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domingo, 7 de novembro de 2010

A mulher das Dunas - Hiroshi Teshigahara (1964), por Sofia Donovan


Parece grande, mas descobrimos que a “rocha” que vemos na primeira cena do filme é um grão de areia. A Mulher das Dunas discute, ora de forma direta, ora através de metáforas, alienação, indivíduo e sociedade, tradição, sexualidade; questiona, como filmes de outros movimentos cinematográficos de ruptura contemporâneos, os parâmetros estabelecidos. Reage (assim a Nouvelle Vague Japonesa, em geral) às drásticas mudanças que ocorreram no Japão após a segunda guerra.

Um professor coleta insetos em meio a dunas semi-desertas. Sua voz em off nos expõe uma inquietação, uma inclinação crítica e cética “Você diz que eu discuto muito. São os fatos que discutem”, fala a uma mulher que surge em meio as dunas (mas é só uma aparição, não está ali, nem chegamos a saber quem exatamente é). Ele acaba perdendo a hora do ônibus que o levaria de volta a cidade, e um dos moradores das dunas o oferece estadia com uma conterrânea em uma estranha casa, construída no fundo de um buraco na areia. A trilha sonora tensa, por vezes contundente, deixa o espectador na espreita de algo ruim. A conterrânea o recebe com sorrisos receosos e na manhã seguinte o professor descobre que foi enganado pelos moradores da vila e está preso junto à mulher, que não tem poder para fazer nada a respeito.

A areia possui um enorme papel na narrativa, se revolta em momentos de crise, desliza lentamente se não, mas não apenas acompanha, determina e controla mais que os próprios sequestradores os acontecimentos. A areia prende o protagonista quando ele tenta fugir, dela brota água quando ele alucina de sede, foi ela quem engoliu o marido e a filha da mulher. Além de ser o foco da maioria dos muitos planos detalhe do filme (seja a das dunas ou a da pele dos personagens). A já citada música, que em si já é quase uma alucinação, somada a essa personificação criam uma atmosfera fantástica e sinistra.

A mulher, em contraste com o professor, é extremamente ligada às tradições da vila, submissa, resignada, subserviente, porém cultiva uma admiração inocente pela capital e um medo enorme da solidão e da vida. Mesmo após superar a “fase da raiva” dela, ele continua em uma posição machista (não é “moderno” nesse sentido). A tão almejada “liberdade” dele e a “prisão” onde ela vive são relativizadas. Ela sofre calada, acaba não significando nada para ele, nem mesmo quando engravida. A atuação de Kyôko Kishida é extremamente comovente. Junto à grande diversidade de enquadramentos (que ganham com o claro/escuro naturalista), ela consegue prender o espectador no filme de locação única.

Outro filme do mesmo movimento Japonês que se assemelha a A Mulher das Dunas: um sequestro, o cárcere prolongado, trazendo ao protagonista uma nova perspectiva sobre o mundo; Cega Obsessão (Yasuzo Masumura, 1969) também é auto-reflexivo. Porém em ambos o personagem sequestrado acaba cedendo à loucura ou alienação a que tinha aversão. Não se encontra nesses filmes a necessidade de uma clara resolução ideológica.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Jules e Jim – Uma mulher para dois ", por Sofia Donovan


A abertura de Jules e Jim já precede a confusão: Você disse “Eu te amo”, eu disse “espere”, eu quase disse “sou sua” você disse “vá”. Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre) são dois jovens que, através de uma identificação incomum, de uma mútua sensibilidade e paixão pela arte, criam uma amizade incondicional. Somos introduzidos a essa amizade rapidamente por um narrador também presente em vários outros momentos do filme. E então conhecemos Catherine (Jeanne Moreau), uma mulher excêntrica e misteriosa com quem Jules começa a ter um caso, e por quem Jim também se apaixona. Ao falar de Catherine sinto-me obrigada a dar uma “fugida” dos limites desse filme.

Esta crítica inicialmente seria sobre Viver a Vida, de Godard, porém uma coisa me incomodou nesse filme: Nana (Anna Karina), a protagonista, não parecia um ser humano, eu não consegui encontrar nela uma “mulher de verdade”. Em meio às suas indagações e contradições eu a perdi, e foi esse o fato que me levou a trocar Viver a Vida por Jules e Jim. A relevância da minha mudança de escolha para essa crítica está exatamente na questão da representação das personagens, que são bem diferentes, mas em ambos os filmes, enigmáticas.

Também tive problemas inicialmente para assimilar Catherine, porém, aos poucos ela foi surgindo: Uma intensificação extrema da mulher, em suas inseguranças e desejos, uma figura instável e encantadora. Ao fim, diferente de Nana, ela se tornou palpável. O problema está em como esse processo ocorreu. Suas ações e intenções foram explicadas pelo narrador e pelo próprio Jules, tirando do espectador a liberdade de assimilar e interpretar sozinho o filme.

Catherine muda completamente a vida dos dois, a música que aparece mais de uma vez no filme “Le Tourbillon de la Vie”, sobre a fascinante femme fatale e encontros e desencontros marca bem a situação que os envolve. Mas o filme nunca perde o ar lúdico, com cenas simples e simbólicas como a em que Catherine se alegra ao sair vestida de homem e ser reconhecida como tal ou a que Jules, Jim e Albert (Boris Bassiak), outro homem que ela conquistará, se admiram com a figura de uma mulher de pedra.

A fotografia fragmentada excitante, as belas locações e as fortes atuações de Catherine Jeanne Moreau e Oskar Werner se complementam.

O filme propõe um amor “livre de hipocrisia” que a insegurança dos personagens, que seus defeitos humanos, impedem que funcione.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Inverno de sangue em Veneza" (Don't Loook Now), de Nicholas Roeg, por Sofia Donovan



ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS...


Inverno de Sangue em Veneza é um filme assustadoramente estranho. Na primeira sequência a filhinha de John e Laura Baxter morre afogada. Agora eles estão em Veneza, tentando se recuperar do trauma. John é restaurador e está trabalhando em uma igreja, seu outro filhinho, que viu a morte da irmã, está internado em um colégio na Inglaterra e sua esposa inda não conseguiu sair da depressão que sucedeu a tragédia. A questão é que John parece possuir uma espécie de clarividência. O filme está mergulhado em uma atmosfera sombria, sobrenatural.

O casal acaba conhecendo duas velhinhas e uma delas possui uma ligação com o “além”. John, que tenta não acreditar nem nas experiências que ele mesmo vivencia, continua cético, já sua esposa “mergulha de cabeça” na idéia da filha ainda existir, uma fuga conveniente. Coincidentemente ocorre uma série de assassinatos na cidade.
O vermelho, cor da capa plastificada que a filha na hora de sua morte, da bolhinha que a fez entrar na água, do sangue, é recorrente. Há também muitos closes, e o uso de câmera na mão, comuns em suspenses. A trilha sonora do filme quase sempre é tensa e soturna, acompanhando o conceito do filme e, digamos, no mínimo curiosa, na interessante montagem que alterna cenas de sexo entre o casal e eles se vestindo.

Entretanto o que é realmente estranho nesse filme são os closes em objetos e ações que interpretamos como “avisos”, mas que na verdade não possuem importância narrativa ou os momentos em que a música nos passa a sensação de que algo vai acontecer, mas nada acontece e essa tensão nem faz sentido no contexto. Todos os personagens parecem tramar contra os principais, tudo parece premeditado e ao mesmo tempo estranho e confuso. Essas características somadas à premonições, falta de figurantes, uma névoa quase incessante,o tempo nublado e frio, as aparições das irmãs, acabam nos deixando tensos. O filme é bem sucedido em seus objetivos (tive que atravessar o corredor da minha casa correndo depois de vê-lo). Nada é explicado, é uma experiência sensorial.

Há certo momento do filme em que eles se perdem em vielas vazias de Veneza e a atmosfera se torna tão sombria que quando John reencontra a cidade (que não é muito menos assustadora) comenta “achei o mundo real”.

A velhinha que está cometendo os assassinatos e que acaba matando John no final veste uma capa vermelha igual à da filha deles, tudo reflete a situação do casal. Com certeza “Thriller psicológico”, como alguns definem o filme, é o termo perfeito.

sábado, 29 de maio de 2010

"A madona das sete luas" por Sofia Donovan


Madalena, menina criada em um convento na Itália, ao resolver dar uma de chapeuzinho vermelho e ir colher flores num bosque é surpreendida por um terrível cigano que a estupra. Logo seu pai a promete a Giuseppe Labardi um rico comerciante de vinho o que a faz deixar o convento. Aparentemente, o trauma causado pelo estupro fez com que Madalena desenvolvesse dupla personalidade e Giuseppe acaba tendo que conviver com súbitos e longos sumiços da esposa.

Madalena, com seu vestido recatado, cabelo preso e gigantesco crucifixo pendurado no pescoço, espera Ângela, sua filha (que não sabemos se é ou não fruto do estupro) voltar de um longo período de estudos na Inglaterra e se choca ao vê-la, vestindo shorts e acompanhada pelo jovem caricato diplomata inglês, Evelyn. A filha logo se mobiliza para a “atualização” de Madalena, o que a acaba desestabilizando.

Na festa de aniversário de Ângela, a mãe vê Sandro Barucci, irmão de seu amante da “outra vida” o que desencadeia o surgimento da cigana Rosana, sua personalidade antagônica. Naquela noite, rouba as próprias jóias (afinal, todos os ciganos são estupradores ou ladrões) e corre até Florença, para os braços do ladrão Nino Barucci, para quem as entrega.

Ângela, que ainda não sabia sobre os acessos da mãe (os quais não pareceram a chocar nem assustar muito) resolve sair à sua procura. Evelin, agora seu noivo, tem que viajar e o sinistro Sandro, que a jovem conheceu em sua viajem de volta à Itália, promete ajudá-la. O link entre as duas histórias acaba sendo feito através das jóias roubadas.

O fim é trágico: Sandro morre e Madalena, agonizante, é levada de volta à sua casa. Nino que chega à mansão dos Labardi com intenção de matar Giuseppe, o encontra na beira da cama onde está deitada a moribunda, e desiste de matá-lo.

No decorrer do filme, Madalena se perturba com uma música mais dançante ou roupas ousadas enquanto sua outra personalidade, com procissões ou igrejas (o que é algumas vezes demonstrado através de closes nas péssimas encenações de loucura da atriz). O tema mais uma vez (como em Narciso Negro) é aquele conflito clássico entre o desejo, o pecado e a castidade, a fé, a culpa cristã, conflito esse que fica bem claro na cena final, onde há um close no peito da protagonista, onde se encontram uma rosa e uma cruz.

A família e a moral vencem. Ao contrário dos Labardi, Rosana e os Barucci são inescrupulosos, trapaceiros. Apesar de Ângela representar o “ar” de modernidade e independência vindo da Inglaterra, é fiel ao diplomata, seu futuro marido.

Primeiro trabalho de Arthur Crabtree, esse filme da década de quarenta foi uma aberração em meio aos melodramas de costumes da produtora inglesa Gainsborough. Os personagens planos e estereotipados convivem em uma Itália que está bem distante da de Mussolini, estilizada, onde todos possuem costumes e gestual inglês. Tudo isso somado aos exageros característicos dos tais melodramas acaba dando um efeito cômico que não nos permite “entrar” no filme, o que contrasta com a fotografia e a qualidade técnica, das quais não se pode reclamar.

domingo, 18 de abril de 2010

"Narciso Negro" por Sofia Donovan




A jovem irmã Clodagh, professora da "Ordem das Servas de Maria", é enviada para uma isolada região do Himalaia para chefiar outras quatro freiras. Sua superiora, Madre Dorothea, através de advertências e receios (ela não acreditava que a freira estivesse pronta), antecipa ao espectador a “dificuldade da missão”.

As irmãs são tiradas de seu conventinho para transformar um antigo palácio, construído à beira de um precipício, que a pouco servira como casa para concubinas do pai do sultão em uma escola e enfermaria para as crianças da região.
Com Irmã Clodagh, seguem Irmã Briony, enfermeira experiente, Irmã 'Honey' Blanche, uma boa e idealista samaritana, Irmã Philippa, com conhecimentos em cultivo da terra, e a mentalmente instável Irmã Ruth.

No início as freiras passam por problemas de adaptação aos costumes e rituais do povo (que possui inclusive seu próprio ancião, homem que vive meditando nos arredores do palácio), e se abalam pela beleza exuberante e erotismo do lugar. Sr. Dean, o sexy inglês encarregado de dar apoio ao novo convento, e que não acredita na capacidade de sucesso da instalação, tem um grande papel nessa instabilidade, com suas aparições seminuas à lá ponney, conquistando Ruth e a própria Clodagh, que volta a pensar sobre seu passado e seus sonhos.

Ele trás ao palácio também a bela impetuosa Kanchi, adolescente de 17 anos, para que tentem “acalmá-la”, mas ela acaba conquistando jovem general Dilip Rai, excepcionalmente recebido no convento como aluno. Sempre ornado com jóias ele é o dono do inquietante perfume inglês Narciso Negro.

A determinação da freira não foi suficiente para impedi-la de ver as coisas saindo totalmente de seu controle. A Irmã Philippa passa a duvidar de sua fé e pede transferência, Ruth começa a entrar em estado psicótico devido à obsessão por Sr. Dean e os consequentes ciúmes de Clodagh, a população deixa de frequentar o convento por causa da morte de um bebê e o general e a “plebéia” fogem juntos.

O ápice do caos acontece quando, após Clodagh a tentar impedir, Ruth, já fora da Ordem e “vestida para matar”, foge ao encontro do Sr. Dean, que a rejeita e a manda de volta pro palácio.

De volta ao palácio, quando, repetindo a cena recorrente do filme, Clodagh bate o sino do alto do precipício, surge Ruth já desfigurada e sinistra e tenta empurrá-la, porém acaba caindo em seu lugar. Essa sequência é maravilhosa!

Clodagh, decepcionada pela falha, porém mais resignada, tomada por uma espécie de humildade espiritual, volta ao convento com as freiras que sobraram. É como se a madre superiora a tivesse feito passar por essa missão para alcançar esse novo “estágio”.

Esse mundo exótico, belo, clareou as idéias das freiras, ao contrário do que parece ser sugerido... Elas saíram daquele véu que o convento lhes impunha, passando a rever suas idéias, seu passado. Mas, ao final, Clodagh e suas freirinhas voltam para o convento deixando tudo pra trás, como um sonho (ou pesadelo).

O filme se foca nas incertezas e “desejos proibidos” que os aterradores ventos do alto da montanha parecem libertar nas freirinhas, um maravilhoso drama com toques de erotismo sobre o lendário conflito entre o espírito e a carne.

Baseado no popular romance homônimo da escritora inglesa, Rumer Godden, escrito, produzido e dirigido pela dupla Michael Powell e Emeric Pressburger – com toda sua excentricidade, o filme é repleto de atuações incríveis e sobre a fotografia de Cardiff, não são necessários comentários.