ao falar de Catherine sinto-me obrigada a dar uma “fugida” dos limites desse filme.

Esta crítica inicialmente seria sobre Viver a Vida, de Godard, porém uma coisa me incomodou nesse filme: Nana (Anna Karina), a protagonista, não parecia um ser humano, eu não consegui encontrar nela uma “mulher de verdade”. Em meio às suas indagações e contradições eu a perdi, e foi esse o fato que me levou a trocar Viver a Vida por Jules e Jim. A relevância da minha mudança de escolha para essa crítica está exatamente na questão da representação das personagens, que são bem diferentes, mas em ambos os filmes, enigmáticas.

Também tive problemas inicialmente para assimilar Catherine, porém, aos poucos ela foi surgindo: Uma intensificação extrema da mulher, em suas inseguranças e desejos, uma figura instável e encantadora. Ao fim, diferente de Nana, ela se tornou palpável. O problema está em como esse processo ocorreu. Suas ações e intenções foram explicadas pelo narrador e pelo próprio Jules, tirando do espectador a liberdade de assimilar e interpretar sozinho o filme.

Catherine muda completamente a vida dos dois, a música que aparece mais de uma vez no filme “Le Tourbillon de la Vie”, sobre a fascinante femme fatale e encontros e desencontros marca bem a situação que os envolve. Mas o filme nunca perde o ar lúdico, com cenas simples e simbólicas como a em que Catherine se alegra ao sair vestida de homem e ser reconhecida como tal ou a que Jules, Jim e Albert (Boris Bassiak), outro homem que ela conquistará, se admiram com a figura de uma mulher de pedra.

A fotografia fragmentada excitante, as belas locações e as fortes atuações de Catherine Jeanne Moreau e Oskar Werner se complementam.

O filme propõe um amor “livre de hipocrisia” que a insegurança dos personagens, que seus defeitos humanos, impedem que funcione.

Jules e Jim - Uma mulher para dois, François Truffaut, 1962, por Bruna Belo



Jules e Jim, considerado por muitos a obra-prima de François Truffaut, é seu terceiro filme e um dos que melhor representa a nouvelle vague francesa, fazendo uso de técnicas de filmagem baseadas na improvisação e desrespeitando as regras clássicas da montagem. Baseado no romance autobiográfico de Henri-Pierre Roché, o filme possui dois dos temas centrais da obra do diretor: o amor e as mulheres.

Ambientado na Paris do inicio do século XX, em plena belle époque, conta a história de dois amigos: Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre), ambos escritores, o primeiro é austríaco, retraído e introspectivo, enquanto o segundo é francês, bem humorado e extrovertido. Depois de uma viagem às ilhas do mar Adriático, eles conhecem Catherine (Jeanne Moreau), uma mulher livre, liberal e apaixonada pela vida. Ambos se apaixonam por ela, dando inicio a uma amizade sólida e a um dos mais famosos triângulos amorosos do cinema. Jules casa com Catherine e tem uma filha, porém após a Primeira Guerra Mundial – na qual os dois amigos lutam em lados opostos – ela já havia perdido o interesse no seu marido, passando a ter casos extraconjugais. Quando reencontram Jim, Catherine se descobre apaixonada por ele e os três passam a viver juntos.

O filme tem um narrador em off para, como disse Truffaut, evitar o corte dos textos mais belos, dando conta das partes mais densas do livro. Além disso, ele ajuda a dar sentido às ações e diálogos entre os personagens, que, sem a narração, poderiam parecer sem propósito, ajudando na fluidez do filme, que une cinema e literatura de forma encantadora.

Como não podia deixar de ser, Truffaut – um dos fundadores da nouvelle vague – incorporou a Jules e Jim o surgimento de tecnologias de filmagem, a fim de obter a nova linguagem cinematográfica tão desejada, fazendo uso de imagens congeladas e jump cuts. Foram usadas câmeras portáteis as quais, por serem leves, facilitavam a locomoção, já que podiam ser levadas na mão, aumentando a liberdade do cinegrafista (Raoul Coutard) para fazer o que quisesse, por exemplo, algumas cenas do pós-guerra foram filmadas por câmeras montadas em bicicletas. Apesar dessas técnicas já terem sido usadas em seus filmes anteriores, em Jules e Jim o diretor aperfeiçoa seu estilo, marcando uma transição, de uma direção livre e espontânea para uma mais refinada visualmente.

A utilização de congelamento da imagem usado ao longo do filme é um dos aspectos que chama mais atenção na montagem, pois perpetua determinados instantes, como expressões de Catherine e o reencontro dos amigos após a Guerra.
O filme pode ser dividido em três partes, assim como o livro: na primeira ele mostra a amizade de Jules e Jim, como se conheceram, como é a relação dos dois; na segunda parte eles conhecem Catherine, e Jules se apaixona e casa com ela; a terceira começa a partir do envolvimento de Jim com Catherine, concretizando o triângulo. Porém, essa divisão não ocorre apenas no roteiro, essas mudanças também podem ser percebidas através da montagem e da trilha sonora.

A fluidez e “rotação” (swirling) das imagens, a edição rápida e a musica vivaz da primeira parte do filme se encaixa perfeitamente à jovialidade, às brincadeiras e às emoções exageradas dos personagens. Na segunda metade, enquanto nós entramos mais fundo na intimidade dos personagens e enquanto a trama começa a se complicar, o filme desacelera.

A trilha sonora, composta por Georges Delerue, lembra composições de Claude Debussy e Erik Satie, dois dos mais proeminentes compositores franceses do período em que a historia se passa. É possível perceber que a relação entre personagens se torna mais tensa e complicada através do desenvolvimento dos temas musicais, por exemplo: há uma melodia que se repete durante toda a trama quando os personagens se encontram, primeiramente ela é idílica (quando eles visitam o campo e vão à praia de bicicleta), depois, com o decorrer da historia, essa mesma melodia se torna mais lenta e sombria. A partir desta reordenação dos temas musicais no decorrer das cenas, o diretor sugere significados implícitos na narrativa. Todo esse cuidado com a trilha sonora ajuda, e muito, a dar uma unidade à obra. A música Tourbillion, que ficou famosa após o filme, é cantada por Catherine em determinada cena e é capaz de sintetizar em poucos versos a sua personalidade e toda a relação dos três.

Embora Jules e Jim sejam os personagens principais, é Catherine quem rouba a cena, e sintetiza o espírito do filme. É ela quem os guia, comandando a relação entre eles. Jeanne Moreau, após essa sublime interpretação, ganhou fama internacional e passou a ser um dos rostos mais lembrados da nouvelle vague, já que esta personagem é uma das que melhor sintetiza os ideais desse movimento, a confusão e intensidade de emoções.
Com uma sutileza inerente ao diretor, Jules e Jim, se tornou uma celebração à sinceridade para com os seus sentimentos e emoções. Uma das melhores adaptações literárias para o cinema, a história é, como disse o próprio Truffaut, um “perfeito hino ao amor e, talvez, à vida”.



Fontes:
BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. Film Art: an introduction. Ninth Edition. New York, NY: McGraw-Hill, 2009.
http://www.scribd.com/doc/17704250/Jules-et-Jim-Fotonouvellevague

"Jules et Jim", por Marcílio Camelo


AVISO: SPOILERS!!

Assunto freqüente em filmes, o triângulo amoroso pode parecer tema sem muito valor para algumas pessoas, mas tudo depende da forma como é tratado. Truffaut traz para ao cinema uma história baseada no livro homônimo do escritor francês Henri-Pierre Rouché, e não faz a mínima questão de esconder o tom literal ao longo do filme. Pelo contrário, o diretor preenche a trama com diálogos vivos e narração em off, o que aparenta ser uma leitura visual de um livro, surpreendentemente interessante.

O filme retrata a França de 1912, onde uma amizade se inicia espontaneamente entre o austríaco Jules e o francês Jim, que é convidado para uma festa à fantasia pelo estrangeiro, mesmo sem se conhecerem. No início do filme Truffaut usa planos rápidos e curtos para montar o crescimento dessa amizade, que é pura, sem maldade. Vemos que os dois se divertem com namoricos, e chegam até a namorar uma mesma mulher, mas levianamente. Após o início veloz, somos apresentados a Gilberte, namorada de Jim, ela pede que ele não saia do seu quarto, mas o jovem não está disposto à estabilidade. Esse tipo de relação descompromissada que ambos os amigos costumavam ter com as mulheres é mostrado também quando Jules fala dos amores que deixou em sua terra. Nesse contexto, não era de se esperar que os dois sentissem um amor forte e duradouro por uma mulher. Mais estranho ainda seria eles dividirem um amor verdadeiro pela mesma mulher, o que estava por acontecer.

Quando Jules leva Jim para ver uns slides na casa de seu amigo músico Albert, ocorre um momento de fascinação pela figura de uma estátua feminina, um rosto que se fazia perfeição de mulher para ambos. Movidos pelo desejo, os dois vão ao museu numa ilha do mar Adriático e se deparam com a estátua, ficam admirando e depois retornam para casa. Jules conta a Jim da chegada a Paris de três moças que estudavam com um primo seu em Munique. Eles vão jantar com elas e acabam encontrando um rosto igual ao da estátua, é Catherine. Jules começa a sair com ela, sem a presença de Jim, mas depois o chama para um passeio a três. Porém, Catherine está vestida como homem, e assim os três se divertem na rua com seu disfarce. Quando chegam numa ponte, a moça aposta corrida com os rapazes, mas trapaceia e acaba vencendo. Uma metáfora da relação que se estabelecerá entre o trio.

Os três viajam para uma casa dita dos sonhos, junto à natureza, e desfrutam da amizade que amadurecia. É nesse cenário de isolamento da sociedade que Jules propõe casamento a Catherine, que não aceita, mas isso não deixa o rapaz magoado. Vemos aí a passividade que Jules manterá ao longo do filme em relação à sua amada. De volta a Paris, Catherine mostra sua personalidade forte e imprevisível quando se joga no rio em protesto aos comentários machistas de Jules. Ela quer ser sempre notada, jamais desprezada. Ela deve estar no comando, sempre à frente dos dois, como na corrida da ponte. Talvez para decidir algo importante na relação dos três, Catherine tenha marcado um encontro com Jim no dia seguinte. Mas devido ao atraso de ambos, eles não se encontram e a história toma um rumo diferente. Jules e Catherine se mudam para a Áustria e se casam. A Primeira Guerra Mundial irrompe, separando os amigos por vez.
Essa forte amizade resiste à guerra, na qual os amigos temem se matar enquanto seus países lutam contra si. Para retratar esse momento, Truffaut insere cenas de documentários bélicos, trazendo um tom realista. Enquanto isso, Jim mantém contato com Gilberte por correspondências e chega a se encontrar com ela por uma semana, mas o envolvimento dos dois continua inconsistente. Por outro lado, Jules troca cartas de amor com Catherine que, grávida, aguarda seu retorno. Com o fim da guerra, os amigos voltam a se escrever e Jim é convidado a ir visitar o casal.

Agora uma família completa, Jules, Catherine e a filha Sabine recebem o amigo no chalé próximo ao Reno. Jules fala de seu trabalho como pesquisador de insetos e Jim comenta que está escrevendo para um jornal francês. A aparente harmonia familiar, em que a esposa se situa como doméstica e mãe atenciosa, é perturbada quando Catherine mostra os aposentos da residência: o casal não dorme junto. À noite, Jules conversa a sós com o amigo e conta que seu casamento não é mais real, sua esposa não o trata mais como marido, apenas respeita-o na casa. Mas o amor de Jules é intenso e sem cobranças, ele aceita os amantes da esposa, só não quer que ela o deixe como chegou a fazê-lo por seis meses. Ironicamente, Catherine está prestes a abandoná-lo de novo, dessa vez para ficar com seu amante Albert, o mesmo músico que ‘apresentou’ ao amigo a beleza de Catherine em forma de estátua.

Uma vez ciente da situação, Jim conversa com Catherine e, durante um belo passeio pela mata, ela conta como deixou de amar Jules, que lhe pareceu um estranho ao voltar da guerra. Ele já não lhe era mais suficiente, já não lhe servia. Então, permeada por amores banais, amantes de diversão, Catherine assumia o papel do marido, do infiel na relação, e cedia a Jules a parte submissa da esposa resignada. Uma interessante inversão de valores dita as regras desse jogo amoroso que se encaminha para o trágico.

Jim não se deixa desejar a esposa do amigo, e o faz sem saber por quê. Mas a inibição é banida quando o próprio Jules lhe diz para amá-la e casar-se com ela, contanto que os três continuem se vendo. A absolvição de culpa faz com que Jim venha a morar no chalé. ‘Os três loucos’, como eram conhecidos na vila, estavam felizes com Sabine, morando juntos. Mas Jim teve de retornar a Paris por causa do seu trabalho. Assim, mais uma vez a felicidade é separada, e ficamos na dúvida de que ela iria retornar ou não.

Em sua filosofia, Catherine acreditava que o amor era curto, mas retornava constantemente. Suas aventuras de antes tinham acabado, ela estava disposta a esperar o seu amado. Porém, Jim volta para os braços de Gilberte, e adia seu retorno à Áustria. Os dois trocam cartas, e Catherine se pergunta se ele a ama. Até que ela nota a infidelidade de Jim, e se vinga dormindo com Albert, seu equivalente de Gilberte.

Finalmente Jim retorna e recomeça com Catherine sua história de amor, uma vez que ambos estão quites, mutuamente traídos. Dura pouco até que um novo problema surge: ela não consegue engravidar. O sonho do casamento e dos filhos começa a se destruir, juntamente com o relacionamento dos dois. Um novo fim aproxima-se, dentre tantas idas e vindas, tantos amores curtos que Jim e Catherine sentiram um pelo outro. Ele volta para Paris e troca cartas com ela, que se vê grávida e quer que ele retorne. Mas a doença de Jim o impede de voltar. Ele é cuidado por Gilberte, o que causa ciúmes e desconfiança a Catherine. Uma confusão com as cartas os afasta ainda mais. O relacionamento realmente acaba quando Catherine perde o filho que esperava.

Após algum tempo Jules e Catherine decidem morar em Paris. Albert continua sendo amante dela, e Jules permanece tolerante com a amada. O casal de fachada reencontra-se com Jim, que está noivo de Gilberte. Mas Catherine está mais desequilibrada e inconformada do que antes, assim, ela atrai Jim para sua casa e tenta sem êxito matá-lo com um revolver. Jim foge e eles só se vêem de novo casualmente em um cinema, com Jules presente. Os três saem no carro de Catherine e vão para um café perto de um lago. O alívio que Jim sentia por perceber uma frieza vinda de Catherine se fez curto, e um final definitivo apareceu para os dois: Catherine guiou seu carro até o abismo de uma ponte quebrada, matando a si e a quem ela muitas vezes amou.

Amor curto, longo, repentino, constante, intermitente, amor-paixão, amor-platônico, amor-amizade. Truffaut trata desses amores em seu filme nouvelle vagueano, amores tão diversos e complexos quanto aqueles que os sentem. A intensidade dos sentimentos vividos pelos personagens reforça o drama/tragédia desses seres confusos, ambíguos, que apenas agem, não tentam se explicar, que vivem e morrem por suas causas particulares desconhecidas. O único amor que consegue sobreviver aos encontros e desencontros do filme é o que une os dois amigos, permanecendo puro e admirável. A amizade de Jules et Jim.

"Jules et Jim", por Lady Patrícia Oliveira



Para os jovens realizadores da Nouvelle Vague francesa, a palavra de ordem era ruptura, ainda que muitas obras resultassem da incorporação de diversos elementos presentes na cultura daquele período. Fã do cinema clássico e apaixonado por literatura, François Truffaut reúne um pouco dos dois em seu filme Jules e Jim, Uma Mulher Para Dois (1962), um dos filmes mais representativos do movimento.
As dores e delícias, as vicissitudes e as mesmices das relações humanas são narradas por Truffaut através de um complicado triângulo: o alemão Jules e o francês Jim são amigos inseparáveis, que dividem até mesmo as conquistas amorosas, até que conhecem a bela Catherine. Ela casa com Jules, mas entediada com a pacata vida de dona de casa e a passividade do marido, dá início a um romance com Jim. Extremamente passional, Jules aceita, e até incentiva a relação de sua esposa e seu melhor amigo, com medo de perder ambos.

Logo na abertura do longa, Truffaut chama a atenção para seu estilo, que vai além das características da Nouvelle Vague, surpreendendo o espectador também ao longo do filme, pela maneira que escolheu para contar a sua história: cortes rápidos, tomadas panorâmicas, o quadro que fecha em close no rosto dos personagens, fotogramas pausados no meio de uma ação ou fala... até um insuspeito letreiro. Adaptado do romance de Henri-Pierre Roché, a influência da literatura também se faz sentir através de um narrador onipresente, o que pode contribuir para a compreensão da narrativa em suas diversas passagens de tempo, embora seja desnecessário em alguns momentos, como descrever as emoções dos personagens enquanto estes aparecem na tela, explicitando demais o que poderia ficar implícito – só os mais desatentos não notariam a cobiça nos olhos de Jim, o cinismo de Catherine e a ingenuidade de Jules.

O trio, aliás, é uma atração à parte. Numa trama que poderia ser simples, Catherine, Jules e Jim trazem a complexidade necessária para o triângulo, ao mostrar o estranho modo de amar de uma mulher, e de dois amigos que criam uma dependência em torno dela, satisfazendo todos os seus caprichos, enquanto ela os domina e manipula, tomando até a iniciativa de “romper” o relacionamento a três de forma inesperada. Boas atuações, sobretudo dos dois rapazes, que conferem verossimilhança e dignidade à amizade entre Jim e Jules, algo que nem mesmo a Guerra pôde destruir. Já o promissor carisma de Catherine por vezes se perde, transformando a personagem numa figura voluntariosa e egoísta, contrariando o título do filme: uma mulher que não é para dois, é só para si mesma.

Ainda que o filme tenha lugar nas primeiras décadas do século XX, Truffaut pegava carona no feminismo crescente dos anos 60 para colocar a volúvel Catherine como o pilar da tríade. O diretor desejava apenas reinventar o já tão dissecado tema do amor a três através da inversão de papéis, a mulher independente e o homem submisso, uma abordagem temática que não causa mais estranheza no espectador de hoje. Todavia, sempre é válida a reflexão que fica posteriormente: a transitoriedade das relações amorosas versus a solidez da verdadeira amizade.