sábado, 18 de abril de 2009

"Entre o clichê e o profundo" por Aaron Athias


Cinema é um negócio lucrativo. E ao longo de toda história cinematográfica, muitos diretores (felizmente não todos) buscaram sempre repetir as fórmulas dos grandes sucessos de bilheteria. Com Douglas Sirk não foi diferente. A Universal International Pictures quis continuar com o casal “chama-público” Jane Wyman e Rock Hudson do seu último filme “Obsessão magnífica” (1954) e entregou o roteiro de “Tudo que o céu permite” para Sirk. De início, ele o achou “um pouco impossível”, mas conseguiu modificá-lo e usar o grande orçamento que lhe foi oferecido para filmar jeito que quis. Embora o filme não tenha agradado muito a crítica da época, ele teve grande aceitação na audiência.

Cary Scott (Jane Wyman) é uma viúva que vive confortavelmente e tem dois filhos que passam a maior parte do tempo em suas respectivas universidades, longe da mãe. Sua vida social se limita às festas do clube local na qual todos de sua classe social e idade se encontram numa espécie de rito forçado. Mergulhada no tédio profundo que é sua rotina, e, de certa forma conformada, Cary se considera incapaz de casar de novo. Mas já no início (início mesmo, primeira cena) observa-se um nítido interesse de Cary por Ron Kirby (Rock Hudson) seu jardineiro.

Quando a paixão é desvelada no primeiro beijo entre os dois no antigo moinho, e posteriormente no pedido de casamento de Ron, o que deveria ser um alívio para a Cary, que finalmente reencontrou um caminho na sua vida, se torna o começo de uma jornada de enfrentamento. O dirão de uma viúva rica que se casará com seu jardineiro metade de sua idade? Ao aceitar o pedido de Ron, Cary verá a outra face da sociedade, a face escondida que se mostra através do preconceito, enraizada na cultura e nos jardins impecáveis das casas de sua rua. Ou nas palavras de Sara (Agnes Moorehead), sua melhor amiga, “são nessas situações que trazem à tona o lado detestável da natureza humana”. A desaprovação é refletida por parte de praticamente todos que circulam e rodeiam a vida de Cary, incluindo (e principalmente) seus filhos que não toleram a idéia de que ela vá se casar com alguém da estirpe de Ron.

A trama se desenrola, e a pressão exercida pelos filhos se intensifica a tal ponto que Ned (um dos filhos) ameaça Cary de abandoná-la. O que demonstra ser o estopim para Cary, é o momento em que Kay, sua filha, chega em casa aos prantos devido a gozações e insinuações que levantaram referentes a Cary e Ron. Cary cede. A felicidade dos filhos dela vem em primeiro lugar, mesmo que isso signifique sacrificar a sua própria. A relação com Ron é interrompida e tudo parece voltar à “normalidade”.

Após ter reconciliado com os filhos, é Natal e Cary está em casa com sua família. A cena talvez mais curiosa, e de maior expressão do filme é quando Ned dá de presente para sua mãe uma televisão. Cary, que anteriormente no filme já havia explicitado que televisões eram para donas-de-casa entediadas, se vê então diante da sua televisão. Símbolo da monotonia da vida caseira, símbolo da vida que ela teria ao abdicar de Ron. Não demora para que ela perceba o erro e vá finalmente ao encontro de Ron. O fim é óbvio e o amor triunfa.

Tudo que o céu permite é acima de tudo muito fotográfico. Cada gesto, objeto, cada posição dos personagens na cena, cada detalhe da cena parecem ter sido minuciosamente preparado com antecedência (e muito provavelmente o foi) para gerar uma composição fotográfica muito bem construída. Além do mais, a saturação de cor promovida pela Technicolor só enfatiza o clima meloso e romântico com o exagero dos tons de vermelho, laranja e azul. É esse na verdade o grande chamativo do filme. As cores irreais que aparecem logo na entrada (a panorâmica da cidade de Stoningham) em plena estação de outono já vislumbram o espectador de primeira da mesma maneira que “O Mágico de Oz” de 1939.

O filme de Sirk é aparentemente mais um filme de amor entre classes sociais, mas não, é também um filme de revisão de valores, ou melhor, de conversão de valores. Cary não vê futuro na vida que leva, marcada pelo tédio e pela frivolidade. Ela se apaixona não somente pelo homem Ron, mas pela sua simplicidade e pelo seu modo de vida pacato, longe dos olhos julgadores da cidade. De imediato Cary não consegue visualizar-se nos padrões de vida de Ron, mas há esperança. Se Mick e Alida Anderson conseguiram superar a vida marcada pelo supérfluo e adotaram também a simplicidade, por que Cary não seria capaz? Sirk transforma uma história predominante social em uma historia de transformação pessoal. A luta de Cary é, ao mesmo tempo, uma luta externa e interna, uma luta pelo direito de amar quem ela quiser perante a sociedade e uma luta pelo direito de ser o que quiser, dona de sua vida e livre das interferências.

Por tudo que foi dito acima, um poderia pensar que o filme possui um grande viés moral por romper com as barreiras e os pensamentos vigentes da sociedade da década de 1950 ou simplesmente ser um melodrama bastante sentimental com um final previsível. O filme não deixa de ser um pouco as duas coisas. É claro que a segunda é bastante mais visível devido à trilha sonora e atuação dos personagens, mas que Sirk conseguiu criticar a superficialidade das relações em uma classe social, disso (pelo menos hoje em dia) ninguém tira o crédito. Acontece que Sirk era, de certo modo, um pouco subversivo para a sua época sim. Sabe-se que, originalmente, ele quis que o filme terminasse com a queda de Ron do pequeno penhasco no momento em que ele reconhece Cary, deixando em aberto se Ron sobreviveria ou não. O produtor Ross Hunter achou esse fim muito “depressivo” e “perturbador” para a audiência e, portanto o final foi modificado para que houvesse um desfecho feliz e convencional. No final das contas, Tudo que o Céu Permite acaba tendo seu aspecto crítico inserido. De forma sucinta, mas implícito. Não é porque o filme é um sucesso de bilheteria por apelar ao clichê que não podemos tirar uma cena, um detalhe, ou um diálogo profundo em toda sua produção.

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