domingo, 10 de agosto de 2014

"Armadilha do destino (Cul-de-sac)", por Heric Bacellar

    
  


  Sem antecipar meu gosto, digo que “Armadilha do destino” é um filme bem estranho, o que, aliás, não é nada de incomum em Polanski. O que gera esse estranhamento não é a característica claustrofóbica, uma marca do autor que se tem, por exemplo, em “O bebê de Rosemary” – uma belíssima obra desse que é um dos grandes cineastas da história – mas a mistura entre tipos psicológicos tão diferentes convivendo em um castelo ilhado em que sua estrada de acesso é coberta pela maré alta da praia. Um lugar em que o noivo George (Donald Pleasance) imaginava ser perfeito para ele morar com sua, muito mais jovem, noiva, um lugar que o livraria das “inconveniências” sociais. Ele é um industrial inglês que nunca deixa o seu papel de gentleman e que nunca toma uma atitude perante uma situação de conflito, o tornando um ser totalmente passivo diante dos outros. Já sua noiva Teresa (Françoise Dorléac), é uma francesa bem jovem que possui uma personalidade totalmente oposta. Não há logo no início como entender que os dois formam um casal de noivos, que apesar de ser visível uma intimidade amistosa entre eles, durante todo o filme não há nada que os ligue amorosamente, nada que faça imaginar o porquê que a jovem e decidida Teresa aceitaria viver com o passivo George num lugar totalmente rodeado por nada – lugar esse que ressalta o título do filme que é uma expressão para beco sem saída, que também ilustra o estado emocional do casal.   O filme possui uma crítica comportamental na forma de humor negro sobre o jeito extremamente “inglês burguês” de George.
  
A trama tem início quando Dickie (Lionel Stander) um bandido beberrão e espalhafatoso aparece diante do casal invadindo o castelo e os obriga a lhe ajudar com seu comparsa Albie (Jack MacGowran) que está ferido por tiros e posteriormente morre. Dickie se faz de hóspede do castelo enquanto espera um transporte de seu chefe, que percebe-se que nunca chegará, e durante esse tempo ele perturba a vida do casal sem nenhuma reação por parte de George, o que irrita Teresa e faz com que ela goze da cara de seu noivo, o provocando até mesmo junto com o bandido, como na cena em que os dois jogam pedras na janela do quarto de George para fazê-lo cavar a sepultura de Albie enquanto eles se embebedam com vodka. Como essa se tem várias outras passagens durante o filme que se vê esse humor no conflito psicológico do casal, em que ele não busca o interesse dela e ela o trai com muitos outros.

    Nas cenas finais Teresa rouba a arma de Dickie e a dá para George expulsar o bandido, este que o ignora e George sem muita percepção de suas ações atira todas as balas do revólver e o mata depois entrando num estado de delírio, é nesse momento que Teresa desiste dele e foge com um amante pela estrada que some com o aumento das marés, George, arrependido de deixa-la ir, corre atrás dela enquanto a maré enche e ele se vê ilhado em cima de uma pedra e chorando – uma cena bem cômica no estilo Ben Stiller.


    Um ponto alto do filme – além da beleza francesa provocadora de Françoise Dorléac - é o personagem vivido por Lionel Stander, que me fez rir e também me fez lembrar logo de cara, tanto pelo porte físico como pela voz, do ator Mickey Rourke nos dias atuais. Outro elemento bem interessante é a trilha sonora jazzística de Komeda que também incorpora o humor colocado no filme por Polanski. Porem diferentemente de outros filmes deste grande mestre, as estranhezas de Cul-de-sac não me agradaram, o filme possui momentos que, na minha visão, se alongam e rastejam desnecessariamente atrapalhando seu rítimo e também não há sentido de aquele casal existir, principalmente naquela situação de em dez meses de noivado estar vivendo no meio do nada de uma maneira totalmente apática e feiamente estranha.

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