Mostrando postagens com marcador lucas freire. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador lucas freire. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Pink Flamingos, por Lucas Freire


Se algum dia John Waters teve alguma intenção de impactar seu público com algum filme, essa intenção veio com Pink Flamingos. Mesmo não acreditando nessa pretensão, é difícil imaginar como um diretor realiza tal filme sem nem ao menos pensar em como isso impactaria seu público. Escatologia, brutalidade, sexo e o imoralismo transbordam para todos os lados neste filme que representa, numa vertente paralela, o novo cinema hollywoodiano que se iniciava na década de 70.

Babs Johnson, ou melhor, Divine, é uma travesti, da cidade de Baltimore que acaba de receber o título, dado pela imprensa, de “a pessoa mais pervertida do mundo”, lá, ela mora em um pequeno trailer com sua família. Entre eles, Crackers, seu filho adepto das drogas e da zoofilia, Cotton, uma amiga, companheira e voyeur e sua mãe retardada Miss Edie, que vive em um berço e tem como alimentação favorita, ovos. Se já não bastasse, do outro lado da cidade, nos é apresentado o casal, Connie e Raymond Marble, que tanto almejam o título de Divine, e como argumento para receber tal título, Connie afirma:

“Acreditamos que Raymond e eu superamos de longe em todos os sentidos do termo perversão. Como sabe, temos um negócio de bebês. É um processo bem simples. Temos duas garotas o tempo todo que são fecundadas por Channing, nosso melhor empregado fértil. Vendemos os bebês para casais gays e então, investimos o dinheiro em vários negócios pela cidade”.

E Raymond completa:

“Somos donos de algumas sex-shops e mais, emprestamos dinheiro para uma rede de traficantes de heroína vender em escolas primárias nas cidades do interior”.

E por esses motivos, o casal tenta a todo custo arruinar com a fama de Divine e roubar dela, o título de “mais pervertida do mundo”. Depois de uma verdadeira alegoria de freak shows, o filme continua, cada vez mais, chocando os desavisados.

Se tratando da técnica, o filme é deplorável. Ele vai contra todos os preceitos que Hollywood tanto se esforçou para manter. Cortes mal-feitos, continuidade inexistente e a própria narrativa tem seus imensos defeitos, sem contar com as atuações de não-atores que só contribuem para tornar mais tosco ainda o que já é. A escolha da trilha sonora é fantástica para quem aprecia pérolas do rock’n’roll, que vai de Trashmen até Little Richard. Mas como se não faltassem mais defeitos, até o uso dessas músicas no filme é péssimo. Tantos erros grotescos, falhas bizarras e a técnica digna de lixo, na minha visão, só conseguem atribuir mais valores positivos ao filme como um todo. Pois afinal, estamos ou não nos tratando de um filme ícone do underground?

Pink Flamingos desafia, sem pretensão alguma, os conceitos éticos e morais da época ao propor uma visão controversa e bizarra da sociedade. Como John Waters realiza isso? Simples: põe-se uma protagonista travesti obesa com nome artístico de Divine, que se vangloria por ter recebido o título de pessoa mais pervertida do mundo. Toda essa áurea distorcida se intensifica quando o diretor põe também todos os personagens restantes do filme como adeptos de tais conceitos controversos. Alias, em nenhum momento do filme é presenciada uma objeção sequer à protagonista Divine o a qualquer outro personagem. É como se Baltimore e todos seus moradores fossem um enxerto imoral e antiético dentro do mundo contemporâneo. Lá, todos são intocáveis e ninguém é punido por suas ações.

O filme é insano do início ao fim, não há uma trégua sequer nos seus 90 minutos de duração e quando você pensa que não pode mais ser surpreendido, eis que surge no mais famoso epílogo do cinema underground, Divine saboreando fezes recém feitas de um cachorro e abrindo um lindo sorriso marrom para o espectador.

Pink Flamingos é um filme para poucos: os poucos que possuem estômago forte, os poucos que não são politicamente corretos, os poucos que têm paciência para um filme extremamente mal feito e com péssimas atuações. Felizmente (ou não) me incluo nesta pequena parcela que apreciou, seja com feições de nojo ou com risos de puro humor-negro um típico cinema classe B. Pink Flamingos renovou, definitivamente, os conceitos de cinema trash e undreground. Me perdoem os fãs de Ed Wood e derivados, mas John Waters e sua despretensiosa pequena relíquia têm muito mais êxito no que se entende por esse estilo de cinema do que qualquer outro que já tenha tentado fazer algo do gênero.

domingo, 7 de novembro de 2010

"O Enigma de Kaspar Hauser", por Lucas Freire Rafael


Façamos um teste: imagine uma situação bizarra, curiosa e única, algo que você jamais ouviu falar muito menos presenciou. Pronto, pensou? Imaginou? Tenha certeza que Werner Herzog já pensou algo igual ou mais obscuro e muito provavelmente já exista um filme que trate do tema. Baseado em fatos reais, o filme O Enigma de Kaspar Hauser é uma prova disso. Como reagir diante de um ser já adulto que não lê, escreve nem sequer fala? Que nunca aprendeu funções básicas do ser humano como andar e gesticular? E que jamais entrou em contato com outro ser humano? Herzog reúne todas essas questões curiosas e singulares num único filme e personagem e com isso, aproveita para nos propor uma visão diferente e mais profunda da sociedade. E você? Como reagiria?

No ano de 1829, um velho encapuzado à lá Zé do Caixão cria, desde o seu nascimento, um rapaz que supostamente é seu filho. Por algum motivo não revelado, este velho o prendeu, logo após seu nascimento, num calabouço e lá o deixou. Amarrado pela cintura e sem entrar em contato com ninguém mais, o senhor encapuzado o mantém preso, em condições precárias de alimentação e de higiene. É comum imaginar que tal velho deva ter algum distúrbio mental, seja louco, maníaco ou qualquer coisa do gênero, mas não, isso não procede. Não é possível dizer o porquê mais algo naquele senhor transparece o contrário, ele me parece ser lúcido e equilibrado. Maldade também é algo que não enxergo neste velho. Imagino que tais atitudes dele tenham um propósito bem mais obscuro do que simples loucura ou malícia.

Logo ao início do filme, depois que vimos do que se trata aquele enclausurado, o senhor que o cria dá início a trama: ele, rapidamente, faz ensinamentos breves de como escrever e falar algumas poucas palavras, se manter ereto e andar, em seguida ele o leva para uma rua qualquer da cidade de Nuremberg. Neste ponto temos a trama instalada: um ser adulto que não possui nenhuma educação no que diz respeito a funções e reações básicas do ser humano é literalmente jogado no meio de uma sociedade no século XIX.

Esse ato do senhor de o deixar em praça pública me pareceu estritamente pensado. Imagino que tudo feito por ele tem um propósito experimental. Desde o nascimento de Kaspar Hauser (assim o chamam pois essas duas palavras foram as primeiras que aprendeu a escrever), tudo foi meticulosamente elaborado para então, na sua fase adulta, dar início a um experimento que não está diretamente ligado a ele, mas sim, à sociedade que o encontrará.

O filme pode ser dividido em duas fases: a primeira (e menos interessante) demonstra o Kaspar Hauser nos seus primeiros momentos com a cidade e seus moradores, todo o processo de aprendizado, de reconhecimento e de descobertas, tanto da sociedade que o acolheu, quanto do próprio Kaspar Hauser. Pareceu interessante? Também pensei isso, até assistir os primeiros momentos da segunda parte. A passagem da primeira para a segunda fase se dá quando um professor o encontra e o salva em um circo que o exibia numa espécie de freakshow. Logo em seguida, a história dá um pulo e encontramos Kaspar Hauser muito bem instruído, já sabendo se comunicar, escrever e se tratar, até certo ponto, com todos a sua volta.

E aí está, talvez, o verdadeiro propósito do ser Kaspar Hauser. Nesta segunda parte, ele passa, em determinados momentos, a questionar alguns valores daquela sociedade e esses questionamentos passam a intrigar os indivíduos e estudiosos que atentam a seu caso. Como esse rapaz, que há tão pouco foi inserido na sociedade, já consegue questionar e argumentar sobre certos costumes e valores vigentes? Como ele, que não possui uma visão de mundo (na óptica deles) é capaz de tal feito?

Para explicitar tais questionamentos, direi aqui dois momentos do filme. O primeiro se trata quando Kaspar Hauser conversa com a governanta da casa em que mora e pergunta a ela “para que servem as mulheres?” e, conformada com sua situação, a senhora responde que a função dela é servir seu patrão, o professor. Kaspar Hauser indignado tenta inflamar a situação e passa a questioná-la mais e mais, porém, ela alega ser apenas uma governanta e que sua função não passa e nem nunca passará da simples servidão,

O segundo momento é quando um estudioso e matemático vai até a Kaspar Hauser lhe fazer uma visita com a intenção de entender mais a complexidade do caso dele. Neste encontro, o matemático propõe-lhe um enigma cuja saída é apenas uma, não existindo outras respostas ou soluções. É interessante frisar que nessa ocasião, a mesma governanta que foi questionada sobre sua importância, estava presente e desde o início da conversa entre Kaspar Hauser e o estudioso, afirmava e reafirmava que ele jamais seria capaz de responder tal enigma. Pois então, o enigma é proposto e Kaspar H. não sabe responder, o estudioso então lhe dá a única e complexa resposta. Alguns segundos depois, Kaspar H. diz “existe uma segunda resposta para esse enigma”, o matemático, assustado, não acredita e então, com uma simples e óbvia resposta, ele desconstrói toda a lógica do grande estudioso. A partir daí, o matemático fica inconformado com tal resposta e não lhe dá crédito algum por tal solução, afirmando que para tal enigma a lógica deveria ser usada e não a dedução.

Nesses dois momentos é possível enxergar uma necessidade, ou instinto, de Kaspar Hauser ir contra aqueles valores da sociedade. As indagações feitas por ele durante todo o filme soam de forma simples, humilde e singela, sem qualquer pretensão intelectual ou culta. Essas indagações também não são simplesmente jogadas ao léu e esquecidas ou deixadas de lado na cena seguinte. Com o desenrolar do filme, Kaspar Hauser vai aderindo uma incompatibilidade com aquele mundo, aquela sociedade e em determinado momento, durante uma cerimônia e diante de todos da mais alta sociedade local, Kaspar Hauser, visto como alegoria intelectual pelos presentes, afirma num súbito desespero que preferia o calabouço que vivia a sua situação atual.

Ao seu final, quando menos se imagina, o velho encapuzado que havia criado Kaspar Hauser retorna, sorrateiramente, e mata sua própria criação. Pode-se pensar que tal ato foi, mais uma vez, premeditado, como se a sociedade precisasse de mais uma teste: o enfrentamento da morte de Kaspar Hauser. A cena final é claramente uma representação da suposta reação da sociedade com o assassinato. Depois da autópsia realizada em seu corpo, é constatado que em seu cérebro havia deformidades, seu cerebelo era hipertrofiado enquanto outras regiões eram pouco desenvolvidas. E então, o escrivão da cidade, sai da autópsia com notória felicidade, pois havia descoberto o enigma de Kaspar Hauser e o porquê de todas aquelas reações e questionamentos dele. Essa atitude do escrivão só comprova a necessidade da sociedade de transpor para outras áreas, neste caso o cientificismo, a solução para questões bem mais profundas, tão mais profundas que até fogem a nossos conhecimentos. Bem, de uma forma ou de outra, Kauspar Hauser cumpriu sua missão.

É possível identificar que o “enigma” existente no título do filme não se trata do mistério envolvendo a origem de Kaspar Hauser, mas sim, diz respeito à real função deste ser inserido na sociedade. Suas indagações e seus questionamentos permeiam o povoado de Nuremberg com o propósito de incitar valores jamais pensados por eles. Durante certo tempo, é possível acreditar que Kaspar Hauser está surtindo efeito naquele núcleo, mas logo somos surpreendidos (ou não) com a verdadeira reação da sociedade, no caso, o conformismo diante de uma solução cética dada ao caso Kaspar Hauser. Enigma? Não! O caso Kaspar Hauser está devidamente arquivado e engavetado, e se depender de nós mesmos, permanecerá assim. Pois afinal, existe medo maior para a sociedade do que questionar seus próprios valores?

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Acossado" por Lucas Freire


“Uma pessoa sente-se tão só num set de filmagem,
como diante de uma página em branco”¹
Jean-Luc Godard


Se existe uma palavra que capta toda a essência do filme Acossado (1959) do então jovem diretor Jean-Luc Godard é essa: ruptura. Acossado rompe com diversas barreiras estilísticas, inova na estética, surpreende no roteiro, e tudo isso ocorre no início dos anos 60, década essa na qual o cinema clássico americano e o cinema conservador francês se encontravam profundamente consolidados no âmbito cultural e nas ditas indústrias cinematográficas.

No filme, acompanhamos a rotina de um típico deliquente francês, Michel, que não possui grandes pretensões, aparenta estar alheio à sociedade e vive de pequenos golpes. Porém, logo ao início da trama, a ação que transcorrerá todo o filme nos é mostrada: por causa do roubo de um carro, Michel (o feio-bonito-charmoso Jean Paul Belmondo) acaba baleando e matando um policial que o perseguia, a partir daí, o protagonista passa a fugir da polícia. Nesta fuga, Michel revê algumas garotas do seu passado até encontrar a belíssima Patrícia (interpretada pela Jean seberg), uma jovem garota americana que sobrevive escrevendo artigos e vendendo exemplares do New York Herald Tribune em plena Champs-Elysèe.

Lendo-se apenas a sinopse, é comum imaginar que Acossado seja apenas um filme de perseguição policial. Sua relevância não se encontra na simples história, mas sim na forma que foi produzido e elaborado todo o projeto cinematográfico. O filme transgride em todos os setores: desde a elaboração do roteiro, no qual François Truffaut (ainda amigos) concedeu a ideia a Godard, até a sua montagem.

Acossado não possuía de fato um roteiro, Godard tinha em mãos a ideia inicial e um amontoado de anotações. Eis então que ele decide ir para o set de filmagens sem um roteiro pronto, sem delimitações. Daí surge a primeira ruptura com os roteiros tipicamente americanos, nos quais tudo está explicitamente destrinchado, cada plano, cada fala, cada posicionamento está dentro dos limites do roteiro. Godard passa por cima de tudo isso e parte para as filmagens sem quaisquer amarras no roteiro. A livre inspiração era o ponto dominante.

Godard, na direção dos atores, mais uma vez opta pela liberdade de atuação. Contrariando novamente os ditos cânones do cinema americano, nos quais os atores são presos a marcas, posicionamentos, expressões faciais, controlando então cada pulso do artista, Jean-Luc Godard desenvolve um trabalho de atuação com Belmondo e Seberg que os permite fugir do texto livremente, deixando-os aptos a improvisar dentro das cenas.

Talvez na montagem tenha ocorrido a inovação mais notória para a sociedade da época. Godard utiliza os hoje famosos (graças aos videoclipes e filmes de ação) jump-cuts e o falso raccord que ainda hoje é visto como um erro cinematográfico. O jump-cut consiste no corte abrupto da cena durante uma ação do personagem. Quando nos grandes estúdios cinematográficos usavam a montagem de forma que não quebrasse de maneira alguma a continuidade da ação, Godard ignora tudo isso usando de jump-cut, como na famosa cena do carro, na qual Michel e Patrícia passeiam de carro por Paris, admirando diversas paisagens sequenciadas. O uso dessas técnicas na montagem tem um propósito claro. Godard nos quer evidenciar que aquilo que é visto no cinema não se trata da realidade, realidade essa que o cinema clássico vigente na época tentava passar para a sociedade. Esses artifícios de edição quebram com a ideia do cinema ilusionista tão difundido pelos grandes estúdios e disseminam uma nova ótica diante da edição cinematográfica.

Devido ao uso dos jump-cuts e da improvisação proposital dos atores, o filme todo possui um ritmo acelerado, dinâmico, bem característico dos filmes de perseguição. Somente em um momento essa velocidade da trama é quebrada: na cena em que os dois protagonistas, Michel e Patrícia, estão no quarto, fumando, divagando sobre histórias, idéias e questões da vida. Esta cena caracteriza bem a nova estética proposta por Godard. Nesta conversa, pode-se compreender o existencialismo presente no personagem Michel, e sua necessidade de se afirmar na sociedade (vide os momentos em que ele mente para si mesmo, criando histórias e fatos da sua própria vida). Em meio a tudo isso, citações explícitas de pintores e escritores clássicos confirmam um aspecto intertextual. É nesta cena então que Godard propõe uma fusão entre a pós-modernidade (jumps-cuts, improvisação, desprendimento com o roteiro) e o clássico(temática comum, valorização das artes clássicas).

Pode-se dizer que várias dessas inovações só ocorreram graças às precárias condições da produção, mas isso não tira de forma alguma os méritos de Godard e sua equipe. Muito pelo contrário, só evidenciam mais uma inovação: a capacidade de fazer filmes de qualidade sem seguir qualquer regimento clássico do cinema. Por esses e por muitos outros motivos, Acossado contribuiu e ainda contribui para a cinematografia mundial. Quanto a Goddard, eliminou barreiras estilísticas e criou diversas outras teorias que hoje servem de estudo para todo o mundo. Quanto a Acossado, deixou de ser apenas um filme para então compor um fato histórico do cinema mundial.

Bibliografia:
EBERT, Roger. (2005). Grandes filmes. Rio de Janeiro: Ediouro, pp. 33-37.
TIRARD, Laurent. (2002). Grandes diretores de cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, PP. 239-252.

Webgrafia:
http://www.accirs.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=84:um-classico-para-sempre-moderno-acossado-1959&catid=39:revendo&Itemid=65¹

quinta-feira, 24 de junho de 2010

"A dança dos vampiros", por Lucas Freire


É difícil acreditar que "A Dança dos Vampiros" tenha como diretor Roman Polanski. O principal motivo para se pensar isto: a temática sobrenatural em tom de comédia. O filme trata de basicamente, uma dupla de pesquisadores que vão para terras longínquas da Transilvânia à procura de evidências que comprovem a existência de vampiros. Mas logo vemos a marca autoral a partir da abordagem totalmente irônica sobre o tema. O filme é carregado de ironias, de humor negro e de críticas à sociedade, como em, muitos outros de seus filmes, como "O Inquilino" ou "Cul de sac".

Com o nome original de "The Fearless Vampire Killers or: Pardon Me, Madam, but Your Teeth Are in My Neck", o filme narra a chegada de uma dupla de pesquisadores, formada pelo o Professor Abronsius e por Alfred, num vilarejo da Transilvânia, onde eles têm indícios e estudos que comprovam a existência de uma forte manifestação de humanos sugadores de sangue, os ditos vampiros.

O Professor Abronsius, um ancião atrapalhado, tem como objetivo descobrir a todo custo se realmente os vampiros existem. Em vários momentos do filme, o Professor arrisca a sua vida e a de seu assistente (Alfred) para tentar achar alguma pista da existência desses seres noturnos. Já o jovem e medroso Alfred, é estritamente fiel ao seu mentor, porém a falta de coragem lhe é grande, e infelizmente, ela é testada diversas vezes na trama. Estes testes à coragem do assistente Alfred nos garantem boas risadas, tornando o filme mais leve da temática, a princípio, obscura.

Logo com a chegada da dupla no vilarejo, eles são recebidos por uma família, dona de uma espécie de pensão, e ficam hospedados nela. A família é composta pelo patriarca Shagal, um velho carrancudo e sem vergonha, que trai a mulher descaradamente. Rebecca, a volumosa esposa de Shagal, cujo seus gritos excessivos e estridentes nos irritam logo no início do filme. E terminando de formar a família, temos a Sarah, linda, jovem, ruiva e sedutora (interpretada de mulher de Polanski, Sharon Tate, que seria brutalmente assassinada por Charles Mason apenas dois anos após esse filme), que basicamente, assume esses papéis no filme. Na pensão, ainda se encontra uma serviçal da família, Magda, que é constantemente alvo dos olhares “maldosos” do patriarca da casa. Ela, curiosamente, também tem os mesmos atributos que Sarah, com uma leve exceção, possui as madeixas loiras.

No primeiro encontro entre Alfred e Sarah, se percebe que os dois sentem atração um pelo outro e que isso será um bom motivo para ele tomar certas atitudes no decorrer do filme. Shagal tem um grande receio de que algo aconteça com sua querida filha, pois bem sabe ele que Sarah possui dotes desejáveis por qualquer vampiro. Sim, toda a família sabe da existência de seres noturnos por aquela redondeza e mesmo tendo em sua casa alhos e crucifixos espalhados por toda parte, fazem questão de negar este fato para a dupla de pesquisadores.

Pois bem, o esperado acontece: Conde Krolock, o típico vampiro da década de 40, captura Sarah, deixando toda a família desesperada. O Professor Abronsius, sedento por indícios que provem a existência de tais criaturas, e Alfred, motivado claramente no resgate da donzela em perigo, partem rumo ao castelo onde reside o Conde. Na chegada da dupla, eles são recebidos por Koukol (pasmem!) um ajudante corcunda, com dentes aparentemente tortos e que se comunica por grunhidos! Na apresentação dos dois viajantes ao Conde Krolock, ele se surpreende com o fato do Professor Abronsius ser o autor de um dos seus livros preferidos, e com isso, além de pedir um autógrafo, os instala em seus cômodos com a boa hospitalidade pouco conhecida entre esses seres, principalmente quando suas vítimas são homens. Na ocasião, eles também conhecem o filho do Conde Krolock, Hebert, e seguindo a linha dos vampiros contemporâneos do séc. XXI demonstra “certos” interesses no jovem Alfred.

No decorrer do tempo em que eles residem no castelo, o Professor Abronsius vai obtendo indícios e mais indícios que aqueles seres que vivem ali não são nada normais e várias tentativas de extermínio dessas criaturas pela dupla são frustradas, ora pela extrema falta de coragem de Alfred, ora pelas trapalhadas do Professor Abronsius. Quando tudo está mais que claro, no caso, eles descobrem que Sarah se encontra no castelo e que o pai e seu filho são de fato vampiros, Conde Krolock dá seu golpe triunfante: prende a dupla numa sacada do castelo e vos conta todo seu plano maligno, que consiste basicamente em transformar todos na Terra em vampiros, e eles pretendem iniciar isso com a dupla de pesquisadores e a donzela indefesa. Como todo e qualquer vilão meia-boca, antes de prendê-los na tal sacada, ele revela que acontecerá um baile naquela noite no castelo, no qual todos os seres macabros estarão presentes e que a convidada de honra será Sarah, a jovem, indefesa, sedutora e ruiva que a dupla tanto procura.

Mais uma vez, como o esperado, o Professor Abronsius e Alfred conseguem fugir da sacada, e se vestem com roupas de gala para se passarem por despercebidos na festa. Na cena ápice do filme, onde toda a corja de monstros está coreografando uma dança ridiculamente medieval, a dupla tenta se comunicar com Sarah, entre um passo e outro, que também está participando da coreografia. Mas para a infelicidade dos dois, eles terminam a dança e se deparam com um espelho gigantesco diante deles fazendo-os refletirem para todo o salão, e denunciando assim, que existem dois humanos infiltrados no baile. A partir de agora se inicia a perseguição: Abronsius e Alfred correm desesperadamente levando-os consigo Sarah, enquanto toda corja de vampiros presentes ali os perseguem furiosamente. No fim da perseguição, os três conseguem escapar do castelo num pequeno trenó puxado por um cavalo. Abronsius guia o veículo enquanto Alfred respira aliviado. Aliviado? Nem tanto. Neste instante, Sarah surpreendemente se revela uma vampira e ergue seus dentes pontiagudos diante do pescoço de Alfred, e, segundo as próprias palavras do narrador em off: “Na naquela noite na Transilvânia, o professor Abronsius não imaginava que estivesse levando com ele o mesmo demônio que ele desejara destruir. Graças a ele, este demônio poderia finalmente se espalhar por todo o mundo.”

Um texto a respeito deste filme não poderia ter sido escrito de outra forma. Ironia e humor negro são os dois pontos-chaves, tanto deste texto, quanto do enredo. Roman Polanski usa e abusa de clichês dos filmes de terror, já existentes em 1967, e com esses clichês do gênero, consegue chegar ao ponto exato de equilíbrio, entre o ridículo e o irônico. Com o humor negro posto em prática, e, diga-se de passagem, com sucesso, não são apenas risadas que se consegue extrair desse belo experimento no gênero feito pelo diretor. O filme nos demonstra que às vezes, a ambição e a cobiça humana (inclusive por conhecimento, sabedoria, etc), ao invés de trazer os benefícios esperados, acabam por trazer males e provocam o efeito inverso. No caso, o Professor sonhava em pesquisar e descobrir a existência das criaturas vampirescas, e no fim, acaba sendo o responsável pela sua provável proliferação ao redor do mundo. Se você acha isso insuficiente para um filme de Polanski, as boas risadas podem preencher esse vazio.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"Irina Palm", por Lucas Freire


Um certo nome percorre de boca a boca por toda Londres. Que nome seria? Quem de fato seria essa pessoa? Sim, sim, como não poderia saber quem é Irina Palm! Ela é dona do nome mais ouvido atualmente nas esquinas e pubs ingleses. Há comentários por toda parte. “que mãos macias tem a Irina”, “nunca me tocaram daquele jeito, foi fantástico!”, “vou todos os dias à cabine dela, ela consegue me satisfazer, coisa que minha mulher não faz a muito tempo”. Esses comentários são comuns diante da técnica e inovação desenvolvida por Irina Palm para estimular os rapazes da região. Mas, quem imaginaria que por detrás daquela parede e através daquele buraco, existiria uma senhora sexagenária, sem graça e como diria ela mesma “desmazelada”? Este é o impacto que o filme de mesmo nome, Irina Palm, nos demonstra: uma mulher de vida pacata que por necessidades familiares, adentra num mundo no qual jamais imaginaria se envolver.

Maggie é uma senhora, por volta dos 60 anos, que tem uma relação muito afetiva com seu neto Ollie. Mas seu neto tem uma doença rara e sem tratamento específico, e com isso, tem poucas semanas de vida. Por um momento de esperança, o médico do menino avisa aos seus pais e a sua avó que existe um tratamento em desenvolvimento na Austrália e que eles aceitam o garoto para iniciar tal experiência. Mas como sempre existente nos filmes, algo aconteceria para impedir ou dificultar a ida de Ollie para a Austrália, e de fato, acontece: a equipe de médicos australiana concede o tratamento gratuitamente, porém, todos os custos de passagem, hospedagem e do hospital seriam arcados pela própria família. A família, desde sua primeira aparição na trama, aparenta ser do subúrbio londrino e obviamente não teria condições alguma de pagar tais despesas.

Maggie, com um desespero disfarçado por sua feição inerte e ingênua, segue para todas as possibilidades mais óbvias de se conseguir dinheiro: empréstimo e emprego. Um empréstimo para uma senhora sem renda fixa e de poucos bens é praticamente inviável e empregar uma idosa é algo fora de cogitação dentro do âmbito profissional. Como um acidente (ou destino), Maggie por engano acaba por entrar numa típica casa noturna, na qual oferece de todo tipo e forma de prazer. Uma coisa foi levando a outra e Maggie se deparou diante do dono da casa noturna, o Miki. Como todo chefe de prostíbulo cinematográfico, ele tem feições maldosas, um Q de mistério e é bem direto com suas intenções. Maggie, mesmo sabendo que poderia ganhar 600 dólares na semana, não como prostituta, mas como masturbadora alheia, retorna para casa indignada com tal proposta mas, no dia seguinte ela cede aos sentimentos por seu neto e se submete a este emprego obscuro.

O filme narra a trajetória desta senhora que, por questões familiares, se torna a mais famosa em sua área no que se diz respeito à estímulos manuais. No decorrer do filme, Maggie passa a se distanciar de seu neto, não por desinteresse, mas por necessidade de separar do seu neto aquele mundo em que ela vivia. Por sua vez, a maneira que ela encontra de suplantar tal distanciamento é trabalhar mais e mais para conseguir a quantia desejada para os custos da viagem à Austrália. Sua colega de trabalho, Luisa, lhe aconselha a separar essas duas vidas. Segundo ela, segue-se uma vida em casa, tomando conta dos filhos, cozinhando, passando roupa e à noite, na casa noturna, adere-se a outra conduta, outra vida, e tudo aquilo que foi vivenciado durante o dia deixa-se para trás. O pior erro, segundo Luisa, é misturar ambas as vidas.

Maggie não parece se importar muito com isso. Tal fato fica claro quando, depois de um tempo de prática, ela tenta humanizar o ambiente de trabalho dela. Em sua cabine, ela pendura um quadro de seu falecido marido, põe um jarro com flores em sua mesa e leva consigo livros para ler enquanto alegra seus clientes.

Aos poucos, é notável a aproximação entre Maggie (que aderira ao nome artístico Irina Palma, diante seu sucesso) e seu chefe, Miki, que no decorrer da trama, vai desconstruindo sua imagem inicial e passa a demonstrar uma sensibilidade engatinhante. Quando por fim Maggie consegue a quantia desejada, ela o entrega a Tom, o pai de Ollie. Mas toda aquela quantia, em dinheiro, surgindo aparentemente do nada nas mãos daquela senhora desperta a curiosidade de seu filho. A partir daí os planos começam a dar errado. Tom começa então a segui-la, a indagá-la por toda parte até que descobre de onde vem sua renda financeira. Isso desestabiliza a relação geral da família, e o filho de Maggie a obriga a largar aquela função, caso contrário, não mais entraria em contato com seu neto. Tom, por um momento de euforia, se nega a aceitar o dinheiro graças a seus pensamentos estarem alojados em leis hipócritas de moralismo e ética. O sentimento e a necessidade fala mais alto. O pai de Ollie aceita o dinheiro e parte para a Austrália com sua esposa e seu filho e paralela a isso, Maggie recusa acompanhar a família e volta para a casa noturna, para a sua função e para seu mais novo amor, Miki.

O filme retrata claramente os limites e anseios de um ser humano para ajudar uma pessoa próxima. Nele, podemos perceber que, mesmo uma senhora de idade, que passou uma vida inteira com uma conduta de moça pacata e ingênua é capaz de adentrar num mundo dito “obscuro” pela sociedade com um único intuito, salvar a vida de seu neto. Por sua vez, o filme não cai nessa mesmice. Ao invés de nos mostrar a degradação e o sacrifício de uma senhora imersa neste mundo de sexo, o filme nos mostra um outro lado. Maggie, ou melhor, Irina Palm, conhecida e famosa por suas técnicas de masturbação, é elogiada e respeitada por todos no filme, e, só nesta situação, conseguiu achar alguém que lhe amasse, respeitasse que lhe fosse fiel, o Miki. O sentimento final que nos é passado é de inversão dos valores ditos morais e éticos da sociedade. Porque uma senhora não poderia viver nestas condições se ela estivesse feliz consigo mesma? Porque não se deveria amar um homem apenas por sua profissão? Irina Palm responde a todas essas perguntas no filme, e ela diz sim a todas elas.

domingo, 18 de abril de 2010

"The History Boys" por Lucas Freire Rafael


Toda pessoa, na sua fase colegial, passa por uma situação bem típica: a pressão de o que escolher para o futuro, quais carreiras seguir, como chegar até elas. The History Boys trata exatamente disso, oito jovens, cada um com conceitos diferentes de mundo, vêem-se no grande momento de suas vidas, no qual eles estão sendo preparados para entrar nas universidades mais tradicionais da Inglaterra, Oxford e Cambridge, mas será que é esse o verdadeiro propósito de cada um dos estudantes?

Em 1983, num colégio da cidade de Yorkshire, oito alunos são preparados, com aulas exclusivas e direcionadas, para a prova de admissão das Universidades de Oxford e Cambridge. O grupo de estudantes é bem heterogêneo, entre eles, Scripps, um jovem religioso que renega os prazeres sexuais, Posner, além de judeu, é um garoto com sua sexualidade não definida, Dakin, o único dos rapazes que possui alguma experiência com garotas, Timms, o “acima do peso”, Crowther, o negro, Akhtar, o muçulmano, Rudge, o típico estudante que possui uma boa aptidão para os esportes e Lockwood, o dito “sem caracterizações”.

Os principais mentores desse grupo, a princípio, eram o professor Hector e a professora Lintott. Porém, o diretor, insatisfeito com a dinâmica dos professores (em especial a de Hector) decide contratar um professor mais jovem, Irwin, que deveria trazer aos alunos uma proposta de ensino diferente até então, proposta essa que vai totalmente contra a metodologia de Hector.

Com seus já 60 anos, Hector leciona estudos gerais, mas, ele procura aprofundar os temas mesmo nessa perspectiva generalista. Hector estimula um aprendizado processual, por meio de atuações improvisadas, cantorias acompanhadas do piano e reflexões sobre livros. Sempre citando trechos de grandes obras, frases de pensadores e versos de poemas, cenas de filmes, Hector tenta afastar os alunos de uma visão excessivamente pragmática do mundo, incitando eles a pensar, refletir, construindo assim, sem pressa e como um processo mais abrangente, uma sabedoria.

Irwin entra no colégio para substituir a professora Lintott na matéria de História. Os oito jovens são surpreendidos por um professor jovem, recém saído da universidade. Irwin pensa que, se os alunos estão numa turma especial preparatória para a ingressão nas duas universidades de maior renome e tradição da Inglaterra, eles precisam aprender tudo o que lhes podem dar vantagem na entrevista com o júri, mesmo que isso vá contra sua ideologia e conceitos.

Lintott, por mais que não lecione mais para essa turma, ainda é muito presente no filme, tanto como uma espécie de guia e conselheira dos alunos, como uma interlocutora sempre constante de Hector. O diretor do colégio, por sua vez, está focado excessivamente com a missão de colocar aqueles alunos dentro de uma das principais universidades do país, esse excesso provavelmente se dá pelo fato de sua carreira acadêmica ser frustrada, e por isso, tenta transpor algo que não conseguiu, (entrar em Oxford ou Cambridge) para os alunos. Ele também se encontra na seguinte dualidade: privilegiar o professor com a dinâmica que, na visão dele, prejudica a turma, mas por sua vez, já possui história dentro do colégio e o apreço dos alunos, ou dar vantagem ao professor jovem, sem muita experiência e novo na instituição, mas, possuidor de uma metodologia possivelmente eficaz voltada para o propósito daquela turma?

The History Boys, apesar de usar e adentrar fundo no tema “escola”, não usa alguns clichês bem conhecidos do gênero. Hector, o professor mais velho e supostamente tradicional, foge à regra e ao gênero através de suas propostas avançadas e reflexivas que estimulam o aluno a pensar, enquanto o jovem Irwin, típico novo professor, surge com estratégias excessivamente pragmáticas, quase sem nenhuma intenção mais reflexiva, visando somente, e nada mais, ingressar com êxito todos os alunos nas suas respectivas universidades.

Porém, o diferencial do filme é outro. The History Boys trata com delicadeza, e talvez com menos enfoque, a homossexualidade de Hector e de Irwin. Os dois casos são tratados e abordados de formas diferentes: Hector é um professor casado, que sente atração por seus alunos, e não esconde nem deixa de demonstrar (às vezes explicitamente) essa atração. Já Irwin é mais reservado e discreto, mas no decorrer do filme, parece se perturbar a partir do momento em que se interessa por um dos alunos, Dakin. A forma em que o tema é tratado surpreende, pois no momento em que o espectador imagina que o rumo da história seguirá para uma direção diferente, o enredo retorna para a mesma linha que seguia.

O verdadeiro enfoque do The History Boys é tratar das incertezas e dúvidas dos jovens e as conexões com a história. Questões sobre amor, religião, sexualidade e profissão são constantes no cotidiano desses oito estudantes que retratam, de uma forma indireta, toda a juventude. Porque não se deveria amar alguém independente do seu sexo? Porque não seguir a carreira profissional que se pretende e não a que seus pais acham que deve? Deus existe ou não passa de uma grande alienação? O filme começa com perguntas, se desenrola com elas e por fim, termina com outras mais. The History Boys não pretende, em momento algum, responder nenhuma dessas questões, mas sim, nos trazer uma reflexão conjunta de tais indagações, e, uma forma de exercer tal reflexão está bem clara no lema do Professor Hector: “Take it, feel it, and pass it on”.