domingo, 10 de agosto de 2014

"As praias de Agnes", por Maria Alencar


Agnès que um dia já foi Arlette reconstrói nesse documentário autobiográfico séries de situações que fizeram parte de seu passado. Tendo na mudança de seu nome como um primeiro ato explicitado no filme de desmaterialização desse tempo, introduz a ideia que a revisitação proposta por ela à sua infância, juventude

e caminhos que percorreu, sempre ocasionalmente guiada pelo mar, não carregam o apego material a essas memórias.
Ainda que a construção cenográfica inicial se configure em um ambiente extremamente aurático à beira-mar (cada espelho em seus detalhes remonta um momento de sua vida) e os materiais ali presentes se façam vivos em si, ela afirma o desapego ao dizer que não sente saudades da infância. O que se remonta não são as memórias dos fatos, mas sim da sensações. As Praias de Agnes é um memorial afetivo e desafiador da matéria. O que é posto em cena como passado corporificado necessita e é induzido por ela a se resignificar.
Ao criar um dispositivo onde um carroça contendo um projetor que exibe imagens recentes de um falecido ator enquanto é empurrada por seus filhos demonstra, talvez, uma preocupação com o tratamento desses valores emocionais gerando um esforço físico de afastamento da memória tangível, como que um movimento de colocar as coisas em seus devidos lugares.
O espelho que tem a capacidade de replicar todas as suas praias, as câmeras que registram, guardam aqueles poucos momentos em que toda a família se reuniu, o corpo que pode até regressar no espaço. Tudo isso se contrapõe às sensações genuínas de um toque nos cabelos do amado, do encantar-se com o mar e com outras culturas e do enternecer-se perante as crias. É impossível revivê-las, elas ficaram e com elas a vontade de combinar o tempo objetivo com o subjetivo, porém sem descaracterizá-los.
Varda abre seu universo para mais essa experiência norteada pelo desejo dessa combinação, do tempo que pertence a ela nas suas emoções com o tempo  que é próprio dos objetos e que se identificam como ‘meros’ dispositivos.
Enfim, uma história de amor.


Nenhum comentário:

Postar um comentário