sábado, 9 de agosto de 2014

"Gigi", por Rebeka Barbosa


            Gigi, a exemplo de outros grandes filmes clássicos, é resultado da combinação simples de elementos como uma história de amor numa bela e artificial Paris, vista através dos olhos de Vincente Minnelli, diretor considerado um dos maiores expoentes do musical moderno, e da MGM, no seu ultimo grande filme da era de ouro dos musicais.
            A história se passa na Paris na virada do século XX, na qual Honoré Lachaille (Maurice Chevalier), membro da alta sociedade parisiense desfruta da vida como bem entende, assim como seu sobrinho Gaston Lachaille (Louis Jourdan) jovem rico e famoso que se encontra entediado com sua vida e com o que a sociedade espera dele. Tem, em seus momentos de fuga, a satisfação em frequentar a casa de Madame Alvarez (Hermione Gingold), uma senhora de passado glorioso que mora com a filha, uma cantora decadente e sua neta Gigi (Leslie Caron), uma adolescente inteligente e desinibida.
            Gaston e Gigi se conhecem desde muito jovens, tendo Gaston acompanhado todo o desenvolvimento e transformação de Gigi de garotinha para uma jovem mulher, que, com sua jovialidade encanta o rapaz. Gigi é uma história de amor moldada no estilo dos contos de fada. Uma Cinderela que ao ser notada pelo príncipe, a persegue até que a torne sua esposa, não se importando com sua posição social. Mas o filme certamente vai muito além.
            O ator francês Maurice Chevalier desempenha o novelesco papel de narrador participante no musical de Minnelli. Tem como papel nos localizar no tempo da ação e lança o mote para o filme: "Thank heaven for little girls!" (Obrigado aos Céus pelas Menininhas), que identifica seu espírito namoradeiro, espírito esse que, a partir dali, se estende ao resto do filme. A canção abre espaço para uma corrente interpretativa carregada com um quê de pedofilia; o apreço pelas moças muito jovens soa estranho aos dias atuais, porém compreensível na época retratada no longa.
            Nota-se em Gigi, o tratamento dos cavalheiros franceses destinado às damas de classe inferior e o que era esperado destas socialmente. Enquanto que para a burguesia, a dama deveria preocupar-se em ser culta e distinta a fim de casar-se bem, a de classe menos favorecida devia fazer o mesmo, só que o objetivo era o de se tornar amante e ser protegida economicamente pelos ricos cavalheiros.
            O papel da mulher é retratado de modo divertido, porém sutil. O suicídio da amante é tratado com descaso; o tratamento que as mulheres dão umas às outras e a ambição de conseguir a graça de um rico e o medo de perdê-lo para outra também são pouco explorados, se sobrepondo a preocupação com a vaidade e o luxo.
            O filme retrata a transformação da protagonista de menina para mulher, desde aulas de etiqueta que toma com a sua Tia Alicia até seu casamento. Além de uma história sobre o desenvolvimento de um personagem e que obedece a clássica curva dramática, o musical também valoriza os protagonistas como indivíduos singulares dentro do meio onde vivem. Apesar de rico e famoso, Gaston se entedia com a vida que tem, e Gigi, apesar de pobre não sucumbe ao comportamento habitual de moças da sua idade de casar-se por dinheiro, mesmo que incentivada por sua Tia para esse fim.
            A moça Gigi vai de contraponto às demais personagens, com ares de uma independência e do feminismo que estava nascendo naquele começo de século. Ao recusar a proposta de Gaston, a garota manifesta não se contentar apenas em ser amante, tem ambição e dignidade diferente e à frente daquelas de seu círculo social, no entanto a espontaneidade e perspicácia da personagem, à esta altura, já tem perdido força.
            A marca típica do estilo de Minelli se faz clara no filme. O grande reconhecimento da fotografia, figurino e da direção de arte do filme se devem à experiência e ao conhecimento previamente adquirido por Minelli, que já havia trabalhado como cenógrafo e figurinista.
            A Direção de Arte dialoga com o Vulgar em vários pontos do filme sem se apropriar dele como elemento estético. Os figurinos sempre coloridos e ricos, vão além de vestimentas de época e dialogam com a personalidade dos personagens, inclusive a mudança da Gigi adolescente para uma jovem mulher se dá mais evidentemente pela mudança do seu figurino, que dialoga até com a trilha sonora em alguns momentos, como na canção "She Is Not Thinking of Me" ou "She's So Gay Tonight". A Cenografia Art Nouveau traz sua expressão mais significativa no design dos móveis e na arquitetura dos ambientes internos, em especial o apartamento de Honoré Lachaille.

            Como musical, as sequências musicais são alegres, coloridas e dançantes. Embora longe de filmes muito mais performáticos como Cantando na Chuva e Roda da Fortuna, no qual as sequencias musicais são muito mais elaboradas, Gigi vem com uma proposta diferente quando traz as performances musicais para o cotidiano das personagens, sem perder a essência de sua estética Gigi impõe sua marca da história do cinema para ser sempre um clássico. 

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