Nessa obra de John Cassavetes somos apresentados a um retrato
pitoresco e com típicos questionamentos
do início de 1970. O filme sobre uma mulher tendo um colapso nervoso revela o
auge do estilo do “pai” do cinema independente norte americano. Com a câmera na
mão perseguindo os personagens, respirando e transpirando com os atores,
buscando apurar o tom humanista e depurar o voyeurismo
inerente ao espectador, temos a sensação de tensão que nos submete a zelar
por uma família que não é nossa.
O enredo é singelo, Mabel, uma mulher cujas influências de
todo um ambiente patológico apenas gradualmente se revelam, ama apaixonadamente
seu marido, Nick Longhetti, os amigos de trabalho dele, objetos que possam
lembra-lo e todo seu entorno. Ela também se rende a jornada materna devota ao
amor que têm pelos três filhos que, ao contrário do marido saturado pelo
trabalho, retribuem instantaneamente o amor que lhes é oferecido durante o
transcorrer da película. E no contexto da sociedade conservadora da época, ela
também se entedia, bebe, toma pílulas, sai à noite sozinha e procura companhia
masculina num bar.
Somos totalmente convencidos pela Mabel louca ou pela Mabel
carinhosa e gentil. Zelamos simultaneamente pela mulher afetuosa, materna e
bondosa e a mesma esquizofrênica, quase sem distinção. Uma loucura quase sempre
manifestando “excesso de amor” como causador determinante desse desvio do
centro do comportamento dito lógico. As súbitas reações e os trejeitos criados
por Gena Rowlands, o olhar melancólico por vezes, afetuoso e otimista em outras,
maternal quase que sempre e sua redenção dramática diante do “olhar” da lente
da câmera ágil transborda todo drama do impasse íntimo sem recorrer à
interpretação que “excede e chuta o balde para fazer-se verdadeira”.
Os planos-sequências da película estão dentre os melhores da
filmografia do diretor, uma aula de direção e atuação, havendo espaço para
improvisação por parte dos atores e revelando planos cada vez mais imprevisíveis.
Cassavetes constrói a maioria das cenas na tensão ocasionada pela consciência
do espectador de que tudo aquilo é inadequado, é falho de bom senso,
mostrando-nos a complexidade das relações matrimoniais. Limites como, a placa
“Private” (privado) na porta da cozinha e as divisórias da casa, separando um
ambiente do outro, quase sempre são desrespeitados. A exposição, principalmente
emocional, é rotina da família. Os personagens, na maior parte do tempo, têm
atitudes invasivas e, mesmo dotados de boas intenções, confundem e
desestruturam pessoas e circunstâncias já fragilizadas. De alguma forma,
empaticamente rogamos que se fechem as portas, até mesmo para nós espectadores,
e haja privacidade para que a família possa respirar no seu próprio ritmo, sem
comportamentos invasivos de outrem.
Mas a tentativa de síntese do título é insuficiente. No
transcorrer da película Mabel passa de desequilibrada e causadora de problemas
à vítima da agressividade ao seu redor. Vemos que os outros são tão loucos
quanto ela pairando num ambiente de ambivalência (a casa). A loucura de Mabel,
sua insubordinação ou qualquer sintoma clínico é proveniente dos mesmos motivos
responsáveis por gerar o resultado de todo drama ocasionado pela exposição, pela
garotinha nua, pelo olhar de apreensão do pai dos amigos dos filhos, pelo olhar
de julgamento da mãe de Nick e pela música. E nesse artificio Cassavetes não
peca, usando muitas vezes a trilha sonora erudita e a ópera em cenas casuais de
convívio familiar caseiro, assim conflitando os sentidos visuais e auditivos.
Como no momento em que Mabel e as crianças brincam hiperativos ao ar livre e
somos atraídos para o clima pessimista de O
Lago dos Cisnes. O resquício de tragédia da cena registra o que não é visível
nem palpável, é apenas um delírio de consciência pressagiando o que está por
vir.
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