(Aconteceu naquela noite, Frank Capra, Estados Unidos, 1934).
Um filme de roteiro simples, porém bem estruturado, com personagens que conseguem promover o riso através de diálogos fáceis, mas ao mesmo tempo imbricados de conteúdo. Essas, definitivamente, são características que podem ser atribuídas a Aconteceu naquela noite de Frank Capra. Uma película que contribuiu não apenas para a notoriedade do gênero screwball commedy, mas também para o repertório de road-movies.
Ser considerada a primeira produção de road-movies da história do cinema, concedeu ao filme de Frank Capra um caráter inovador. Em uma época em que o deslocamento de cenários não possuía um grande suporte tecnológico, conseguir suplantar essa inoperância de espaços físicos, constituiu uma forte contribuição para as construções cinematográficas posteriores. Além disso, a utilização de vários cenários promoveu certo dinamismo na narrativa da película, resultando em uma maior conexão entre o expectador e a história contada.
O dinamismo em "Aconteceu naquela noite" também se deve ao enredo do filme e ao gênero em que está inserido – screwball comedy. A fuga de Ellie Andrews (Claudette Colbert), para encontrar com King Westley (Jameson Thomas), com quem se casara secretamente, é permeada por várias situações inusitadas. Desde a procura de seu pai, um multimilionário que coloca fotos de sua filha em vários jornais da cidade, até a companhia do jornalista Peter Warren (Clark Cable) que resolveu ajudar Ellie, para em troca, publicar a sua história em busca do amor. Nessa trajetória, a srta. Andrews e o jornalista Peter passam por um processo de conhecimento em que acabam se apaixonando um pelo outro. O enredo angaria ainda mais movimentação com os encontros e desencontros típicos da comédia romântica e a trama passa a apreender a atenção de seus expectadores pela agilidade da narrativa e pelas conversas inteligentes entre os personagens.
O caráter inovador atribuído ao filme não reside somente na estrutura (road-movie) em que foi construído, mas também na composição de algumas cenas que depois foram bastante utilizadas em outras produções. A cena em que Claudette Colbert mostra as pernas para conseguir uma carona é um exemplo disso. Além de realçar a perspicácia de Ellie, esse momento do filme também demonstra certa ingenuidade de Peter que concebia a sua companheira de viagem como sendo frágil e detentora de pouca experiência de mundo. Essa cena também desponta ares contemporâneos ao filme, ao apontar já em 1934, a perspectiva de uma mulher que embora se mostre frágil em algumas circunstâncias, não deixa por isso de ser determinada e consciente das suas aptidões.
A criação de personagens bem trabalhados e bem aceitos pelo público também merece elogios à produção de Frank Capra. O diretor soube mesclar, de forma hábil, características opostas em uma mesma figura, permitindo que os personagens embora possuíssem traços reprováveis em sua personalidade, também agregassem qualidades que se sobrepusessem aos defeitos. Dessa forma, sujeitos que em sua essência se afigurariam como vilões, caíram no gosto do público devido as suas imperfeições típicas da realidade. Ellie Andrews e Peter Warren são exemplos disso. A filha de Alexander Andrews é mimada, mas a isso é dada uma justificativa: ela é o reflexo da educação de seus pais. Além disso, Ellie conquista o público pela mudança no seu modo de agir ao longo da sua trajetória ao lado de Peter. Já o jornalista, embora nas primeiras cenas se mostre irresponsável, ao ponto de perder o seu emprego por estar sempre bêbado, cativa os expectadores com a sua preocupação com Ellie. A princípio essa preocupação é em virtude de Peter a enxergar como uma matéria rentável, mas posteriormente se transforma em uma preocupação fruto de sua afeição e paixão por Ellie.
A popularidade dos personagens também deve ser creditada ao processo de identificação do público em geral com os interpretados. Embora Ellie pertencesse a uma classe econômica mais favorecida, havia semelhanças em seus hábitos com de outras classes sociais. Cenas em que Ellie e Peter percebem que possuem costumes comuns, como por exemplo, molhar o biscoito no café e a alusão à brincadeira de cavalinho, permitem que os expectadores se vejam nas ações dos dois. Além disso, o medo de que algo ruim tivesse acontecido com sua filha fez com que Alexander Andrews procurasse o verdadeiro amor de Ellie, antes que ela se casasse com King. Essa preocupação paternal em relação à felicidade dos filhos não é exclusiva do pai de Ellie, mas sim, característica de grande parte dos pais, independentemente do seu poder aquisitivo.
Em resposta à grande recepção do público e à boa aceitação da crítica cinematográfica, Aconteceu naquela noite ganhou os cinco principais prêmios do Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteirista e melhores ator e atriz. Confirmando, assim, a qualidade do filme produzido por Frank Capra.
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