terça-feira, 3 de abril de 2012

Estranhos no Paraíso (Stranger Than Paradise, 1984), por Lorena Arouche



A câmera estacionária de Jim Jarmusch observa o comportamento estranho e existencialista pós-moderno em Estranhos no Paraíso, seu segundo filme. Utilizando- se e apropriando-se da estética fílmica e poética do Noir et Blanc, Jarmusch recorre à escolha de atores não profissionais, e nesse caso de músicos cool, e ou da cena independente, para evitar qualquer resquício de expressividade dramática encenada, que destempere a expressividade vazia por ele desejada.

Os personagens se encontram em Nova Iorque, sem que saibamos precisar exatamente em qual tempo, mas isso pouco importa quando se abordam questões que, mesmo após a virada do século, continuam procedentes, tal como: o hibridismo cultural, as identidades na pós-modernidade, o distanciamento individualista- existencialista, o ‘american way of life’ e sua decadência, a relação espaço- tempo, etc. Bela, conhecido como Willie (o músico John Lurie), é um jovem húngaro radicado nos Estados Unidos, onde vive sua monotonia e cuja nacionalidade faz questão de esconder. Completamente aculturalizado em seu novo país, Willie se depara com seu passado, através de um telefonema de sua tia que o incumbe de receber sua prima húngara, Eva (a cantora Eszter Balint), por dez dias. Incomodado pela obrigação familiar, Willie não mede esforços para fazer da estadia dela um evento ordinário, quase ignorado e naturalmente entediante. A respeito dele ou dela não se sabe quase nada; e suas atividades na rua, talvez por esse desconhecimento, soam suspeitas logo a princípio, porém com o passar do tempo, acaba surgindo neles algum esforço de se agradarem mutuamente e logo Willie se vê na tentativa de explicar o Novo Mundo à estrangeira, num processo de ‘catequização do capital’. Com o aparecimento do terceiro e último personagem- chave do enredo, o amigo americano de Willie, o Eddie (vivido pelo ex baterista do Sonic Youth, Richard Edson), sabemos que ambos são parceiros de jogatinas, os chamados ‘gamblers’, e dessa forma obtêm sua subsistência.

O olhar subjetivo e efêmero de Jarmusch recorre a uma unidade, um elemento, um tema que permeia todo o filme: a canção do estranho Screaming Jay Hawkings, ‘I put a spell on you’, trazida à cena sempre por Eva, em seu portátil toca fitas cassette. Além disso, destaco as transições das cenas e seus diversos planos com cortes que remetem ao blackout, normalmente, editados com um elo de ligação sonoro, seja ruído, música ou outro som off com efeito de atenuar o excesso de interrupções bruscas à recepção. Jarmusch se utiliza de poucos movimentos de câmera, o que acentua sobremaneira e destaca a quase inexistente ação dramática filmada. Normalmente, cabe aos atores se aproximarem ou se afastarem da câmera, sendo eles enquadrados externamente em ângulos abertos, para que surjam ínfimos em perspectiva diante do quadro e do mundo, ou internamente enquadrados em ângulos fechados para incitar a tensão oriunda do vazio, do silêncio, da falta de comunicação e do apego entre si.

Um ano após a partida de Eva em direção à casa de sua tia em Cleveland, Willie decide ir com Eddie ao seu encontro. Poucos dias depois, os três estão na Flórida, quiçá à espera que a mudança geográfica transforme a monotonia que permanece de inverno a verão. Entretanto, de alguma forma, a paradisíaca Flórida inspira surpresas e a reviravolta que legitima o título da obra.

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