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domingo, 7 de novembro de 2010

Noivo neurótico, noiva nervosa – Woody Allen, 1977, por Bruna Belo


Noivo neurótico e noiva nervosa é o primeiro marco da carreira de Woody Allen. Foi nesse filme que ele finalmente atingiu sua maturidade artística como comediante e diretor, unindo humor, drama e romance para definir a sua persona cinematográfica. Segundo o próprio Woody Allen: “contemporâneo, neurótico, mais orientado para a vida intelectual, perdedor, homenzinho, (que) não lida bem com máquinas, deslocado do mundo”.

O filme é composto de uma estrutura narrativa fragmentada e fora da ordem cronológica; além de possuir vários experimentalismos: animações, contando a historia da paixão platônica do personagem do diretor pela bruxa de A Branca de Neve; legendas, que revelam os verdadeiros pensamentos dos personagens; tela dividida, na qual os personagens “conversam” durante sessões de terapia; e a “quebra” da quarta parede: quando Allen se dirige diretamente a platéia ou quando pára diversos pedestres na rua e faz perguntas sobre o amor. Ele explica o porquê: “eu sentia que muitas das pessoas na audiência tinham os mesmo sentimentos e problemas. Eu queria conversar diretamente com elas, confrontá-las”.

Foi pensado inicialmente para ser um suspense, com a trama centrada num assassinato que deveria ocorrer logo nos primeiros 15 minutos de exibição. Porém, percebendo que as melhores cenas estavam no romance, Woody decidiu excluir esta primeira trama – diminuindo o filme de 140 para 93 minutos –, passando a narrar apenas os altos e baixos da relação entre o comediante Alvy Singer (Woody Allen) e a cantora Annie Hall (Diane Keaton), intercalando com histórias anteriores das vidas de cada um deles. Através desse romance, são abordadas a maioria das dificuldades que encontramos em relacionamentos amorosos: obsessões morais, fidelidade, sexo, imaturidade emocional, etc. – assuntos recorrentes a quase todos os filmes de Allen.

Apesar de o diretor negar, Noivo neurótico, noiva nervosa é considerado por muitos um filme quase autobiográfico, devido às inúmeras semelhanças entre personagens e atores, por exemplo: Woody Allen e Diane Keaton mantinham um relacionamento na época da filmagem; quando jovem ela era conhecida como Annie Hall (título original do filme) e as roupas da personagem são da própria atriz; e Alvy Singer “é” Woody Allen, ambos são comediantes, judeus, foram expulsos da NYU, adoram a vida da metrópole (em especial, Nova Iorque) e Fellini – são coincidências demais! O diretor acredita que a comédia “exige a realidade”, talvez seja por isso que os dois protagonistas sejam tão bem construídos, complexos, humanos e, principalmente, reais.

Além da construção dos personagens, essa busca pela realidade também afeta a trilha sonora – praticamente inexistente – e a montagem do filme: são utilizados planos muito longos – o plano médio em Noivo neurótico, noiva nervosa é de 14,5 segundo, enquanto nos outros filmes da época, a média ficava entre 4 e 7 segundos – evitando o corte, ele dilatava a ação, dando mais ritmo à comédia e aumentando a importância dos diálogos.

O filme foi aclamado pelo público e pela crítica na época do seu lançamento, as roupas de Annie Hall viraram moda, as falas do filme passaram a ser ouvidas em conversas cotidianas. Noivo neurótico, noiva nervosa foi nomeado a cinco Oscar, dos quais ganhou quatro (melhor roteiro, diretor, atriz e filme). Criativo, divertido e envolvente, o filme é, sem dúvida alguma, uma das obras primas de Woody Allen!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Jules e Jim - Uma mulher para dois, François Truffaut, 1962, por Bruna Belo



Jules e Jim, considerado por muitos a obra-prima de François Truffaut, é seu terceiro filme e um dos que melhor representa a nouvelle vague francesa, fazendo uso de técnicas de filmagem baseadas na improvisação e desrespeitando as regras clássicas da montagem. Baseado no romance autobiográfico de Henri-Pierre Roché, o filme possui dois dos temas centrais da obra do diretor: o amor e as mulheres.

Ambientado na Paris do inicio do século XX, em plena belle époque, conta a história de dois amigos: Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre), ambos escritores, o primeiro é austríaco, retraído e introspectivo, enquanto o segundo é francês, bem humorado e extrovertido. Depois de uma viagem às ilhas do mar Adriático, eles conhecem Catherine (Jeanne Moreau), uma mulher livre, liberal e apaixonada pela vida. Ambos se apaixonam por ela, dando inicio a uma amizade sólida e a um dos mais famosos triângulos amorosos do cinema. Jules casa com Catherine e tem uma filha, porém após a Primeira Guerra Mundial – na qual os dois amigos lutam em lados opostos – ela já havia perdido o interesse no seu marido, passando a ter casos extraconjugais. Quando reencontram Jim, Catherine se descobre apaixonada por ele e os três passam a viver juntos.

O filme tem um narrador em off para, como disse Truffaut, evitar o corte dos textos mais belos, dando conta das partes mais densas do livro. Além disso, ele ajuda a dar sentido às ações e diálogos entre os personagens, que, sem a narração, poderiam parecer sem propósito, ajudando na fluidez do filme, que une cinema e literatura de forma encantadora.

Como não podia deixar de ser, Truffaut – um dos fundadores da nouvelle vague – incorporou a Jules e Jim o surgimento de tecnologias de filmagem, a fim de obter a nova linguagem cinematográfica tão desejada, fazendo uso de imagens congeladas e jump cuts. Foram usadas câmeras portáteis as quais, por serem leves, facilitavam a locomoção, já que podiam ser levadas na mão, aumentando a liberdade do cinegrafista (Raoul Coutard) para fazer o que quisesse, por exemplo, algumas cenas do pós-guerra foram filmadas por câmeras montadas em bicicletas. Apesar dessas técnicas já terem sido usadas em seus filmes anteriores, em Jules e Jim o diretor aperfeiçoa seu estilo, marcando uma transição, de uma direção livre e espontânea para uma mais refinada visualmente.

A utilização de congelamento da imagem usado ao longo do filme é um dos aspectos que chama mais atenção na montagem, pois perpetua determinados instantes, como expressões de Catherine e o reencontro dos amigos após a Guerra.
O filme pode ser dividido em três partes, assim como o livro: na primeira ele mostra a amizade de Jules e Jim, como se conheceram, como é a relação dos dois; na segunda parte eles conhecem Catherine, e Jules se apaixona e casa com ela; a terceira começa a partir do envolvimento de Jim com Catherine, concretizando o triângulo. Porém, essa divisão não ocorre apenas no roteiro, essas mudanças também podem ser percebidas através da montagem e da trilha sonora.

A fluidez e “rotação” (swirling) das imagens, a edição rápida e a musica vivaz da primeira parte do filme se encaixa perfeitamente à jovialidade, às brincadeiras e às emoções exageradas dos personagens. Na segunda metade, enquanto nós entramos mais fundo na intimidade dos personagens e enquanto a trama começa a se complicar, o filme desacelera.

A trilha sonora, composta por Georges Delerue, lembra composições de Claude Debussy e Erik Satie, dois dos mais proeminentes compositores franceses do período em que a historia se passa. É possível perceber que a relação entre personagens se torna mais tensa e complicada através do desenvolvimento dos temas musicais, por exemplo: há uma melodia que se repete durante toda a trama quando os personagens se encontram, primeiramente ela é idílica (quando eles visitam o campo e vão à praia de bicicleta), depois, com o decorrer da historia, essa mesma melodia se torna mais lenta e sombria. A partir desta reordenação dos temas musicais no decorrer das cenas, o diretor sugere significados implícitos na narrativa. Todo esse cuidado com a trilha sonora ajuda, e muito, a dar uma unidade à obra. A música Tourbillion, que ficou famosa após o filme, é cantada por Catherine em determinada cena e é capaz de sintetizar em poucos versos a sua personalidade e toda a relação dos três.

Embora Jules e Jim sejam os personagens principais, é Catherine quem rouba a cena, e sintetiza o espírito do filme. É ela quem os guia, comandando a relação entre eles. Jeanne Moreau, após essa sublime interpretação, ganhou fama internacional e passou a ser um dos rostos mais lembrados da nouvelle vague, já que esta personagem é uma das que melhor sintetiza os ideais desse movimento, a confusão e intensidade de emoções.
Com uma sutileza inerente ao diretor, Jules e Jim, se tornou uma celebração à sinceridade para com os seus sentimentos e emoções. Uma das melhores adaptações literárias para o cinema, a história é, como disse o próprio Truffaut, um “perfeito hino ao amor e, talvez, à vida”.



Fontes:
BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. Film Art: an introduction. Ninth Edition. New York, NY: McGraw-Hill, 2009.
http://www.scribd.com/doc/17704250/Jules-et-Jim-Fotonouvellevague

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Velvet Goldmine", por Bruna Belo


VELVET GOLDMINE

Muita purpurina, maquiagem, plataformas e roupas extravagantes – assim é o glam-rock. Gênero musical, surgido na Inglaterra em 1969, com influências psicodélicas, que explora elementos cênicos, luzes e efeitos especiais no palco, além de possuir um figurino extravagante e andrógino. É nesse momento de transformação musical/cultural que o filme Velvet Goldmine, de Todd Haynes,foca. Ele tem inicio em 1984, quando o repórter Arthur Stuart (Christian Bale) é chamado para fazer uma matéria sobre o desaparecimento de Brian Slade (Jonathan Rhys-Meyers), famoso cantor da década. A história é contada a partir das entrevistas que Arthur faz com conhecidos de Slade para descobrir o seu paradeiro, nas quais são feitas revelações sobre este e Curt Wild (Ewan McGregor), outro músico famoso.

Velvet Goldmine segue a estrutura narrativa de Cidadão Kane, contando a história, através de flashbacks e com enfoque jornalístico, da ascensão e queda desse ídolo do glam-rock. Essa narrativa quebrada, misturando verdade e mentira, às vezes torna o filme um pouco confuso, porém como numa espécie de quebra-cabeças, tudo é explicado no final. O filme rebenta na tela, assim como o movimento rebentou numa Inglaterra, ainda conservadora, em meados de 1970. O espectador fica imerso na narrativa e imagens e vive intensamente esse movimento, assim como o personagem de Christian Bale, que quando jovem era fã ardoroso de Slade.

O que realmente chama atenção no filme não são o enredo ou a magnífica fotografia e direção de arte, mas sim as diversas referências que ele faz, não só a Orson Welles, mas também a Oscar Wilde e diversos ícones do rock. Essas alusões começam desde o título, Velvet Goldmine, tirado de uma canção homônima de David Bowie, além disso, Brian Slade e seu personagem, Maxwell Demon, são uma referência mais que direta a este e sua glam persona, Ziggy Stardust – as semelhanças vão desde as músicas, roupas, atitudes até a “morte” dos seus personagens no final da turnê. Curt Wild é uma junção de Iggy Pop e Lou Reed e Mandy (Toni Collette) é a própria Angela Bowie.

Rhys-Meyers e McGregor estão impecáveis nos seus papéis, o que torna praticamente impossível não confundir realidade com ficção. Se apoiando bastante na postura andrógina do movimento e sua influencia na cabeça dos jovens, o filme enfoca supostas relações homossexuais entre Bowie e Iggy Pop.

A trilha sonora, como não poderia deixar de ser, é um show à parte. Apesar de não ter nenhuma música de David Bowie, pois este não concedeu seus direitos autorais ao filme, diversas bandas e cantores da época ou diretamente influenciados participam desta, como Lou Reed, T.Rex, membros do The Stooges, Roxy Music e Placebo (que também aparece tocando). Além disso, foram especialmente criadas para o filme as bandas Venus in Furs, que tocava com Brian Slade, e Wylde Rattz, que acompanhava Curt Wild. Uma curiosidade a mais sobre o filme é que Ewan McGregor realmente cantou todas as canções interpretadas pelo seu personagem, enquanto Jonathan Rhys-Meyers canta apenas Baby’s On Fire, as outras são dubladas por Thom Yorke, vocalista do Radiohead.

Velvet Goldmine é um filme cheio de significados e que aborda temas como sexualidade, fama, busca de identidade e personalidade. Para isso Todd Haynes criou um universo decadente, de experimentação sexual, imerso em canções contagiantes, muita maquiagem e glitter. Os cenários, figurino e fotografia, juntamente com as músicas e atuações irrepreensíveis, transportam o espectador para a Inglaterra da década de 70. Foi indicado ao Oscar de melhor figurino, em 1999, e recebeu um prêmio especial no Festival de Cannes por sua contribuição artística ao cinema.

É uma obra indispensável para os fãs do glam-rock, agindo de forma quase documental para os que não viveram esse movimento e nostálgica pra os que estavam lá. Porém, talvez não cause o mesmo impacto nos que não gostam ou conhecem esse gênero, pois não será possível perceber as dezenas de referências musicais que permeiam o filme, deixando-o assim, em algumas partes, sem sentido. Mas, olhando por outro ângulo, ele também pode servir como forma de introdução ao gênero, como indica a mensagem logo no início do filme: “Embora o que você está prestes a ver seja uma obra de ficção, esta deve ser assistida no volume máximo”.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

"Desencanto" por Bruna Belo


Em meio aos desastres da II Guerra Mundial, na Inglaterra, David Lean – diretor de famosos e grandiosos épicos, como Lawrence da Arábia e Dr. Jivago – filmou o um romance Desencanto, o qual seria, mais tarde, uma de suas obras-primas, indicado a três Oscar – melhor atriz, roteiro e diretor – além de ter sido premiado pela crítica no I Festival de Cannes e pela Associação de Críticos de Nova Iorque.

A não-linearidade narrativa, característica de Lean, também está presente neste filme. Para isso, ele conta a história pela perspectiva feminina, fazendo uso da narração em off e de flashbacks, assim, o filme começa pelo desfecho final, dessa forma, quando o longa acaba ele esclarece o espectador, ao invés de surpreendê-lo.
O excelente roteiro de Noel Coward, baseado em sua peça "Still Life", juntamente com a emocionante interpretação de Celia Johnson, que interpreta a dona de casa Laura Jesson, conseguiu retratar magistralmente o psicológico feminino – por vezes submisso, exageradamente romântico e idealizador, como antes da guerra, antes das mulheres começarem a ganhar mais espaço na sociedade –, mostrando todos os seus sonhos, dúvidas e medos. O filme é a história do amor proibido vivido por esta personagem e o médico Alec Harvey (Trevor Howard), dois personagens ordinários – por volta dos quarenta anos, casados e de classe média – que, em uma quinta-feira, se conhecem em plena uma estação de trem, devido a uma situação banal.

Apesar da repentina paixão, o casal não chega a, de fato, consumar o adultério, pois ambos são bastante presos aos preceitos morais burgueses, resquícios de uma Inglaterra pós-guerra que tenta se recuperar das perdas materiais e humanas, além da perda de muitos dos seus costumes. Por este motivo o filme é considerado um precursor do “realismo burguês” – uma série de filmes que retratam de forma intima a família inglesa, sobressaltando a moral e os bons costumes.

A plataforma de trem foi o lugar perfeito para a locação desse filme, passa uma idéia de temporalidade, transitoriedade, efemeridade, passando para o espectador toda a essência da relação entre os dois personagens. O hábito que ela tem de ver o expresso passando e o trem dele partindo deram uma nova conotação as estações, que, a partir desse filme, passaram a ser locais mais românticos.

Apesar do longa não ter o que se chamaria de final feliz, no qual os dois personagens ficariam juntos – o que, provavelmente, foi a causa da pouca receptividade do filme pelo público na época que foi lançado –, é um lindo romance, com diálogos casuais, que junto com a excepcional interpretação do casal, fazem a história fluir de forma natural. É gostoso de ver, e a cada dia se torna mais interessante pela simplicidade e honestidade da relação dos dois, uma paixão a moda antiga, com um romantismo, por vezes exagerado, mas que não se vê com freqüência hoje em dia.