terça-feira, 3 de abril de 2012

A mulher sem cabeça (lucrecia Martel, 2008), por Ludmila Ramos


O filme nos recebe mostrando de forma simplista, quase tediosa os ambientes que estão prestes a se cruzar. A estrada e Verônica em seu carro. O susto do acidente parece contemplativo e quase não dura. Na tela podemos nos perder no gesto de pôr os óculos ou nas marcas de mãos no vidro do carro. Sinto-me distraída, mas a essa altura já não sei se pelo ritmo do filme ou se pela personagem em si. O acidente paira sobre ela e sobre nós, que não sabemos muito bem o que aconteceu.

Ela parece transtornada mas tudo ao seu redor também, não como uma melodramática dúvida mas um aperreio sutil nas falas, nos toques e nos rostos dos outros. As relações de Vero com os vários membros de sua família parecem levemente tortas. A impressão de ter algo errado vai além da presença dela em quadro. Está no som que apenas supomos a origem, está no cuidado que todos tem para com ela que excede um senso comum do que seria a forma adequada de se tratar alguém debilitado e beira uma admiração. E, no entanto, os cuidados pairam apenas na superfície do que seria o ‘problema’ dela.

No momento que Vero verbaliza a sua dúvida-certeza de que atropelou uma pessoa e não um cão os rostos daqueles a quem ela fala assumem brevemente igual dimensão em cena que o rosto dela. Algumas opções cogitadas e dúvidas tiradas depois, todos parecem certos de que foi apenas um cão que cruzou o caminho dela naquele dia. Esses personagens voltam e assumem suas posições, afastados do que acontece na cabeça dela, que ainda não foi convencida.

Durante esse trajeto algumas falas pairam como orientações maiores para a personagem como quando sua mãe diz que se deve ‘parar de olhar os mortos e deixa-los ir’. Uma intervenção um tanto quanto didática, mas bem construída por remeter ao vídeo de casamento que esta via dias antes. Isso apela a Vero, mas não a nós. Parece-me mais direcionado a nós a reação repetida de susto que têm Vero ao ser abordada por seu irmão ou esposo. Não é só a tensão de um susto tardio, é o não reconhecimento do que antes era claro. Pode ser o não reconhecimento de si mesma e seu valores éticos, o não reconhecimento de uma ordem no mundo onde uma ação tem sua reação e elas se equivalem. Mas a agonia maior é o puro e simples não reconhecer, tão puro, que não se sabe o que se está a ignorar.

O filme se estende um pouco mais, vagaroso. Quero seu fim, pois quero um fim para a minha agonia, uma resposta. Não a tenho e por isso mesmo a tenho. Mete-se o filme a explicar-me Verônica? Não creio, nem só representá-la. O filme está lá para me irritar levemente e me mesmerizar diante daquilo que eu não gostaria mas sou levada a acreditar que tenho a curiosidade de conhecer por ‘dentro’ um dia.

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