domingo, 1 de abril de 2012

"Cul-de-sac", por Rodrigo Silva Pereira


Esta tragicomédia de Roman Polanski reúne quatro personagens, os criminosos em fuga Dickie (Lionel Stander) e Albie (Jack MacGowran), e o casal que os abriga a contragosto, George (Donald Pleasance) e Teresa (Françoise Dorléac), em um castelo isolado do Reino Unido.

O termo “cul-de-sac”, de origem francesa, significa literalmente “fundo do saco”, e a expressão é usada como “sem saída”. Este título expressa muito bem a situação criada pelo roteirista Gérard Brach e por Polanski. Dickie está encurralado com seu parceiro moribundo na ilha de Lindisfarne, no castelo (adaptação do roteiro à locação original, que consiste em um castelo e uma vila) onde moram o britânico George e sua esposa francesa, Teresa. Durante o longa, ele está esperando a vinda de seu chefe ou contratante, Sr. Katelbach, para quem telefona assim que chega ao castelo (dando início ao verdadeiro desenrolar do filme, que é sua interação com o casal). George é um ex-empresário, que se desfez de todas as suas riquezas para viver no castelo Rob Roy (adaptação do roteiro. O filme foi rodado no castelo de Lindisfarne, do sec. XVI, mas o identifica como Rob Roy, do sec. XI). Casado com uma mulher inquieta, jovem e orgulhosa, ele se recolhe a sua pintura, à contemplação e à passagem do tempo, enquanto Teresa, que tem uma óbvia inclinação ao adultério, parece sentir-se presa no castelo, e almeja com todas as forças deixá-lo para trás.

Tecnicamente, o filme impressiona. A fotografia crua e precisa confere às imagens naturalidade e força notáveis, com belas composições visuais captadas nos enquadramentos. A música é na maior parte das vezes diegética, e o tema musical transmite o amargor e agonia internas de cada um dos personagens. O som é econômico e até mesmo artificial de tão límpido, provavelmente pela dificuldade técnica na época da produção de captar o som do mar ainda excluindo o ruído do vento nos microfones.

A sensibilidade do roteiro pode até mesmo ser eclipsada, de início, pela excelência técnica apresentada, e pela pluralidade de expressões visuais presentes no longa. Roman Polanski não faz desta produção uma exceção ao seu estilo contemplativo, e a câmera acompanha os personagens em longos planos-sequência, quase como se fosse ela mesma uma personagem, ali presente e atuante. Um dos momentos-chave do enredo é também notável do ponto de vista técnico: a cena da praia, ponto central do filme, quando ficam evidentes as incompatibilidades, os princípios e as angústias dos três personagens principais, é um dos planos mais longos do Cinema até o momento da produção, com 7 minutos e 28 segundos de duração. Memorável também é o momento em que uma criança encontra uma arma de fogo carregada, e os enquadramentos tornam-se fechados, e a montagem, frenética, tornando a situação ininteligível até que seja feito o disparo.

O filme é um estudo cuidadoso das relações humanas, sobrevoando a dureza de Dickie para num rasante apresentar o espectador à sua sensibilidade e sabedoria, pois apesar de seu jeito rude, o brucutu acaba se afeiçoando do casal problemático. E “problemático” não é nada além da superfície tênue que esconde mágoa, ressentimento, submissão e desprezo, sentimentos que vão sendo expostos aos poucos, seja pela figura instável e frágil de George, quanto pela inclinação ao adultério, pelo sadismo e orgulho de Teresa, e por outro lado, o estilo pacato e indiferente do marido ancora a juventude inquieta e fogosa de sua esposa, quase como que fosse um pássaro enjaulado.

A comicidade do longa é quase que apenas visual, pois o roteiro desenvolve-se dramaticamente, atingindo tal nível de introspecção e naturalidade que pouco resta ao espectador senão lamentar a inabilidade dos personagens em se comunicarem e se entenderem.

Há um quê de vouyer, em que o filme funciona como uma prévia de um reality show moderno, conferindo ao espectador um panorama completo do drama, inclusive tornando-o dolorosamente ciente da ignorância dos personagens que acompanha (como, por exemplo, a situação da “pesca de camarões” de Teresa com o jovem vizinho Christopher, que espeta nossa consciência do início ao fim).

E como estudo das relações humanas, não poderia faltar a disposição à violência que demonstra, apontando para os diversos níveis de colapso moral, psicológico e físico que uma pessoa pode chegar. A influência de Teresa sobre George é assustadora, e em dados momentos parece que a presença de Dickie, ao invés de incômoda, os está mantendo sãos. Isso pode ser reconhecido na forma como de início, é Teresa que se aproxima do criminoso, para posteriormente a relação se inverter, e Dickie ficar mais próximo de George, ao que os dois assumem uma relação de quase cumplicidade, o que torna a conclusão do filme ainda mais contundente

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