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sábado, 9 de agosto de 2014

"Palavras ao vento", por Davi Fox




O filme Palavras ao Vento de 1956, dirigido por Douglas Sirk, segue o modelo clássico do melodrama, mas ao contrário do que se espera normalmente de um filme deste gênero, o roteiro é muito bem escrito e podemos observar um bom aprofundamento dos personagens, o que enriquece a narrativa e não faz do filme, apenas mais um.
O filme gira em torno de quatro personagens e das relações que estabelecem entre si. Mitch Wayne (Rock Hudson), amigo de infância de Kyle Hadley (Robert Stack), o considera um irmão. Desde pequenos os dois se conhecem e passam por várias fases da vida juntos, Mitch sempre ajudando Kyle que se envolvia em muitos problemas, principalmente pelo fato de ser alcoólatra. Marylee Hadley (Dorothy Malone) é irmã de sangue de Kyle e desde pequena é apaixonada por Mitch. Ela, assim como seu irmão também se envolve em muitos problemas, mas não por causa do álcool, ela se envolve com vários homens e é falada pela cidade, suas atitudes parecem ser uma forma de tentar chamar atenção de Mitch.
A quarta personagem do quarteto é Lucy Moore (Lauren Bacall) ao ser contratada como secretária executiva da empresa Hadley (da família de Kyle) se depara com Mitch, que a chama para uma conferência com Kyle. Já podemos observar que Mitch se interessa por ela. Porém, na conferência, Kyle também se interessa por Lucy e age de forma mais direta, chamando-a para viagens e pagando roupas e hotéis luxuosos para ela. Lucy e Kyle acabam se casando.
O início do casamento ocorre sem problemas e os dois ficam felizes. As coisas começam a desandar quando Kyle descobre ser quase estéril, sendo assim, muito difícil de engravidar Lucy e ter um filho com ela. Isso o faz voltar a beber e o casamento dos dois começa a tomar um rumo diferente, com brigas e discussões. Paralelo à questão de ser quase estéril, Kyle é convencido por Marylee que Lucy tem um caso com Mitch (o que não é verdade, apesar dos dois se gostarem).
O grande clímax do filme é quando Lucy descobre estar grávida e conta a Kyle, que por acredita em Marylee, pensa que o filho é de Mitch. Ele vai até sua casa e acha a arma (que Mitch havia escondido por desconfiar que algo de ruim poderia acontecer). Ao tentar matar Mitch, Marylee aparece e consegue impedir que Kyle atire, porém, a arma acaba disparando nele mesmo, que morre.
Um julgamento acontece porque todos acham que Mitch matou Kyle, a única testemunha real era Marylee, que fica sem saber se diz a verdade ou incrimina Mitch. Esse é um dos pontos que o filme aborda de forma muito interessante. O amor que Marylee sente por Mitch é doentio, ela faz de tudo para ficar com ele, mas ele ama Lucy, e agora com Kyle morto, ela sabe que os dois ficarão juntos. Por isso a cena do julgamento é repleta de tensão. Mas tudo acaba bem, ela diz a verdade, mesmo sabendo o que iria acontecer.

O filme é muito bem escrito, o roteiro tem ritmo, e prende o espectador. Apesar de ser um pouco previsível, não deixa de causar tensão em algumas partes. É de fato, um bom filme, que merece um destaque para os filmes de sua geração, e principalmente para os filmes do gênero melodrama.

"Uma mulher sob influência", por Sarayana Leite


Nessa obra de John Cassavetes somos apresentados a um retrato pitoresco e com  típicos questionamentos do início de 1970. O filme sobre uma mulher tendo um colapso nervoso revela o auge do estilo do “pai” do cinema independente norte americano. Com a câmera na mão perseguindo os personagens, respirando e transpirando com os atores, buscando apurar o tom humanista e depurar o voyeurismo inerente ao espectador, temos a sensação de tensão que nos submete a zelar por uma família que não é nossa.

O enredo é singelo, Mabel, uma mulher cujas influências de todo um ambiente patológico apenas gradualmente se revelam, ama apaixonadamente seu marido, Nick Longhetti, os amigos de trabalho dele, objetos que possam lembra-lo e todo seu entorno. Ela também se rende a jornada materna devota ao amor que têm pelos três filhos que, ao contrário do marido saturado pelo trabalho, retribuem instantaneamente o amor que lhes é oferecido durante o transcorrer da película. E no contexto da sociedade conservadora da época, ela também se entedia, bebe, toma pílulas, sai à noite sozinha e procura companhia masculina num bar.

Somos totalmente convencidos pela Mabel louca ou pela Mabel carinhosa e gentil. Zelamos simultaneamente pela mulher afetuosa, materna e bondosa e a mesma esquizofrênica, quase sem distinção. Uma loucura quase sempre manifestando “excesso de amor” como causador determinante desse desvio do centro do comportamento dito lógico. As súbitas reações e os trejeitos criados por Gena Rowlands, o olhar melancólico por vezes, afetuoso e otimista em outras, maternal quase que sempre e sua redenção dramática diante do “olhar” da lente da câmera ágil transborda todo drama do impasse íntimo sem recorrer à interpretação que “excede e chuta o balde para fazer-se verdadeira”.

Os planos-sequências da película estão dentre os melhores da filmografia do diretor, uma aula de direção e atuação, havendo espaço para improvisação por parte dos atores e revelando planos cada vez mais imprevisíveis. Cassavetes constrói a maioria das cenas na tensão ocasionada pela consciência do espectador de que tudo aquilo é inadequado, é falho de bom senso, mostrando-nos a complexidade das relações matrimoniais. Limites como, a placa “Private” (privado) na porta da cozinha e as divisórias da casa, separando um ambiente do outro, quase sempre são desrespeitados. A exposição, principalmente emocional, é rotina da família. Os personagens, na maior parte do tempo, têm atitudes invasivas e, mesmo dotados de boas intenções, confundem e desestruturam pessoas e circunstâncias já fragilizadas. De alguma forma, empaticamente rogamos que se fechem as portas, até mesmo para nós espectadores, e haja privacidade para que a família possa respirar no seu próprio ritmo, sem comportamentos invasivos de outrem.


Mas a tentativa de síntese do título é insuficiente. No transcorrer da película Mabel passa de desequilibrada e causadora de problemas à vítima da agressividade ao seu redor. Vemos que os outros são tão loucos quanto ela pairando num ambiente de ambivalência (a casa). A loucura de Mabel, sua insubordinação ou qualquer sintoma clínico é proveniente dos mesmos motivos responsáveis por gerar o resultado de todo drama ocasionado pela exposição, pela garotinha nua, pelo olhar de apreensão do pai dos amigos dos filhos, pelo olhar de julgamento da mãe de Nick e pela música. E nesse artificio Cassavetes não peca, usando muitas vezes a trilha sonora erudita e a ópera em cenas casuais de convívio familiar caseiro, assim conflitando os sentidos visuais e auditivos. Como no momento em que Mabel e as crianças brincam hiperativos ao ar livre e somos atraídos para o clima pessimista de O Lago dos Cisnes. O resquício de tragédia da cena registra o que não é visível nem palpável, é apenas um delírio de consciência pressagiando o que está por vir. 

"O Grande Hotel Budapeste", por Daniella Tavares


Em 28 de julho de 1914 o Império Áustro-Húngaro declarou guerra à Sérvia iniciando assim a I Guerra Mundial. Cem anos depois, Wes Anderson, com um preciosismo estético, reconstrói a Europa entre guerras em seu mais novo filme, O Grande Hotel Budapeste. O filme que passa numa versão da Hungria foi rodado numa pequena cidade alemã, Görlitz, que faz fronteira com a Polônia e que já foi retradada em filmes sobre a II Guerra Mundial como Bastardos Inglória, Quentin Tarantino, A Menina que Roubava Livros, adaptação para o cinema do livro de Markus Zusak e Caçadores de Obras-Primas, George Clooney. A Áustria não aparece explicitamente no filme, mas sim na sua referencia ao escritor austríaco Stefan Zweig.
Anderson afirmou, durante o Festival de Berlim, que muitas das ideias expressas e exploradas no filme foram roubadas diretamente da vida e da obra de Zweig. Assim como a estrutura da trama (uma história dentro de outra história), a atmosfera do filme e o personagem M. Gustave.
Zero Moustafa (F. Murray Abraham), velho proprietário do hotel de um país fictício do leste Europeu e que dá nome ao título, conta sua história para um escritor (Jude Law) no restaurante do hotel. O lugar é decadente, sem hóspedes, triste, mas não foi sempre assim. Moustafa leva seu interlocutor e o público para os anos quando ele era o lobby boy e seu protetor era o lendário conciérge Gustave (Ralph Fiennes). Viciado no perfume L’Air de Panache,  Monsieur Gustave, enquanto, gerencia o hotel com mãos de ferro para que tudo seja perfeito,  dá uma especial atenção às velhotas milionárias que ali se hospedam. Umas dessas velhotas morre, a Madame D (Tilda Swinton), deixando sua herança para o Monsieur, os filhos se recursam a aceitar o testamento e fazem com que Gustave seja preso acusado pelo morte da velhota. Mesmo na cadeia o gerente do hotel não abandona seus bons modos.
Dessa forma, em um mundo no qual a educação, cordialidade e a memória ficaram perdidas no tempo ou em alguma definição do dicionário, pois se não estão perdidas onde encontrá-las? Na plateia que vaiou a presidenta Dilma na abertura e no encerramento da copa ou nos soldados israelenses que bombardeiam como autômatos a Faixa de Gaza e deixam entre os escombros corpos destroçados de crianças? Anderson nos apresenta M. Gustave que tenta perpetuar valores tidos como arcaicos. Assim o filme é uma luta para manter os padrões de refinamento e o ambiente de luxuosa perfeição que já rareiam no mundo exterior.
O impacto visual obsevado em outros filmes, como Os Excêntricos Tenenbaums (2001), continua com cores marcantes, embora o amarelo dos Tenenbaums seja substituído pelo rosa no Hotel Budapeste. Outra característica do diretor são os cenários grandiosos que faz os seus filmes pareçam um belíssimo livro de ilustrações. Anderson brinca com os exageros apenas para deixar claro o tempo todo que seus filmes são apenas uma grande metáfora de muitas coisas.
O Grande Hotel Budapeste retrata de forma sutil e irônica a passagem da vida perfeita e elegante para frieza das guerras. Assim o estilo clássico, a arte neobarroca e as cores sedem lugar para os regimes políticos totalitários e seus prédios de concreto cinza, frios e robustos. O filme é uma mistura de aventura, comédia, romance, drama, fantasia e quando parece que o caldo vai desandar para uma bagunça desenfreada, a narrativa se recupera e tudo faz sentido novamente.