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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

“Roma, cidade aberta”, por Lucas Mariz



“Roma, cidade aberta” aborda um fato real freqüentemente ignorado pelo colégio nas aulas de história: a resistência italiana contra a ocupação alemã, sua aliada, na segunda guerra mundial.

Particularmente eu nunca tinha parado para pensar na reação da população frente seus líderes durante os períodos de guerra. Normalmente ouve-se o professor dizer: a Itália, junto com o Japão e Alemanha, formavam o Eixo, e tem-se a impressão de que todas as pessoas do país concordam com a ideologia dominante, como se elas agissem feito um bloco. Quando na verdade não é assim. Daí a importância de filmes como este agora analisado, principalmente pela forma como foi realizado.

Em condições mínimas, Rossellini conseguiu rodar o seu filme, dando um marco inicial para o que iria vir a se chamar neo-realismo italiano. Este diretor mostrou que um filme pode ter qualidade mesmo com baixos recursos. O que importa é a criatividade humana e não o poder tecnológico.

A Itália ficou ocupada nos anos de 1943 e 1944, o filme foi rodado em 1945. O realismo alcançado na película nos dá a impressão não de estarmos vendo uma história que aconteceu, mas que a vemos de fato acontecer. Quase como a sensação de comemorar o aniversário um dia depois.

Levar a verossimilhança ao limite é uma característica do neo-realismo. Entre outras técnicas adotadas por este grupo cinematográfico estão: uso de atores não profissionais, trabalhar com o improviso, locações reais, câmera na mão e planos longos. Normalmente o tema é atrelado ao cotidiano. A idéia é captar as problemáticas de um período, registrando-o para sempre.

Em “Roma, cidade aberta”, inclusive, pessoas do bairro interpretaram a si mesmas, e soldados alemães prisioneiros foram personagens de soldados alemães repressores. Algumas tomadas, como a marcha do exército, são filmagens reais, capturadas nos anos anteriores. Os cenários destruídos são realmente construções abaladas pela guerra. Imagino o nível de emoção por parte dos atores ao reproduzir um acontecimento ainda tão fresco na memória. A comoção transborda os participantes da produção e atinge o espectador.

Os protagonistas são resistentes ao domínio alemão. Por isso, vivem basicamente fugindo das garras dos poderosos. Talvez seja essa a sua maior manobra estratégica. Além da necessidade óbvia de salvarem a própria pele, eles ferem a moral do inimigo mostrando que ele não é tão forte assim. Essa luta desleal lembrou-me bastante a ditadura militar aqui no Brasil.

O lado “família” dos revolucionários é bem explorado. Vemos um governo tirano caçando homens simples, que por serem dignos, são forçados a lutar contra as injustiças. Por sua vez não temos idéia da vida pessoal do vilão. Na verdade, ele só sai do seu escritório uma vez, para uma sala próxima. A escolha de ponto de vista beneficia a maior parte da população italiana da época. Se a intenção é entender o clima de um tempo, então é preciso mergulhar na maioria.

Há vários momentos de tensão em que os principais escapam por pouco de serem pegos pelo exército. Em cada novo ataque o enredo dá um pulo. O espectador não sabe o que esperar. Não é um filme clichê ou previsível.

Por fim, os revolucionários são apanhados, torturados e mortos. Graças a uma traição da amante de um deles. Em troca de um casaco de pele ela entrega o próprio namorado. Na execução do padre, as crianças, também guerrilheiras ao seu modo, assobiam uma melodia indicando que a resistência não irá acabar com a morte daqueles indivíduos.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Roma, Cidade Aberta... Para o Neo-Realismo", por Wilson Rocha


Roberto Rosselini sempre foi um outsider. Quando Hollywood o convocou para dirigir filmes na indústria cinematográfica mais profissional do planeta ele recusou, pois não acreditava num cinema que se pusesse à margem da população e que se exprimisse apenas o que era comercialmente válido. Ele era contra o chamado star system tendo em vista não concordar no distanciamento e na aura de celebridade construída pelos donos dos estúdios americano em torno de seus atores e atrizes.

Roma, Cidade Aberta marcou, simbolicamente, o início de um movimento que vinha se formando há anos atrás e que teve origem durante o regime fascista de Mussolini tendo firmado-se no pós-guerra: o neo-realismo. Este movimento cine-artístico fundamentou uma estética na linguagem do cinema mundial influenciando diretores do mundo todo, quando vários diretores italianos como Vittoria De Sica e Luchino Viscontti, dispondo de poucos recursos, provaram que era possível fazer um cinema de alto nível, utilizando atores não profissionais e locações externas e reais para retratar os dramas e problemas ligados ao cidadão comum e a sociedade em que ele está vinculado num contexto de denúncia e crítica.

Não foi um movimento consciente como se deu com a nouvelle vague e seus ditames expressos e definidos via o oráculo Cahiers du Cinema - André Bazin. As condições econômicas e estruturais de um período de guerra e pós-guerra determinaram uma limitação de se fazer filmes de forma extremamente econômica. O talento, a sensibilidade, a criatividade e a improvisação foram os grandes destaques dessas produções.

Em Roma, Cidade Aberta (um dos filmes que juntamente com Paisá, de 1946, e Alemanha Grau Zero, de 1948, fazem parte da trilogia da guerra dirigida pelo mesmo cineasta) Rosselini mostra um episódio no qual a força invasora realiza investigações contra grupos de libertação que lutam contra a invasão dos germânicos no país.
Comovente pela força melodramática que está embutida na própria história, Roma Cidade Aberta transforma em heróis a massacrada população proletária de uma bairro em roma no período de dominação alemã, que, embora resistente e engajada, sucumbe, por vezes, aos assaltos das forças invasoras.

Pina (Anna Magnani, uma das poucas intérpretes profissionais) grávida e assassinada pelos policiais ao correr atrás do caminhão que mantém preso o seu marido, rebelde às forças de ocupação, é uma das cenas mais trágicas da cinematografia mundial.
As crianças se situam dentro de uma esfera de ingenuidade parcialmente corrompida, organizando-se em milícia contra os agentes agressores, mas ao mesmo tempo subordinando-se aos castigos das palmadas de seus pais e as aulas de catecismo. A indicação do que é aceitável é evidente neste paradoxo comportamental.

Os dramas vão se sobrepondo em proporções dolorosas e irremediavelmente previsíveis (puro neo-realismo). O cerco armado pelas forças alemãs estão se fechando cada vez mais e com a ajuda de informantes, o chefe nazista encarregado de dissolver a organização guerrilheira italiana, o major Fritz , vai juntando pistas que acabarão levando suas forças aos cortiços de Roma ameaçando a segurança não só dos fugitivos ativistas italianos como a de suas famílias.

O filme todavia mescla situações de comédia e de sátira o que proporciona mais leveza e uma dose de humor inteligente a um tema com essa densidade. A cena em que o Padre e o coroinha tentam disfarçar seus reais motivos para adentrar num prédio desocupado pela gestapo tendo como mote a realização da cerimônia de unção de um doente é digna de figurar entre uma das melhores da história. Outro momento polêmico é o do saque a padaria, que num determinado momento é condenado pelo sacristão, até que o mesmo convencido pela fome se junta aos ‘criminosos’ na apropriação dos pães.

Outra marca importante do diretor italiano é a sua crença religiosa e ela mais do que em outros trabalhos desta fase do diretor, aparece nitidamente. Ele destaca a influencia da religião como agente não apenas da manutenção da fé mas também da liberdade. Em todo o conjunto de sua obra, Rosselini promove a necessidade de uma atuação concreta por parte da igreja católica frente as dificuldade enfrentadas pela comunidade e em Roma, Cidade Aberta, isso é ponto chave. Dessa forma o padre detém o foco principal durante o filme. Ele é o contrapeso que impede a violência total, mas que proíbe a inércia e a omissão.

O neo-realismo provou numa época dominada pelas suntuosas produções da época de ouro do cinema norte-americano, que se podia fazer filmes atraentes e de qualidade, sem um alto investimento e conectados a realidade.