quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

"Do silêncio e da escuridão, o que resta é sentir", por Amanda Guimarães



                Land des Schweigens und der Dunkelheit, título original do longa-metragem lançado em 1971 por Herzog, dedica-se a mostrar, a partir de cenas reais, um pouco da vida das pessoas que sofrem de deficiência auditiva e visual. No início do filme, o público é apresentado a Fini Straubinger, senhora já de idade avançada que, depois de um acidente ocorrido na infância, perdeu gradativamente os dois sentidos mais fundamentais para o contato com o mundo exterior. Depois de anos mergulhada num isolamento profundo, Fini reaprende a interagir com o que a rodeia. O que se vê nesta película de Herzog é a Sra. Straubinger vivenciando as mais diversas situações com outras pessoas que partilham da mesma condição que ela.
            Entre imagens gravadas para o filme, fotos de arquivo e raras vozes em off, esta obra de Herzog é capaz nos transportar, de fato, para um outro mundo. A incapacidade de ouvir e enxergar dos personagens expostos em tela parece se converter numa solidariedade quase palpável que aperta o miocárdio de quem assiste ao filme. Cada nova história contada faz crescer o descompasso que guia o expectador por um caminho de surpresas e agonias pulsantes que surgem ao longo do documentário de Herzog.
            Surpreendentemente, este não acaba por ser um filme melodramático e piegas – caminho óbvio que o diretor alemão poderia ter seguido; apesar da temática difícil e comovente, o documentário consegue transmitir algo do que existe além do silêncio e da escuridão: um mundo ocupado por ruídos, rastros de cor e, inevitavelmente, solidão. O que se vê ao assistir ao filme são histórias que, mais do que entristecer, desconcertam; tiram do lugar comum, fazem a visão enturvecer e um zunido abalar a consciência. Talvez pela sua personalidade, talvez pelo sucesso que teve em se readaptar à sua nova condição, Fini consegue trazer o expectador para o seu mundo de forma contida e impactante na medida certa.
            Na escolha dos planos que compõem o filme, Herzog parece ter sido muito feliz: planos longos em que a câmera ora mostra uma visão geral, ora se deixa levar pela curiosidade e atenção do expectador, muitas vezes se transformando num plano detalhe que mostra exatamente aquilo que se quer ver. Na cena em que o jovem Harald, surdo-mudo de nascença, entra numa piscina, não existe corte entre o plano em que o mostra de corpo inteiro descendo pela escada e o momento em que se vê Fini e sua intérprete à beira da piscina: tudo se dá através do movimento de câmera associado ao zoom.
           
Ao final do filme de Herzog – quando se lê uma frase graficamente sem assinatura, porém mental e inevitavelmente atribuída aos personagens do filme –, se tem a certeza de ter apreciado uma obra de arte. Não se trata de um documentário comum. Não se trata apenas de um documentário sequer, na verdade. Terra do Silêncio e da Escuridão acaba por transformar-se num ensaio sobre a sensibilidade e incomunicabilidade humana, atravessado por aproximações improváveis. Sentimos nossa mão tocada pelos personagens – talvez pela repetição desta cena ao longo do filme –, como forma de convite à descoberta e interação.

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