Land des Schweigens und der
Dunkelheit, título original do longa-metragem lançado em 1971 por Herzog,
dedica-se a mostrar, a partir de cenas reais, um pouco da vida das pessoas que
sofrem de deficiência auditiva e visual. No início do filme, o público é
apresentado a Fini Straubinger, senhora já de idade avançada que, depois de um
acidente ocorrido na infância, perdeu gradativamente os dois sentidos mais
fundamentais para o contato com o mundo exterior. Depois de anos mergulhada num
isolamento profundo, Fini reaprende a interagir com o que a rodeia. O que se vê
nesta película de Herzog é a Sra. Straubinger vivenciando as mais diversas
situações com outras pessoas que partilham da mesma condição que ela.
Entre
imagens gravadas para o filme, fotos de arquivo e raras vozes em off, esta obra
de Herzog é capaz nos transportar, de fato, para um outro mundo. A incapacidade
de ouvir e enxergar dos personagens expostos em tela parece se converter numa
solidariedade quase palpável que aperta o miocárdio de quem assiste ao filme. Cada
nova história contada faz crescer o descompasso que guia o expectador por um
caminho de surpresas e agonias pulsantes que surgem ao longo do documentário de
Herzog.
Surpreendentemente,
este não acaba por ser um filme melodramático e piegas – caminho óbvio que o
diretor alemão poderia ter seguido; apesar da temática difícil e comovente, o
documentário consegue transmitir algo do que existe além do silêncio e da
escuridão: um mundo ocupado por ruídos, rastros de cor e, inevitavelmente,
solidão. O que se vê ao assistir ao filme são histórias que, mais do que entristecer,
desconcertam; tiram do lugar comum, fazem a visão enturvecer e um zunido abalar
a consciência. Talvez pela sua personalidade, talvez pelo sucesso que teve em
se readaptar à sua nova condição, Fini consegue trazer o expectador para o seu
mundo de forma contida e impactante na medida certa.
Na escolha
dos planos que compõem o filme, Herzog parece ter sido muito feliz: planos
longos em que a câmera ora mostra uma visão geral, ora se deixa levar pela
curiosidade e atenção do expectador, muitas vezes se transformando num plano
detalhe que mostra exatamente aquilo que se quer ver. Na cena em que o jovem
Harald, surdo-mudo de nascença, entra numa piscina, não existe corte entre o
plano em que o mostra de corpo inteiro descendo pela escada e o momento em que
se vê Fini e sua intérprete à beira da piscina: tudo se dá através do movimento
de câmera associado ao zoom.
Ao final do filme de Herzog – quando
se lê uma frase graficamente sem assinatura, porém mental e inevitavelmente
atribuída aos personagens do filme –, se tem a certeza de ter apreciado uma
obra de arte. Não se trata de um documentário comum. Não se trata apenas de um
documentário sequer, na verdade. Terra do Silêncio e da Escuridão acaba por
transformar-se num ensaio sobre a sensibilidade e incomunicabilidade humana,
atravessado por aproximações improváveis. Sentimos nossa mão tocada pelos
personagens – talvez pela repetição desta cena ao longo do filme –, como forma
de convite à descoberta e interação.
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