Audrey com um elegante Givenchy preto, pérolas, o cabelo arrumado em um coque, provando um croissaint em frente à Tiffany’s. Moon River toca - uma composição da primeira cena brilhantemente orquestrada por Blake Edwards. Givenchy, um dos mais famosos estilistas do mundo, marcava o início da parceria com a atriz que tornaria seus modelos sinônimo de sofisticação. A joalheria Tiffany’s era mais que uma loja – era o sonho da personagem, com cada diamante, cada pérola, anéis de ouro e atendentes gentis. Audrey Hepburn, linha melódica que conduz aquela sinfonia luxuosa, com a harmonia requintada da Nova Iorque dos anos 1960, interpretando... ela mesma.
Não que Audrey se pareça com a personagem. Holly Golightly é, na obra original de Truman Capote, Breakfast at Tiffany’s, uma cortesã urbana e moderna, mas pertencente a uma camada marginal da sociedade da época, relacionando-se com mafiosos, gigolôs e, inclusive, transmitindo uma possível bissexualidade. Capote preferia Marilyn Monroe para o papel, a Paramount preferiu Audrey; Audrey preferiu Blake Edwards, diretor da série de comédias A Pantera Cor-de-Rosa, que saberia dar a personagem o seu tom. (Não só o dele, com suas pitadas de humor pastelão e cenas de festinhas de ricos caricatos em apartamentos. O tom de Audrey.)
A princípio encantados com aquela bela moça a quem os homens pagam 50 dólares para ir ao toalete, e outros 50 para o táxi, que mal conhece o vizinho, Paul Varjak (George Peppard) e o deixa entrar em sua casa e sua vida, além de renomeá-lo Fred (nome do seu irmão), que convida pessoas para festas regadas a vinho em seu pequeno apartamento e incomoda seu vizinho de descendência oriental, somos, então, postos a confrontar sua dimensão mais humana e suas fragilidades. Holly é, também, Lula Mae, caipira que ainda muito jovem casou-se com um homem bem mais velho, com quem seu espírito livre e selvagem não a permitiu permanecer. Se divorcia, vai para a cidade, lá recebe a ajuda de O. J. Berman (Martin Balsam), cuja origem da riqueza e da influência não se faz conhecida no filme. Perde o sotaque, perde os modos rurais e os desejos simples de moça do campo. O espírito leve, infantil e desgarrado permanece.
Ainda que só depois sejamos convidados a conhecer a história de Holly, o filme e a própria personagem não têm segredos. Todos os mistérios estão escritos na superfície em letras garrafais, desde o momento em que ela deixa claro para Paul que seu gato chama-se... “gato”. Não tem nome porque ela mesma não se sente no direito de dar um nome a ele; ele é livre, não pertence a ela, tampouco ela a ele, simplesmente se encontraram um dia. Ela se define, e O. J. Berman completa: uma impostora, mas autêntica. Mal sabe ela de sua própria natureza, que quer crer selvagem, e vai se revelando aos poucos no filme. Encontra, enfim, a liberdade no amor por Paul, em um desfecho distinto do de Capote, mas extremamente de acordo com Audrey.
Filme, figurino, roteiro, final – tudo para ela. Bonequinha de Luxo é um dos muitos filmes “audreynianos” da época, feitos para seu perfil doce e sua beleza diferenciada e elegante. Era ela mesma a própria “bonequinha” de então, perfeita para um tipo de cinema hollywoodiano, despreocupado com a profundidade e a redefinição da estética cinematográfica proposta pelos movimentos que emergiam paralelamente na Europa – perfil não condizente, contudo, com a sua dedicação às causas sociais e sua posição de embaixadora do Unicef. Mas é o resultado da representação escolhida para ela nas telas, um ideal de sofisticação e beleza que ainda se mantém no imaginário dos cinéfilos que se permitem assistir seus filmes com um olhar tão despretensioso quanto eles mesmos o eram.
O texto flui. Amei Heleníssima.
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