O melodrama
se constitui, desde sua origem, a partir de uma matriz popular caracterizada
pelo excesso/exagero ao retratar a intimidade. Explora esse espaço do íntimo
com motivos sentimentais não apenas na relação entre as personagens, mas busca,
com isso, um envolvimento do público que se identifica com a ‘estória ali
contata’. Douglas Sirk, com seus filmes, conquistou a simpatia dos
espectadores; o mesmo não ocorreu com a crítica da época (e mesmo posteriores).
Acredito que a má reputação se
justifique pela sua ligação com a Universal (visto como um estúdio brega e
kitsch por conta das suas produções melodramáticas – gênero que nunca teve
prestígio como o noir, por exemplo)
do que por conta das suas realizações.
Fora preciso um distanciamento, não
apenas temporal, mas geográfico, para seu nome ganhar prestígio. Isso graças a críticos
e realizadores europeus (incluindo Godard e Fassbinder), responsáveis pelo
resgate da imagem de Sirk, ao apontarem qualidades e marcas autorais nos seus
filmes hollywoodianos. É importante ressaltar que os enredos dos seus filmes
nos levam para o contexto social dos Estados Unidos em meados dos anos de 1950
e faz duras críticas à classe média da época.
A questão estética também é outro
ponto a ser destacada na sua produção. A maioria dos filmes foram rodados com o
uso de technicolor, que davam uma textura esmaltada e apresentavam cores mais
vivas na tela. Além de iluminação artificial, fotografia e cenários que eram
compostas de combinações diferentes das cores e uso de carrinhos e gruas que
possibilitavam maior movimento nas cenas.
“Palavras ao Vento” (1956) é
considerado um dos melhores filmes do diretor e conta a história de uma família
onde o patriarca, dono de grandes poços de petróleo, vê sua vida ir ao ‘fundo
do poço’ por conta dos excessos e mentiras de seu filho Kyle (Robert Sttack
numa atuação afetadíssima) que é alcóolatra e sua filha rebelde Marylee
(Dorothy Malone, ganhadora do Oscar de Atriz Coadjuvante por sua atuação nesse
filme) que tá sempre em busca de aventuras com alguns homens. O enredo também conta com Mitch Wayne (Rock
Hudson) que é o amigo de infância de Kyle e Lucy Moore (Lauren Bacall) que a
princípio solucionaria os problemas da família com um casamento (infeliz) com o
primogênito.
Como é comum aos filmes do gênero,
todas as personagens rapidamente tornam-se infelizes. Mitch apaixona-se por
Lucy, mas não pode tê-la; Marylee, desde a infância, é apaixonada por Mitch,
mas a personagem de Rock Hudson, interpretando ele mesmo, não tem interesses
por mulheres como Marylee. Ela, por outro lado, convence seu irmão de que sua
esposa e seu melhor amigo estão mantendo um caso. Com essa trama, aparentemente
previsível, é anunciado que uma tragédia acontecerá, assim como já nos é
antecipada nos primeiros minutos de projeção.
É verdade que “Palavras ao Vento” é
menos visual que o filme anterior de Sirk (meu preferido, por sinal) “Tudo Que
o Céu Permite” (1955). Mas se analisarmos um pouquinho mais, perceberemos que
há variações de luzes e cores numa única moldura, como de uma forma de
‘retratar’ o estado psicológico/emoções das personagens com áreas escuras que
não condiz com o resto da imagem. Também é importante ressaltar momentos
marcantes na trama, como na cena em que Marylee dança uma espécie de mambo e,
de forma paralela, seu pai, ao subir as escadas, cai ao ter um ataque
fulminante. Essas duas ações paralelas é
emblemática (até dialoga com outros momentos da narrativa), no que concerne ao
ritmo e os cortes (pra frente e para trás) na montagem e pela própria música,
como de um ato sexual onde seu ápice se dá com a queda (literalmente) do velho.
Outro momento de deleite sexual da
personagem acontece quando ela encontra-se sozinha no rio e se recorda da
infância com Mitch. Enquanto ouvimos vozes de crianças, Marylee morde os lábios
e se contorce. Mas a cena que resume todo o filme (podemos comparar com a cena
em que a protagonista de “Tudo o Que o Céu Permite” vê a sua imagem refletida
num aparelho de tv e isso serve também como síntese) é quando ela (mais uma vez
a personagem de Dorothy Malone) senta-se à mesa do pai e acaricia um modelo de
torre de petróleo e atrás dela há um retrato dele, imponente, segurando o mesmo
modelo.
Com esse ato, Sirk resume todos os
elementos que circulam a trama desde o seu início. O trocadilho da réplica da
torre de petróleo com algo fálico (numa interpretação Fassbinderiana) tanto
representa a impossibilidade de Kyle em ter filhos – lembrei-me de um momento
que achei hilário no filme, quando Kyle fica sabendo do médico que é estéreo e,
ao sair da farmácia, encontra um menino saltando (loucamente) em um cavalo
mecânico – e não poder corresponder às expectativas de seu pai, assim como o
fato de Marylee ter perdido o homem que ama. Nisso, Sirk apresenta uma estória
sobre fracassos e como o dinheiro não é sinônimo de felicidade.
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