domingo, 10 de agosto de 2014

"Tabu", por Daniella Tavares


Na natureza nada se cria tudo se transforma, segundo o químico Lavoisier. Não só para a natureza material das reações químicas é valida a regra, mas para toda manifestação artística. Num mundo em que o novo já perdeu a graça da novidade, Miguel Gomes conseguindo trabalhar com uma forte intertextualidade com o cinema de Murnau e nem por isso o seu filme deixa de ter suas peculiaridades. Em Tabu, além da escolha do nome do filme, como a da personagem Aurora, partirem de nomes de filmes de Murnau; o enredo também sofre a influência do cineasta alemão quando narra a história de amor impossível (Tabu, 1931) e a  história de traição (Aurora, 1927). Tabu dirigido por Gomes assim como o dirigido por Murnau é dividido em dois atos, mas enquanto o deste ultimo começa com o paraíso para depois passar para o paraíso perdido, o de Gomes já começa com a perdição para depois passar para o paraíso, ou seja, há uma quebra no prólogo, o filme começa no tempo atual e pula para o passado.  Característica esta que estar presente não só em Tabu, mas também em ‘Aquele Querido Mês de Agosto’ (2008), produção que pode ser analisada de vários ângulos.
O paraíso perdido, primeira parte do filme, gira em torno de três mulheres: Aurora, Pilar e Santa. Aurora é uma idosa solitária que é viciada em jogos de azar, em quais sempre perde tudo e utiliza sonhos surreais para desculpar o seu vício. Santa, a empregada, sempre pede a ajuda da vizinha dedicada e religiosa, Pilar, para solucionar os problemas da patroa. Embora convivam com Aurora há anos, as duas nada sabem do passado desta. No entanto, Aurora já no leito de morte faz-lhes um pedido: quer um encontro com Gian Luca Ventura. O encontro não acontece, já que Aurora morre antes que Ventura chegue ao hospital e é a partir da sua morte que o seu passado vem à tona. Ventura inicia a segunda parte do filme, Paraíso, na qual conta às duas senhoras a história de amor e crime que viveu há décadas com Aurora no Monte Tabu, um local belo, exótico e imaginário situado na África. Essa segunda parte é contada a partir da memória de Ventura, não contendo diálogos, apenas sons diegéticos. Dessa forma apenas o narrador e a imagem são os responsáveis por nos informar tudo o que sucede.  

Tabu é essencialmente um filme nostálgico, volta a um cinema simples e imagético e é a partir dessa simplicidade que Gomes faz com que seu filme se torne grande. É o tipo de filme que a imagem diz tudo; não é preciso de som, de diálogos ou de cores para compreendê-lo. A volta a uma África colonial descreve o recontro entre passado e presente materializando na questão da memória. Assim Miguel Gomes mostra como o cinema necessita de tão ‘pouco’ para ser maravilhoso.

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