terça-feira, 21 de abril de 2009

"Tudo que o kitsch permite" por Yuri Assis


Assim que assisti a Tudo Que O Céu Permite, a primeira observação que fiz foi a respeito da semelhança estética com filmes de Almodóvar, no que há de mais gritante e exuberante nas produções do diretor espanhol.

Não foi nenhuma surpresa descobrir que as cores de Almodóvar eram cores sirkianas. Por causa disso, pus-me a pensar no uso do elemento kitsch na composição do filme. Clarice Lispector diria em Água Viva que 'aquilo que é ruim está desprotegido e precisa da anuência de Deus'. Assim talvez aconteça com a cafonice, que na mão de deuses como Caetano Veloso ou Quentin Tarantino, transforma-se e ajuda a tecer grandes obras de arte.

Observações estéticas à parte, Tudo Que O Céu Permite trata-se de um melodrama que traz a diferença social para um caso de amor. Se fosse um livro, talvez se situasse entre o Romantismo e o Realismo, pois ao mesmo tempo em que tem o enredo central ancorado em uma relação amorosa, analisa as frivolidades da sociedade e confronta o desejo do indivíduo com seus laços com as instituições.

Trocando em miúdos, Cary Scott (Jane Wyman), protagonista do filme, é uma viúva de meia-idade cujos filhos estão prestes a serem donos de seus narizes. Sua vida limita-se a festinhas em um clube freqüentado pela alta roda da sociedade. Aqui, vale ressaltar que Sirk não economiza no uso de tipos ao retratar o estrato social mais chique, todos interessados em aparências, status e em falar da vida alheia.

Em meio a tanta mediocridade, Cary encontra Ron Kirby (Rock Hudson), que até então era apenas um jardineiro podando as árvores. Acontece que eles se apaixonam e o conflito se estabelece. Ron leva Cary para sua casa, um ambiente completamente diferente do clube, no qual ela se sente acolhida e recupera seu ânimo há tanto perdido. É claro que Sirk aproveita o momento para evidenciar o contraste entre ambos os lugares, começando pelo desgastadíssimo embate entre campo (casa de Ron) e cidade (casa de Cary). Nada mais kitsch, obviamente.

Como nem tudo são flores, Cary acaba tendo que voltar para a alta sociedade. Ainda encantada com o mundo de Ron, ela decide levar adiante seu romance, a ponto de pretender integrá-lo aos costumes de seu grupo social. Nem é preciso dizer que seu intento dá errado e que ela se vê na iminência de tomar uma decisão entre a vida que está levando e a vida que quer levar.

Além disso, sua família torna-se outro empecilho. Sua filha – estudante de psicologia que preza pela análise fria, mas que no fim das contas revela um coração mole, pois afinal ainda estamos num melodrama –, que a princípio se mostra racional e decide dar todo o apoio à mãe, acaba cedendo aos apelos do mundo e ao sentimento de pertencer a um grupo. Já o filho, representante da figura paterna, não pretende deixar um pobretão tomar o lugar de seu querido falecido. Cary, portanto, novamente ajuizada, decide afastar-se de Ron em nome do lar.

Seus filhinhos, contudo, já estão se emancipando e dando cabo de suas próprias vidas. Daí, Cary percebe que ficará a sós com a televisão que ganhou de presente de Natal. Eis aqui um ponto alto do filme que o aproxima da vida moderna: o simulacro como compensação para todo o esforço feito para se manter na linha da sociedade, do Estado, da família, da normalidade plena, entre outros.

O fantástico de Tudo Que O Céu Permite é o uso do desgaste para estabelecer uma história que tem traços de novidade. Por paradoxal que seja, o kitsch entra para inaugurar questões que assumem um nível filosófico. Apesar do enredo previsível e rendido ao estilo melodramático, Sirk encontra no desenrolar da história brechas para fazer transcender aquilo cujo significado se esvaziou.

Fatores estéticos e narrativos renderam uma produção audiovisual que não se encaixa estritamente em nenhuma classificação. O resultado é um longa-metragem que consegue ultrapassar o âmbito puramente comercial sem deixar de ser sucesso de bilheteria e vendagem.

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