O mote é, aparentemente, banal – o reencontro de um casal de amantes, um ano após se conhecerem, no mesmo hotel. O ponto de vista é tudo. Ao contar tal história lançando mão de todos os recursos possibilitados pelo vídeo, Resnais constrói o reencontro enquanto, simultaneamente, revela lembranças do fato ocorrido. Na contramão na linearidade temporal, expõe o presente e deixa dúvidas sobre o passado. Aquele encontro realmente aconteceu? O homem insiste em convencer a mulher, que nega freneticamente, permitindo-se, contudo, eventuais momentos de contemplação que nos fazem considerar veracidade na insistência do suposto amante. E as cenas passam diante dos olhos dos espectadores sem preocupações lógicas ou cronológicas.
Talvez o pensamento livre de cobranças pelo encontro de um significado seja o pressuposto essencial na contemplação e compreensão da obra. Os eventos se sucedem, à primeira vista, desconexos e nada coesos. As falas dos personagens se repetem – ele garantindo que já se encontraram, contando passagens dos momentos que viveram juntos, mostrando fotos, exigindo que ela recorde; ela negando, pedindo que a deixe em paz. O filme é a ótica dela. Sua confusão interior transparece na mistura de imagens – a mesma cena ocorre em locais diferentes, com figurinos distintos, às vezes, a mesma situação tem desfechos variados. O contraste se faz, então, essencial na revelação da quebra de linearidade proposta pelo diretor. Roupas pretas ou escuras aparecem em momentos que remetem ao presente, o branco é a cor predominante nas memórias do ano anterior. Mesmo esse fio de lógica, entretanto, se desvanece no desenrolar do filme. Ela não sabe mais o que foi ou o que é, não percebe o que houve ou o que ela imagina ter havido, não sabe se crê nele ou não, é, aos poucos, convecida. E o jogo de imagens traz ao espectador todas as suas dúvidas. O homem mente?
O marido é mero figurante. E os figurantes pouco falam, em verdade qualquer gesto seu é solicitado pelos protagonistas e entra como complemento a ação da cena. O filme é organizado aos moldes dos pensamentos, se é que há, neles, qualquer ordenação. Algo que nos remete, inevitavelmente, ao conceito de “fluxo de consciência” associado à obra de Clarice Lispector – mistura de memórias, idéias e uso de linguagem que percorre os caminhos cheios de idas e vindas, curvas e atalhos, do pensamento.
Abrem-se também, durante o filme, múltiplas possibilidades de explicações metafóricas ou figurativas. O jogo, que o amante sempre perde e o marido sempre ganha, a estátua – o homem protege a mulher de algo ou ela o alerta para qualquer coisa?-, as fotos, inúmeras, que aparecem na gaveta da mulher, como se, repentinamente, encontrasse as recordações produzidas pelo amante, outrora escondidas.
Em O ano passado em Marienbad, Alain Resnais abre mão do conteúdo em prol da forma – e ela é, sem dúvida, o que dá densidade ao filme. A fotografia clássica, a montagem e as técnicas inovadoras associadas a uma temática recorrente em sua obra – a memória – convergem em uma película que se tornou um marco da nouvelle vague. O segredo é se deixar levar.
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir