domingo, 10 de agosto de 2014

"Palavras ao vento", por Luiz Carlos Nascimento (Lucas Patrese)




O melodrama se constitui, desde sua origem, a partir de uma matriz popular caracterizada pelo excesso/exagero ao retratar a intimidade. Explora esse espaço do íntimo com motivos sentimentais não apenas na relação entre as personagens, mas busca, com isso, um envolvimento do público que se identifica com a ‘estória ali contata’. Douglas Sirk, com seus filmes, conquistou a simpatia dos espectadores; o mesmo não ocorreu com a crítica da época (e mesmo posteriores).  Acredito que a má reputação se justifique pela sua ligação com a Universal (visto como um estúdio brega e kitsch por conta das suas produções melodramáticas – gênero que nunca teve prestígio como o noir, por exemplo) do que por conta das suas realizações.

Fora preciso um distanciamento, não apenas temporal, mas geográfico, para seu nome ganhar prestígio. Isso graças a críticos e realizadores europeus (incluindo Godard e Fassbinder), responsáveis pelo resgate da imagem de Sirk, ao apontarem qualidades e marcas autorais nos seus filmes hollywoodianos. É importante ressaltar que os enredos dos seus filmes nos levam para o contexto social dos Estados Unidos em meados dos anos de 1950 e faz duras críticas à classe média da época.

A questão estética também é outro ponto a ser destacada na sua produção. A maioria dos filmes foram rodados com o uso de technicolor, que davam uma textura esmaltada e apresentavam cores mais vivas na tela. Além de iluminação artificial, fotografia e cenários que eram compostas de combinações diferentes das cores e uso de carrinhos e gruas que possibilitavam maior movimento nas cenas.

“Palavras ao Vento” (1956) é considerado um dos melhores filmes do diretor e conta a história de uma família onde o patriarca, dono de grandes poços de petróleo, vê sua vida ir ao ‘fundo do poço’ por conta dos excessos e mentiras de seu filho Kyle (Robert Sttack numa atuação afetadíssima) que é alcóolatra e sua filha rebelde Marylee (Dorothy Malone, ganhadora do Oscar de Atriz Coadjuvante por sua atuação nesse filme) que tá sempre em busca de aventuras com alguns homens.  O enredo também conta com Mitch Wayne (Rock Hudson) que é o amigo de infância de Kyle e Lucy Moore (Lauren Bacall) que a princípio solucionaria os problemas da família com um casamento (infeliz) com o primogênito.

Como é comum aos filmes do gênero, todas as personagens rapidamente tornam-se infelizes. Mitch apaixona-se por Lucy, mas não pode tê-la; Marylee, desde a infância, é apaixonada por Mitch, mas a personagem de Rock Hudson, interpretando ele mesmo, não tem interesses por mulheres como Marylee. Ela, por outro lado, convence seu irmão de que sua esposa e seu melhor amigo estão mantendo um caso. Com essa trama, aparentemente previsível, é anunciado que uma tragédia acontecerá, assim como já nos é antecipada nos primeiros minutos de projeção.

É verdade que “Palavras ao Vento” é menos visual que o filme anterior de Sirk (meu preferido, por sinal) “Tudo Que o Céu Permite” (1955). Mas se analisarmos um pouquinho mais, perceberemos que há variações de luzes e cores numa única moldura, como de uma forma de ‘retratar’ o estado psicológico/emoções das personagens com áreas escuras que não condiz com o resto da imagem. Também é importante ressaltar momentos marcantes na trama, como na cena em que Marylee dança uma espécie de mambo e, de forma paralela, seu pai, ao subir as escadas, cai ao ter um ataque fulminante.  Essas duas ações paralelas é emblemática (até dialoga com outros momentos da narrativa), no que concerne ao ritmo e os cortes (pra frente e para trás) na montagem e pela própria música, como de um ato sexual onde seu ápice se dá com a queda (literalmente) do velho.

Outro momento de deleite sexual da personagem acontece quando ela encontra-se sozinha no rio e se recorda da infância com Mitch. Enquanto ouvimos vozes de crianças, Marylee morde os lábios e se contorce. Mas a cena que resume todo o filme (podemos comparar com a cena em que a protagonista de “Tudo o Que o Céu Permite” vê a sua imagem refletida num aparelho de tv e isso serve também como síntese) é quando ela (mais uma vez a personagem de Dorothy Malone) senta-se à mesa do pai e acaricia um modelo de torre de petróleo e atrás dela há um retrato dele, imponente, segurando o mesmo modelo.


Com esse ato, Sirk resume todos os elementos que circulam a trama desde o seu início. O trocadilho da réplica da torre de petróleo com algo fálico (numa interpretação Fassbinderiana) tanto representa a impossibilidade de Kyle em ter filhos – lembrei-me de um momento que achei hilário no filme, quando Kyle fica sabendo do médico que é estéreo e, ao sair da farmácia, encontra um menino saltando (loucamente) em um cavalo mecânico – e não poder corresponder às expectativas de seu pai, assim como o fato de Marylee ter perdido o homem que ama. Nisso, Sirk apresenta uma estória sobre fracassos e como o dinheiro não é sinônimo de felicidade. 

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