sexta-feira, 30 de novembro de 2007

"Um filme medíocre de um diretor fantástico" por Clarice Monteiro


Alguns diretores de cinema parecem não ter um estilo definido. Produzem de forma cíclica, intercalando grandes sucessos e esplendorosos fracassos. John Huston é um exemplo disso. "Acho que não sou um diretor de estilo marcante. (...) Não consigo perceber a menor continuidade no meu trabalho de um para outro e o que mais me chama a atenção é como diferem entre si”, afirmou varias vezes. Na verdade era um homem de muitos interesses além do cinema e não escondia isso de ninguém. Sua paixão por boxe, literatura, pintura e cavalos foram, em determinadas fases de sua vida, tão importante quanto dirigir filmes.

Talvez tenha sido esse o motivo de Huston ter começado tão tarde sua carreira cinematográfica. Estreou como diretor em 1941, aos 35 anos de idade, com The Maltese Falcon (O Falcão maltes), cujo roteiro escreveu baseando-se na novela de Dashiel Hammett. Com esse filme tornou-se um dos mestres do chamado cinema noir, tendo dirigido ainda outro grande exemplar do gênero: O segredo das jóias (com Marilyn Monroe). Depois da guerra produziu mais um clássico, O tesouro de Sierra Madre (1949), filme que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor.

Mas, Se John Huston fez sucesso logo no inicio de sua carreira, nos anos 40; na década de 60, contudo, ele passou por momentos mais difíceis. Nesse período há uma alternância constante de projetos ambiciosos e outros totalmente despretensiosos. Nenhum deles configurando-se como êxito de bilheteria, e mesmo aqueles que posteriormente viriam a ser considerados representativos dentro da sua obra, no momento de suas estréias não tiveram uma boa resposta da crítica.
A noite do iguana é um filme dessa época problemática. Adaptação de uma peça de Tennessee Williams, não é bom nem ruim, é um filme mediano. Na época, não foi apenas ignorado, mas desdenhado pela crítica. Mesmo assim ganhou um Oscar de Melhor desenho de figurino e foi indicado a mais três.
Em sua autobiografia, Huston conta um fato, no mínimo curioso, sobre as filmagens desse filme. Disse que ao iniciá-las presenteou os protagonistas, e também Elizabethe Taylor (esposa de Burton que o acompanhava), com uma pistola e quatro balas douradas onde haviam sido gravados os nomes dos demais. “Felizmente, ninguém chegou perto de precisar usá-las” disse Burton posteriormente, pois, apesar da abundância de estrelas em seu elenco (Richard Burton, Ava Gardner, Deborah Kerr) não houve conflitos nos sets de filmagem de A Noite do Iguana. A verdade é que nas mãos de Huston diversos atores alcançaram desempenhos muito acima do que mostravam em outros filmes, porque para ele, ou “o personagem tinha cheiro de ser humano”, ou não era nada. Não é a toa que sua galeria de perdedores é imensa, enquanto a de heróis é bem reduzida.
Produzido em 1964, tendo como pano de fundo o litoral mexicano, mais precisamente Puerto Vallarta (onde posteriormente Huston viria a fixar residência), A Noite do Iguana tem como tema central a solidão e as tensões sexuais dos seus personagens principais. A linha narrativa tem como ponto fundamental a história do ex-pastor protestante Lawrence Shannon (Richard Burton) que, afastado do sacerdócio por um escândalo sexual, é reduzido a guia turístico de excursões pelo litoral mexicano. Em uma dessas excursões conhece Charlotte Goodall (Sue Lyon), uma jovem cuja obsessão parece ser seduzi-lo. Após varias confusões causadas pela jovem e ameaçado de perder o emprego, Shannon procura a ajuda de sua amiga Maxine (Ava Gardner), dona de um hotel local. Junta-se à dupla, então, uma pintora solteirona, Hannah Jelkes (Deborah Kerr), que viaja com seu avô, um velho poeta interpretado por Cyril Delevanti.
O filme possui uma bela fotografia em preto e branco e atuações muito boas, como a de Deborah Kerr, no papel da pintora Hannah Jelkes. Ela consegue roubar a cena desde o primeiro momento em que aparece, deixando os outros personagens meioque apagados; mesmo assim A noite do iguana não empolga. O enredo é muito morno e por vezes fragmentado. O momento do clímax nem chega a ser um clímax realmente, é tudo muito previsível. O final também é pouco convincente e força muito um “...E foram felizes para sempre”. Além disso, o filme tem lá as suas cafonices como os “beach boys” com as maracás.
Mesmo assim, Huston é capaz de construir belas cenas, como quando Burton alcoolizado, dialoga com Sue Lyon enquanto se auto-puni caminhando descalço sobre cacos de vidro ou na cena em que o velho poeta, já às portas da senilidade, consegue por fim terminar seu último poema (de autoria de Tennessee Williams), que ao longo de todo o filme vem ensaiando.
A noite do iguana é o 25º dos 40 filmes que Huston dirigiu entre 1941 e 1987, destes, bem menos da metade é de real interesse do público, incluído o citado acima. Contudo, de todas as coisas que podem ser ditas sobre esse diretor, ninguém poderia o acusar de não ter tentado algo novo, And though he didn't always succeed, when he did it was spectacular.embora nem sempre tenha conseguido. Sem dúvida, seus filmes de aventura como O tesouro de Sierra Madre (sobre a ganância humana) e O homem que queria ser rei (sobre o orgulho), além dos clássicos Moby Dick e Uma aventura na África (cujas filmagens também foram uma aventura, conforme mostra o filme Coração de caçador, de Clint Eastwood) formaram um conjunto de obras das mais significativas da história do cinema. No fim, pesando os sucessos e os fracassos, o pai de Anjelica Huston pode ser considerado um grande diretor.

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