sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Meretrício de luxo" por Manoel Pires Medeiros Net


Sofisticação e delicadeza misturam-se à temática pesada em obra-prima de Edwards

Nem tudo que parece, de fato, é. Filosofias clichês da ‘psicologia’ da auto-ajuda, como essa, reproduzem-se alucinadamente esquinas afora. Mas, sempre há de se concordar. O que você imaginaria da mistura que contém um roteiro baseado num texto de Truman Capote, direto e pessimista, e uma protagonista prostituta, que vive em Nova York, sonhando em dar o golpe do baú? Bonequinha de Luxo, longa-metragem de Blake Edwards, lançado no início da década de 60, endossa a verdade do ‘mantra’ citado acima. Do vulgar ao pueril, requintes de um clássico cinematográfico.

A história de Capote, Ao começo do dia, lançada em 1958, é a principal fonte de inspiração do filme, estrelado por Audrey Hepburn, atriz consagrada em Hollywood devido às suas personagens recatadas e encantadoras, o que contrariou o desejo do escritor, que preferia a atuação de Marylin Monroe, mais sexy e condizente com a essência das escritas capoteanas. De fato, fora uma escolha acertada. Edwards, já consagrado com seus filmes de comédia, entre eles A Pantera-Cor-de-Rosa e Um convidado bem trapalhão, desenhou uma narrativa muito mais leve e fluida que aquela registrada na história em que se baseou. Apesar de constituído por elementos densos, a narrativa é guiada camuflando os aspectos mais sórdidos, como, por exemplo, a bissexualidade da personagem principal. Bonequinha de Luxo é muito mais uma pintura bem humorada e, sobretudo, requintada, de uma doce mulher e uma interessante paixão na Nova York do século passado.
O enredo do filme, apesar de rodado há quase cinqüenta anos, cita questões da contemporaneidade e, certamente, esse é um dos motivos que o levaram ao hall dos grandes filmes da historia da sétima arte. A prostituição e a procura da felicidade através do poderio material são discutidas desde os remotos tempos de Sófocles no teatro grego, já que essa, como se diz por aí, é a profissão mais antiga da história da humanidade. Sabe-se, entretanto, que os ângulos de visão para tal produto social são os mais diversos possíveis. Holly Golightly, personagem de Hepburn, mostra-se através de um discurso metafórico e permeado por requintes da burguesia. O figurino da personagem, que veste roupas do francês Hubert Givenchy, virou mania entre as grã-finas da high-society na terra do Tio Sam. O pagamento, pelos seus ‘amigos’, de cinqüenta dólares a cada vez que ia ao banheiro é o grande código àqueles que enxergaram algo de mais podre na vida dela.
Exibido a cores, no tempo em que o preto e branco ainda era vigente, o filme não se responsabiliza por tentativas de parecer de vanguarda. Objetivou-se, em primeiro plano, na ambição do lucro, coisa que a indústria cinematográfica americana já sabia fazer muito bem naquele tempo. Mas, assim como em outros objetos culturais, a aclamação da crítica surgiu rapidamente (conquistou o Oscar de melhor trilha sonora e de melhor canção, além de outras indicações).
As atuações do afinado elenco também fizeram com que o luxo da Tiffany´s e as trapalhadas de Hepburn alcançasse o sucesso que obteve. George Peppard, no papel do escritor sustentado pela ‘decoradora’, atingiu o êxito que o casal de protagonistas exigia. Saiu da trilha, entretanto, a atuação de Mickey Rooney, o Sr. Yunioshi, num papel muito mais do que ridículo. Não se justifica as insistentes aparições do japonês que, sem saber ao que veio, quase levou a obra ao ‘quintal dos excluídos’. Há de destacar-se, finalmente, a presença do gato sem nome. O animal representa, emblematicamente, o não reconhecimento da situação de Holly naquele tempo à espera da triunfal e verdadeira vida que ela sonhava (só aí móveis e nomes seriam atribuídos e aceitos).
No Brasil, as influências do filme de Blake Edwards na indústria do áudio-visual podem ser observadas em Paraíso Tropical, telenovela recente veiculada pela TV Globo, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. A personagem Bebel, vivida pela competente Camila Pitanga, imigrou de um bordel na Bahia rumo ao estrelato da vida carioca. Após muita luta, encontrou seu ‘José da Silva Pereira’ e transformou-se na chique ‘socialite’ a exibir seus trajes e chapéus nos primaveris casamentos no outono. Muito mais vulgar, muito mais entregue - mas era de luxo.

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