Poderia começar esta resenha descrevendo a poética narrativa
que se sobressai durante todo o filme, mas não o farei. Começarei do princípio
visível, daquilo que nos distancia da história contada na tela e que de certo
modo, abrange questões muito além de uma ótica simplista vinda de um espectador
comum.
O filme em si poderia ser definido como “estático”; longos
planos e pouca inovação no âmbito da montagem. Trarei um exemplo de cena que
caracteriza bem esse tipo de inércia: A pequena Voula se agarra ao irmão na cabine do caminhão do estranho que lhes
havia dado carona. O motorista diz que vai descansar e sai da cabine, mas acaba
retornando pouco tempo depois, já no lado das crianças que ainda descansam, e
retira a menina de lá. A cena se estende durante quase dois minutos, focando a
lona dos fundos do caminhão, escondendo o ato de estupro que a pobre jovem
sofria. E é angustiante a cena pois não vemos o que a acontece, apesar de
sabermos, enquanto um carro para na rodovia logo ao fundo do plano, o que estala
a mente do espectador num surto positivo “Ela será salva e ele será punido pelo
ato!” mas não acontece isso. Durante quase dois minutos observamos apenas a
lona do caminhão, verde, sóbria, inerte. Até que o irmão acorda e clama
desesperado o nome da irmã.
A composição das cenas também chama bastante a atenção. As
crianças parecem sempre miúdas o bastante em comparação com o cenário, isso nos
passa uma sensação de impotência, como se tudo ao redor deles os reprimissem e
os colocassem na condição frágil de uma criança perdida nas vielas podres de
uma sociedade.
Outra coisa também no âmbito técnico/sensível é a sua trilha
sonora melancólica. O filme já começa com a trilha que é repetidas vezes
inserida em cenas de deixar o espectador com uma certa inquietude fascinante. O
som do filme é bem natural, faz com que percebamos de imediato o clímax da
cena.
Esquecendo um pouco as questões técnicas, temos uma história
que em si já tornaria o filme numa dessas obras primas para guardarmos numa
estante. A aventura dos irmãos é totalmente grandiosa e triste. Não sabemos
nada sobre o pai deles ou sobre a mãe. Na verdade não sabemos nada. O filme se
desenvolve e você permanece não sabendo de nada. A mãe não tem rosto, tampouco
o pai. Até que ao serem pegos (as crianças) num trem sem o passaporte, são
entregues a polícia e de lá são encaminhadas ao tio, irmão da mãe das crianças,
e este diz que o pai na verdade não existe ou deixou de existir, e que a
Alemanha (Destino da viagem dos irmãos) foi só uma invenção da mãe deles para
que imaginassem como deveria ser a vida do pai. A pobre Voula não acredita no que o tio havia dito e foge, some do nosso
olhar.
A Voula talvez
seja a personagem mais fantástica do filme, não tirando o mérito do excelente
personagem Alexandro que está o tempo
todo querendo parecer o mais forte possível, apesar de ser apenas uma criança
que sonha com o pai frequentemente. Voula
é uma jovem menina que guarda dentro de si um mundo de complicações femininas,
e que sofre pelo desespero do irmão de achar o pai. Ela não se rende, pelo
contrário. Ela leva o filme nas costas durante quase todo ele, até que o irmão
equilibra os pesos. Vítima de um estupro, angustiada por essa Alemanha tão
distante, e por essa busca desenfreada que não os leva a lugar algum, acaba por
enfraquecer perante a realidade cruel de que eles não conheceriam o pai, mas
continua, graças ao otimismo do irmão.
Conhecem Orestes,
um rapaz que também enfrenta uma aventura interior. Ator de um grupo teatral
falido, e prestes a se alistar no exército. O crescimento dos três personagens
é de uma total sensibilidade. Eles são frágeis, frágeis e tão fortes. Até que
se separam, rumo as suas aventuras prioritárias.
O fim é totalmente interpretativo. Estão enfim prestes a
chegar à Alemanha, logo após o rio. Entram no barco e se lançam no rio que os
separava do término da aventura, a tal terra prometida onde o pai mora. A cena
escurece e uma voz ecoa firme “ALTO!” e logo após um estampido. Nada vemos
novamente, o que acaba por nos lembrar da cena do estupro. Mais uma vez a
sensação de inquietude aflora o espectador. Até que Alexandro acorda, cercado pela neblina que esconde tudo. É uma cena
muito bonita e confusa. Voula diz em
sussurro “Tenho medo” e Alexandro
agora, invertendo os papéis do protetor e protegido, repete uma das frases do
conto que a irmã lhe contava e que nunca chegava ao fim, sempre os impediam de
terminar o conto, mas não dessa vez. “E depois se fez a luz” e a neblina se
vai, revelando logo ao fundo uma árvore grande e imponente. Os irmãos se
agarram à arvore e o filme acaba.
Acaba-se a aventura,
ou ela apenas começou? Paisagem na
Neblina meio que não nos responde essa pergunta, talvez não responda
pergunta alguma, belo e confuso, como neblina.
eu tinha uma revista Veja que fazia uma critica sobre esse filme.desde então sou fascinado por essa Paisagem.muito bom o seu texto!vida longa ao blog!Marcos Punch.
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